“A Amazon diz pra gente: ‘Vocês são os melhores trabalhadores da Europa!’ Aí a gente pergunta: ‘Por que, então, a gente ganha os salários mais baixos da Europa?’” Por Ralf Ruckus

Os salários iniciais para os trabalhadores de armazém no centro de atendimento de Sady-Posnânia eram de PLN 13,00 por hora.[25] Num mês, o salário básico, somado aos bônus salariais básicos e descontados os impostos, chegava a PLN 2.000,00 (US$ 480,00 / EUR 450,00 EUR). O salário mínimo polonês em 2015 era de PLN 1.750,00 sem descontar os impostos (US$ 420,00 / EUR 390,00).[26] Na Amazon, líderes de equipe ganhavam entre 30% a 25% a mais que trabalhadores comuns, e os temporários ganham o mesmo salário básico que os trabalhadores comuns, mas sem os bônus. Em Posnânia e Breslávia, a Amazon paga salários que são um pouco mais altos que o de outras empresas porque precisa atrair constantemente novos trabalhadores, especialmente durante os picos de vendas… Apesar disto, um salário de PLN 2.000,00 pode ser suficiente para uma pessoa solteira se virar, mas não dá para alimentar e pagar as contas da casa de uma família com filhos na Polônia.

Organização e luta em Sady-Posnânia

Antes que os armazéns da Amazon fossem inaugurados no final do verão de 2014, a mídia corporativa polonesa anunciava não apenas o tamanho do investimento e o número de vagas de trabalho criadas, mas também as miseráveis condições de trabalho em armazéns da Amazon de outros países. Em Sady-Posnânia, os trabalhadores foram treinados por líderes de equipe estrangeiros, e os trabalhadores poloneses empregados como líderes de equipe foram enviados para treinamento em centros de atendimento no Reino Unido e na Alemanha. Tiveram, então, informações de primeira mão sobre níveis salariais e condições de trabalho no exterior.

“A Amazon diz pra gente: ‘Vocês são os melhores trabalhadores da Europa!’Aí a gente pergunta: ‘Por que, então, a gente ganha os salários mais baixos da Europa?’”[27]

amazon2    Depois de algumas semanas no emprego, alguns trabalhadores e líderes de equipe do centro de atendimento de Sady-Posnânia começaram a debater suas insatisfações com as condições de trabalho, e formas possíveis de se organizar e lutar por melhorias. Uma das ideias foi a formação de uma organização sindical de base no armazém, com a ajuda de algum dos sindicatos poloneses já existentes. Por várias razões, o grande sindicato Solidarność não agrada a estes trabalhadores. Eles veem o Solidarność como uma organização na maior parte das vezes passiva, mais engajada em temas nacionalistas, religiosos e conservadores que na luta dos trabalhadores. Há, também, uma diferença cultural entre estes trabalhadores majoritariamente jovens, alguns com alta escolaridade e experiência de trabalho na Europa ocidental, e sua visão do Solidarność como um “bando de velhos sindicalistas bigodudos”.[28] Os trabalhadores buscavam alternativas na internet e se depararam com o sindicato de base Inicjatywa Pracownicza (IP, “Iniciativa dos Trabalhadores”) em Posnânia. Eles não sabiam nada sobre ele, mas leram relatórios no site do IP sobre lutas de base em que esteve envolvido, e gostaram do arisco gato preto no logotipo do sindicato. Um primeiro encontro entre os trabalhadores da Amazon e os ativistas do IP foi combinado por meio de correio eletrônico e telefonemas para acontecer em meados de dezembro. Um trabalhador se lembra que antes de o encontro acontecer no escritório do IP, os trabalhadores decidiram que se o escritório funcionasse num prédio grande e arrumado eles já saberiam de cara que estes sindicalistas seriam “ladrões”, e iriam embora. Por sorte, o escritório do IP é uma saleta num edifício velho.[29]

Alguns ativistas do IP que estiveram envolvidos em campanhas de organização e apoio já haviam começado a trabalhar na Amazon, por sua própria iniciativa, no final do verão de 2014[30]. Eles não conheciam os trabalhadores que contataram o IP no começo de dezembro, mas haviam panfletado contra as condições de trabalho na Amazon no outono – sem usar o nome ou logotipo do sindicato, entretanto.

