Greves, operações-tartaruga e outras ações mostram que os trabalhadores da Amazon não apenas suportam sua exploração; eles também reagem. Por Ralf Ruckus
A Amazon está entre os maiores vendedores de livros, empresas de varejo e hospedeiros web do mundo — e é conhecida por suas enormes redes logísticas e armazéns, onde trabalhadores processam itens para enviá-los aos consumidores.
A Amazon, ao contrário de suas alegações largamente papagaiadas pela mídia, não revolucionou a venda e distribuição de bens; o que fez foi, meramente, combinar o novo potencial das vendas pela internet com velhas práticas de serviços de encomenda. Ela cortou os custos e prazos de entrega ao mecanizar, taylorizar e padronizar o trabalho e os processos logísticos, criando, deste modo, um ambiente laboral exploratório com centenas de milhares de empregos não-qualificados, tediosos e enfadonhos em armazéns ao redor do mundo.
Greves, operações-tartaruga e outras ações mostram que os trabalhadores da Amazon não apenas suportam sua exploração; eles também reagem. Um exemplo recente é a luta no armazém da Amazon inaugurado em Sady, nos arredores da cidade de Posnânia, na Polônia ocidental, em setembro de 2014. Este artigo joga luzes sobre as condições de trabalho e os esforços de organização e luta dos trabalhadores por lá, e identifica os desafios e problemas enfrentados por trabalhadores e ativistas apoiadores.[2]
Um negócio global
A Amazon começou com a venda de livros nos EUA em 1994, mas oferece hoje em vários países todo tipo de produto, de eletrônicos a comida, vendendo-os por meio de sua própria rede de armazéns; funciona também como uma plataforma de vendas, a partir da qual outros comerciantes ou produtores podem ofertar seus produtos.[3] A Amazon também produz e vende eletroeletrônicos (Kindle, Echo…), envolve-se com streaming de vídeos e música e gerencia um serviço de nuvem e hospedagem web, seu mais dinâmico setor no momento.[4] Nos EUA a Amazon provê, também, um serviço business-to-business (B2B), isto é, a venda de maquinário e suprimentos entre empresas.[5]
A Amazon expandiu sua rede de armazéns para a Europa em 1999, primeiramente para o Reino Unido e depois para a Alemanha, França, Itália e Espanha. Desde 2004/2005, abriu armazéns no Japão e na China[6], e agora expande-se rapidamente na Índia.[7] Atualmente, a Amazon tem mais de 200 centros de distribuição, triagem ou atendimento pelo mundo.[8]
A empresa ainda não dá muito lucro porque — segundo suas políticas de gestão — muito de seu superávit tem sido investido em crescimento: novos centros de atendimento, novas linhas de produto, novas tecnologias etc.[9] Com valor líquido de mais de US$ 107 bilhões em 2015, a Amazon é um dos maiores varejistas globais, embora continue atrás da líder Walmart, que vale cerca de US$ 490 bilhões.[10] A Walmart, todavia, tinha cerca de 2,2 milhões de trabalhadores no começo de 2015, enquanto na mesma época a Amazon tinha algo como 140 mil (com outros 100 mil, aproximadamente, em empregos temporários durante o pico de vendas do final do outono).[11]
A Amazon na Polônia
Como parte de sua expansão na Europa, a Amazon instalou três centros de atendimento na Polônia no final do verão de 2014: um na vila de Sady, perto de Posnânia, e dois perto de Breslávia — ambos com subsídios estatais.[12] Até o momento, a Amazon não tem uma plataforma de vendas online em polonês. Seu centro de atendimento na Polônia serve ao mercado da Europa Ocidental, principalmente ao alemão, o segundo maior da Amazon no mundo.[13] Os centros de atendimento poloneses são investimentos de raiz, localizados em zonas industriais nas periferias urbanas, conectadas à Alemanha por estradas e aeroportos locais. Os municípios de Posnânia e Breslávia têm, ambos, baixas taxas de desemprego — que variam drasticamente de acordo com as regiões da Polônia —, então a Amazon precisa atrair trabalhadores num raio de 50 ou 60 quilômetros e prover transporte para levá-los ao trabalho.