O trabalho até que não seria ruim se eu não tivesse que pegar o turno da noite a cada dois meses. Depois de chegar em casa eu não durmo. Tenho que levar as crianças para a escola, limpar a casa e cuidar do almoço. Pouco depois das três da tarde já tenho que estar em pé no ponto de ônibus. Durmo no ônibus mesmo.[31]

Os dois grupos – os trabalhadores descontentes e os poucos ativistas do IP a trabalhar na Amazon – se encontraram no estacionamento do armazém do centro de atendimento de Sady-Posnânia em 16 de dezembro de 2014 para formar uma seção de base do IP na Amazon. Subsequentemente, o esforço organizativo foi dirigido pela atividade e energia dos trabalhadores, que não tinham qualquer experiência prévia deste tipo, e pelos ativistas, que aportaram as habilidades e a infraestrutura necessárias para registrar a seção sindical, para escrever e imprimir panfletos, para lidar com as tarefas sindicais contra a gerência da empresa etc.. Esta colaboração foi possível porque todos compartilhavam a experiência diária da exploração no local de trabalho, e pode ser vista como um exemplo de um processo dialético de militância e habilidades de trabalhadores e ativistas fundadas não apenas na situação comum de exploração, mas também no objetivo comum de lutar por melhorias, e o princípio da auto-organização não-hierárquica.

amazon5Em um ano, a seção do IP na Amazon em Posnânia passou de 20 para 450 membros (em meados de fevereiro de 2016), boa parte deles tralhadores permanentes do chão de loja da Amazon, uma minoria de terceirizados temporários e alguns líderes de equipe. A gerência da Amazon conhece apenas os nomes de cerca de 15 delegados sindicais de base protegidos contra demissões pela legislação trabalhista e sindical polonesa. Os nomes de todos os outros membros do IP não são fornecidos à gerência da empresa para protegê-los de pressões empresariais.[32]

Nos primeiros meses de 2015, a seção do IP escreveu e distribuiu diversos panfletos contendo a palavra dos trabalhadores sobre problemas no trabalho, informações sobre direitos trabalhistas e outros temas. Os trabalhadores, alguns deles não sindicalizados, deram início a uma série de petições – assinadas por centenas de trabalhadores. Os assuntos refletiam as principais reclamações: contra o aumento das cotas, contra mudanças nas escalas de turnos, contra o trabalho em feriados – e refletiam em geral a cólera contra os salários baixos e os turnos tediosos de trabalho.

Observando a estratégia da Amazon acerca da sindicalização nos EUA, no Reino Unido e na Alemanha, ela varia do não-reconhecimento e do evitamento do confronto aberto até as tentativas de isolamento da atividade sindical e o uso de manobras anti-sindicais.[33] Em todos os casos, entretanto, a Amazon não fez qualquer concessão oficial. É o que se deu também na Polônia. Como o IP é, formalmente, o sindicato representativo dos trabalhadores da Amazon em Sady-Posnânia, a Amazon deve informar a seção do IP sobre certos assuntos de recursos humanos como, por exemplo, a demissão de um trabalhador permanente ou questões de saúde e segurança laborais.[34] Na medida em que a Amazon segue mais ou menos a legislação, evita admitir que qualquer de seus movimentos são relacionados às demandas ou ações do IP. Adicionalmente, a Amazon começou a promover seu próprio corpo representativo de trabalhadores da empresa com comitês e reuniões – um tipo de imitação de sindicato “amarelo” chamado “Forum Pracownicze” (fórum dos trabalhadores), cuja intenção é solapar outras formas de organização dos trabalhadores.

Trabalhando em rede na Polônia, e além dela

amazon7A seção do IP da Amazon ganhou centenas de membros no centro de atendimento de Sady-Posnânia e tornou-se o representante legal da mão de obra local, mas tinha pouca presença nos dois centros de atendimento perto de Breslávia, onde o Solidarność tinha cerca de 100 membros e representava legalmente a mão de obra. Todos os centros de atendimento na Polônia pertenciam a uma só empresa, então faria sentido que, malgrado as diferenças políticas, IP e Solidarność trabalhassem juntos em questões como benefícios, saúde e segurança. A seção do IP da Amazon tentou permanecer em contato com trabalhadores e delegados sindicais de base do Solidarność que trabalhassem na Amazon, mas a relação segue problemática. O Solidarność expediu várias declarações públicas atacando o IP por ser “briguento” e “irresponsável”, enquanto se apresentava como um sindicato aberto ao diálogo e trabalhava com a gerência para o bem da empresa.[35] Enquanto isto, a Amazon tratou o Solidarność do mesmo modo que tratava o IP, ao menos em público.

Como os centros de atendimento na Polônia servem principalmente ao mercado alemão, a seção do IP na Amazon tentou contatar trabalhadores nos armazéns da Amazon na Alemanha já em janeiro de 2015.[36] O grande sindicato alemão Ver.di tem organizado greves curtas desde 2013. Sua principal reivindicação é a de que a Amazon assine o acordo coletivo feito entre o Ver.di e os empregadores alemães do varejo e da indústria de encomendas. Com isto, os salários na Amazon subiriam porque, de acordo com as alegações da empresa, eles já estão de acordo com o nível salarial do setor alemão de logística. Ainda que a Amazon tenha, de fato, aumentado salários desde o início das greves, ela ainda se recusa a assinar qualquer acordo coletivo com o Ver.di.

O Ver.di é conhecido por sua política de “parceria social”, por controlar rigidamente as mobilizações dos trabalhadores e por pará-las sempre que ameaçam sair de suas mãos.[37] A posição do Ver.di no varejo tem sido enfraquecida pelo declínio dos varejistas sindicalizados (como a Karstadt ou a Quelle) e a ascensão de novos varejistas como a Amazon ou a Zalando, onde a sindicalização mostrou pouco progresso ou que resistem aos esforços de sindicalização de seus trabalhadores.[38] Ao mesmo tempo, os trabalhadores sindicalizados pelo Ver.di estão cada vez mais insatisfeitos com a forma como o Ver.di conduz as lutas nos locais de trabalho, voltando-se para sindicatos setoriais alternativos (p. ex., nas ferrovias, aeroportos e linhas aéreas). O Ver.di precisa de campanhas e ações grevistas exitosas na Amazon para provar, de um lado, que ainda pode forçar empregadores a assinar acordos de “parceria social”, e de outro que está disposto a realmente puxar greves e dar apoio a longos enfrentamentos.[39] As greves na Amazon nunca foram greves escancaradas, mas sim uma série de greves curtas com longos intervalos entre uma e outra, poupando assim os fundos de greve do Ver.di.

amazon6Quando os militantes do IP contataram trabalhadores dos centros de atendimento alemães da Amazon, não sabiam o que esperar, especialmente se levarmos em conta que o Ver.di se articula com o Solidarność por meio da organização intersindical Uniglobal.[40] Não obstante, trabalhadores (filiados ao Ver.di) dos centros de atendimento em Bad Hersfeld, Brieselang (perto de Berlim) e Lípsia mostraram interesse em se encontrar com trabalhadores da seção sindical do IP e em estabelecer contatos diretos de trabalhador a trabalhador, sem intermediários. Os trabalhadores da Amazon de Bad Hersfeld, especialmente, pareciam defender alguma autonomia frente à burocracia do Ver.di e tinha feito, já, alguns contatos com grupos militantes de fora da Amazon e dos sindicatos, por exemplo, durante a campanha Blockupy na vizinha Francoforte.[41]

Pode ser que a gente consiga despachar 800 mil encomendas!
Imagine só, que grande evento!
Os alemães, os ingleses e os franceses vão nos invejar!
(Anúncio da Amazon no centro de atendimento de Sady-Posnânia)[42]

Desde março de 2015, muitos dos chamados “encontros trans-fronteiriços de trabalhadores da Amazon” foram organizados na Polônia e na Alemanha, reunindo de dez a trinta trabalhadores da Amazon de Sady-Posnânia, Bad Hersfeld, Brieselang e Lípsia, além de ativistas apoiadores. Foi combinado que estes encontros deveriam acontecer não como eventos oficiais do IP ou do Ver.di, mas por fora da hierarquia sindical, ou seja, como encontros de trabalhadores do chão da fábrica.

O efeito destes pequenos encontros de base não pode ser subestimado. No centro de atendimento de Sady-Posnânia, eles mudaram a percepção sobre os trabalhadores da Amazon na Alemanha, na medida em que não são mais visto como trabalhadores com altos salários ou mesmo competidores, mas como trabalhadores com problemas semelhantes (cotas, pressão etc.), que inclusive entram em greve contra o mesmo sistema gerencial. Ativistas laborais da Alemanha falaram sobre mudanças semelhantes na perspectiva: “Quando os centros de atendimento na Polônia foram abertos, muitos trabalhadores da Amazon na Alemanha temeram que a Amazon relocaria todos os seus armazéns para a Polônia, onde os salários eram baixos, mas depois de estabelecidos os contatos com trabalhadores poloneses e das notícias sobre sua militância os trabalhadores alemães aprenderam a ver os trabalhadores poloneses como aliados potenciais contra um inimigo comum”.[43]