Em Sady-Posnânia, os trabalhadores em armazéns foram, primeiro, empregados diretamente pela Amazon por meio de contratos de três meses, em setembro de 2014. Quando começaram seus trabalhos, tiveram apenas um curto treinamento de alguns dias. Muitos destes trabalhadores foram efetivados em dezembro. Trabalhadores temporários foram contratados ainda em outubro por meio de prestadoras de serviços como Manpower, Randstad e Adecco. A Amazon usa um sistema dual de força de trabalho para dividir os trabalhadores: aqueles diretamente empregados, com contrato permanente, são identificados por um crachá azul, e aqueles empregados pelas prestadoras de serviços, com contratos válidos por poucas semanas ou meses, recebem um crachá verde para exibir seu status diferenciado de contratação.[14] Até o momento, os trabalhadores temporários são pelo menos metade de todos os trabalhadores contratados fora dos momentos de pico de venda em Sady-Posnânia, e seu número dobra ou triplica nestes momentos.[15] Há igual número de trabalhadores e trabalhadoras, ainda que alguns departamentos empreguem mais homens e, outros, mais mulheres. A maior parte dos trabalhadores ou é bastante jovem (em seus vinte e poucos anos) ou mais idosa (acima de 45 anos), o que reflete sua situação no mercado de trabalho: para os trabalhadores jovens, é um trabalho temporário ou um dos seus primeiros trabalhos, e para os mais idosos é uma chance tardia, talvez mesmo a última, de conseguir um emprego formal.[16] Há poucos trabalhadores migrantes, majoritariamente ucranianos: os que têm visto para trabalho e falam polonês trabalham no armazém; os demais trabalham no refeitório e na limpeza, ambos subcontratados.[17]
Ontem levei 5 minutos para chegar ao refeitório.
Quando cheguei, tive de esperar 20 minutos pelo almoço.
Contando com outros 5 minutos para o caminho de volta ao armazém, me sobraram 0 minutos para comer.[18]
O trabalho no armazém de Posnânia é organizado em dois turnos — diurno e noturno. A cada semana os trabalhadores trabalham quatro jornadas de dez horas, sem contar um intervalo não-pago de 30 minutos, e muito provavelmente horas extras. A semana de trabalho geralmente vai de domingo a quarta, de segunda a quinta ou de quarta a sábado, e as mudanças de turno ocorrem a cada quatro semanas: quatro semanas no diurno, depois quatro no noturno.
Como em outras empresas de logística, os departamentos são divididos em “entrada” e “distribuição”. Na entrada, os trabalhadores descarregam os caminhões com empilhadeiras, desempacotam e inspecionam mercadorias, e acondicionam-nas no armazém. A distribuição inclui a separação da mercadoria nas prateleiras — ou seja, a coleta dos itens encomendados — e depois seu empacotamento e envio — ou seja, seu carregamento nos caminhões. O maquinário é composto por correias transportadoras, leitores óticos e computadores. A maior parte do trabalho é feita manualmente, salvo uma parte da separação e coleta de mercadorias que é feita por empilhadeiras.[19] Consequentemente, muito da atividade dos trabalhadores é composta por trabalho não-qualificado: coletar, passar os itens pelos leitores óticos, checar informações em telas etc.
Quando trabalho devagar demais, recebo algo como um SMS no meu leitor ótico: “Trabalhe mais rápido!”[20]
Como dito acima, este tipo de trabalho não é nem um pouco novo. Outros centros de logística e distribuição têm trabalhado de modo parecido, mesmo antes da introdução dos sistemas controlados por computador, como nos armazém dos serviços de encomenda da segunda metade do século XX, que costumavam enviar catálogos a consumidores que encomendavam por telefone ou correio.[21] A Amazon fez uso da padronização dos sistemas de transporte (conteinerização), do potencial dos serviços online (encomendas em plataformas online centralizadas), e da taylorização e reestruturação do trabalho de armazém (vigilância digital, códigos de barras, correias transportadoras controladas por computador, robôs de separação e coleta etc.).
Cada departamento no centro de atendimento de Sady-Posnânia estabelece cotas de trabalho ou normas (certa quantidade de itens que um trabalhador deve manusear numa hora ou num turno); a velocidade de trabalho é mais rápida e as cotas são mais rígidas na distribuição, por ser parte do despacho para os consumidores e, portanto, ser mais sensível ao tempo que o acondicionamento na entrada.
A Amazon tenta, frequentemente, aumentar as cotas. Os gerentes alegam calcular uma performance individual “mínima” baseada nos resultados médios dos 90% mais produtivos entre os trabalhadores. Este “mínimo” é utilizado para pressionar diretamente cada trabalhador e ameaçá-lo com a demissão; quem não alcança o “mínimo” exigido tem que ter uma suposta discussão de resultados com os gerentes, e depois de várias discussões de resultados os trabalhadores podem ser postos na rua.[22] Ainda é incerto o método empregue pelos gerentes para estabelecimento da “meta” coletiva, ou seja, a cota exigida dos trabalhadores como um todo. Somente quando a “meta” é batida pelo armazém inteiro os trabalhadores recebem bônus salariais.[23]
A velocidade de trabalho, a pressão e, em muitos casos, o próprio trabalho manual são árduos e prejudiciais à saúde dos trabalhadores[24], e os mecanismos de cota descritos terminariam levando a pressões ainda maiores devido ao aumento constante nos níveis de produtividade — se os trabalhadores não resistissem.
Este artigo está divido em três partes:
1ª parte
Notas
[1] Manchete de um artigo no jornal polonês Gazeta Wyborcza, de 6 de julho de 2015: “Bunt w polskim Amazonie. Amerykański sen za 8,5 zł za godzinę” (8.5 PLN eram convertidos em cerca de US$ 2,05 pela taxa de câmbio de 24 de janeiro de 2016).
[2] Uma versão deste artigo será publicada na revista Jacobin, e uma tradução alemã na revista Sozial.Geschichte Online. O artigo é baseado na experiência coletiva de trabalhadores do armazém da Amazon em Sady-Posnânia e nos debates do autor com eles desde que começaram a se organizar e lutar no verão de 2014. Somente o autor, todavia, é responsável pelas informações e interpretações expostas. O artigo se foca na documentação da atividade dos trabalhadores no armazém da Amazon já citado, enquanto resta por fazer um debate político e estratégico sobre os esforços organizativos e sobre aspectos mais amplos da luta de classes na região, assim como uma análise mais meticulosa de seu desenvolvimento na Amazon em outros países como Alemanha — e, neste caso, sobre os conflitos entre os trabalhadores e o sindicato dos trabalhadores dos serviços, Ver.di.[Nota do Passa Palavra: “ver.di” é a abreviação de “Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft”, traduzido ao português como Sindicato Unificado dos Trabalhadores em Serviços.]
[3] A Amazon está, atualmente, planejando assumir o controle de partes do transporte, além de estabelecer sua própria frota de vans, caminhões, aviões e possivelmente drones; ver, por exemplo, aqui.
[4] Para os serviços de hospedagem web e de nuvem, ver aqui.
[5] Para a plataforma de negócios, ver aqui.
[6] Na China, a Amazon encontra dificuldades para se expandir devido à forte posição do site Alibaba, chegando mesmo a ter uma loja online no site taobao.com, da Alibaba; ver aqui e aqui.
[7] Sobre a expansão da Amazon na Índia, ver aqui.
[8] Para uma lista de armazéns da Amazon, ver aqui. Os centros de atendimento da Amazon são concebidos para despachar pedidos de consumidores, e consistem num sistema de armazéns ligados por linhas de transporte e milhares de postos de trabalhos em recebimento, armazenamento, seleção, empacotamento e envio de bens.
[9] Isto mudou recentemente, talvez temporariamente, porque a Amazon registrou lucros em 2015, em parte devido ao sucesso dos Amazon Web Services; ver aqui.
[10] Para o valor líquido da Amazon e da Walmart em 2015, ver aqui e aqui; sobre a Walmart, ver também aqui.
[11] Aqui; a Amazon continua crescendo, e de acordo com estimativas mais recentes tem cerca de 230 mil empregados permanentes, e contratou outros 100 mil trabalhadores temporários adicionais somente nos EUA: aqui e aqui.
[12] Por exemplo: os dois armazéns em Breslávia fazem parte de uma zona econômica especial onde empresas recebem isenções fiscais e outros incentivos.
[13] Segundo, atrás dos EUA e na frente do Reino Unido e do Japão: aqui.
[14] Alguns trabalhadores contratados diretamente pela Amazon têm apenas contratos limitados, mas usam também um crachá azul. Trabalhadores recém-empregados são em geral contratados primeiramente por meio das prestadoras de serviços, por um prazo de quatro semanas em janeiro de 2016. Todavia, os terceirizados são mandados embora pela gerência da Amazon antes mesmo da expiração de seu contrato, chegando mesmo a receber um SMS dizendo que não precisam aparecer para trabalhar no dia seguinte. Poucos terceirizados são contratados, posteriormente, pela Amazon, e menor ainda é o número dos que chegam, finalmente, a ser permanentemente contratados.
[15] Por exemplo: de acordo com estatísticas da empresa, em outubro de 2015 a Amazon empregou cerca de 1.700 trabalhadores permanentes (“crachás azuis”) e 1.600 temporários (“crachás verdes”) no centro de atendimento de Sady-Posnânia. Mais de 2 mil trabalhadores temporários adicionais foram contratados em novembro, durante o pico de vendas antecedente ao Natal. Em meados de janeiro de 2016, o número de trabalhadores permanentes girava ainda em torno dos 1.700, e o de trabalhadores temporários em torno dos 2.400. Nos dois centros de atendimento de Breslávia os números indicavam 700 e 1.600 “crachás azuis” contra 1 mil e 2 mil “crachás verdes”. Isto depois do pico pré-natalino, e muitos dos trabalhadores temporários já haviam sido demitidos. Segundo estatísticas da prestadora de serviços Adecco, ela havia fornecido um total de 8 mil trabalhadores à Amazon; 20% deles trabalharam na Amazon mais de uma vez (discussão com um ex-trabalhador da Adecco de Posnânia, fevereiro de 2016). Na Alemanha, a Amazon busca empregados por meio de agências de trabalho temporário, mas contrata-os diretamente. Nos centros de atendimento de Lípsia e Bad Hersfeld, por exemplo, quase todos os trabalhadores têm contratos permanentes, e poucos entre eles têm contratos temporários. Antes do Natal, trabalhadores temporários adicionais são contratados, e chegam a um terço do total da mão de obra (discussão com trabalhadores de Bad Hersfeld e Lípsia, fevereiro de 2016).
[16] Na verdade, as condições de trabalho em muitos outros armazéns na regiâo da Posnânia são piores que as da Amazon, em termos salariais e também de status do emprego. Outras empresas oferecem apenas contratos de prestação de serviço conhecidos como “contratos sujos” (umowy śmieciowe) — sem proteção por qualquer lei trabalhista. Alguns trabalhadores da Amazon dizem ter trabalhado com “contratos sujos” por até dez anos, e a Amazon foi a primeira empresa a contratá-los depois da experiência.
[17] De acordo com um trabalhador, os trabalhadores da limpeza têm alojamentos pagos e ganham quase tanto quanto os trabalhadores da Amazon.
[18] Depoimento de um trabalhador da Amazon de Sady-Posnânia, retirado da Gazeta Wyborcza de 17 de dezembro de 2015 (ver link acima).
[19] Em alguns armazéns a Amazon usa robôs em certos departamentos, mas somente para tarefas específicas.
[20] Depoimento de um trabalhador da Amazon de Sady-Posnânia, retirado da Gazeta Wyborcza de 17 de dezembro de 2015 (ver link acima).
[21] O autor fez parte de uma pesquisa operária em meados dos anos 1990 em Lípsia, na Alemanha. Um dos locais de trabalho pesquisados foi um armazém e centro de despacho de encomendas dirigido pela Quelle, gigante dos serviços de encomenda. A configuração e o fluxo de trabalho na Quelle eram muito semelhantes àquelas encontradas hoje num centro de atendimento da Amazon. Para um relatório, ver “Im Quelle-Versandzentrum: Code Town Fun Club.” In: Wildcat-Zirkular, nº 23, jan. 1996.
[22] Na verdade, ninguém foi demitido ainda em Sady-Posnânia por tais discussões de resultados, mas os trabalhadores são constantemente ameaçados de sê-lo. Antes de demitir um trabalhador (por delitos, desempenho deficiente…), a gerência da Amazon geralmente pressiona o trabalhador a assinar um “distrato” oficial.
[23] De acordo com um documento da Amazon de 1º de agosto de 2014, os bônus salariais para a totalidade dos trabalhadores varia: se o armazém bate 95% a 97,5% da “meta”, o bônus é de 1% do salário para cada trabalhador; se bate 98% a 99,9% da “meta”, o bônus é de 3%; se bate 100% a 104,9% da “meta”, o bônus é de 5%; se passa de 105% da “meta”, o bônus é de 7%.
[24] Ver, por exemplo, aqui.