A operação-tartaruga de junho de 2015

amazon4O mais impressionante evento até agora está estreitamente ligado a esta nova perspectiva de trabalhadores “trans-fronteiriços”. No final de junho de 2015, o Ver.di anunciou outra greve nos centros de atendimento alemães, e a gerência da Amazon em Sady-Posnânia disse aos trabalhadores de lá que cada um teria de fazer uma hora extra a cada dois dias no fim de seus respectivos turnos. Durante os dias de greve na Alemanha, a Amazon mudou com muita frequência o trato com as encomendas entre os centros de atendimento, como faz diante de outros tipos de problema de oferta ou entrega de produtos (devido a condições climáticas, por exemplo). Graças aos novos contatos trans-fronteiriços, os trabalhadores em Posnânia sabiam que suas horas extras programadas se deviam à greve na Alemanha, e a seção sindical de base do IP tornou pública esta informação através de seus quadros de aviso e panfletos. No centro de atendimento de Sady-Posnânia, a tensão crescia faz meses, e as petições, bem como a exitosa campanha de organização tocada pelo IP, haviam criado alguma experiência e conhecimento coletivos. Dias antes de ser exigida a primeira hora extra agendada, os trabalhadores e os gerentes sabiam que algo estava para acontecer. Os trabalhadores discutiam ideias de como desacelerar o processo de trabalho – no trabalho, no ônibus, e até no Facebook. Desta forma, a gerência foi alertada sobre a movimentação. No turno da noite do dia 24 para o dia 25 de junho, delegados sindicais de base do IP apareceram para trabalhar vestindo camisas da campanha grevista do Ver.di que haviam recebido mais cedo de trabalhadores do centro de atendimento de Bad Hersfeld. Na esperança de remover os cabeças do espaço do armazém, os gerentes enviaram alguns dos delegados sindicais do IP para uma sessão de treinamento. Enquanto isso, outros trabalhadores estavam determinados a seguir com a ação. Já haviam encontrado um gargalo no fluxo de trabalho, e sua utilização maximizaria os efeitos da ação. Numa seção do departamento de seleção, trabalhadores tinham de colocar itens numa cesta e por a cesta numa correia transportadora. Ao invés de colocar alguns itens em cada cesta, naquela noite colocaram apenas um item por cesta. Subsequentemente, na hora extra do turno noturno, a correia transportadora estava cheia de cestas com um item apenas, que começaram a se amontoar até caírem da correia. Depois que uma enorme pilha de cestos e itens se formou, a correia teve de ser desligada – tudo isto diante dos olhos do gerente geral, que – esperando que alguma coisa fosse acontecer – apareceu mais tarde. Ações semelhantes de redução do ritmo de trabalho estavam acontecendo em outras partes do centro de atendimento ao mesmo tempo.

A operação-tartaruga foi “selvagem”, na medida em que não foi oficialmente organizada pela seção sindical do IP. Foi feita como uma ação disruptiva organizada pelos próprios trabalhadores descontentes, sem qualquer anúncio oficial e sem qualquer lista de demandas. Dezenas de trabalhadores foram envolvidos, muitos dos quais não eram membros do IP e não tinham qualquer experiência prévia de lutas. De acordo com os trabalhadores que participaram, a operação-tartaruga foi uma expressão da ira devida aos problemas no centro de atendimento de Sady-Posnânia, e também uma expressão de solidariedade com a greve que ocorria em paralelo na Alemanha. Eles sublinharam que não queriam agir como “fura-greves”. As notícias sobre as ações se espalharam pelo armazém; muitos se excitaram porque os trabalhadores haviam mostrado a eles próprios e à gerência que não aceitariam mais tão tranquilamente qualquer coisa que a gerência mandasse.[44]

Este incidente se destaca por ser um caso raro de solidariedade trans-fronteiriça protagonizada por trabalhadores, não como uma declaração de solidariedade inócua escrita por burocratas sindicais ou uma pequena manifestação de militantes do lado de fora de um prédio de escritórios, mas como uma ação direta de trabalhadores no chão da fábrica, que aceitaram riscos e mostraram sua determinação em resistir. Os trabalhadores da Amazon na Alemanha que participaram dos encontros trans-fronteiriços ficaram fascinados e felizes com a ação. Falou-se muito de apoio, por parte dos alemães, às ações dos colegas de Sady-Posnânia desde então, mas de lá para cá, ao menos até agora, nada aconteceu.

Esta operação-tartaruga foi relatada na mídia polonesa e em parte da mídia estrangeira como uma primeira expressão de militância operária nos centros de atendimento poloneses da Amazon.[45] A gerência em Sady-Posnânia começou a interrogar os trabalhadores sobre quem havia tomado parte na ação, suspendeu cinco trabalhadores e, mais adiante, demitiu dois. Outros trabalhadores assinaram sua dispensa depois de serem colocados sob pressão. Mesmo assim, uma mulher que tomou parte na ação disse durante o interrogatório: “Faço de novo se me forçarem a fazer horas extras de novo!” Dois trabalhadores levaram a Amazon aos tribunais trabalhistas exigindo reintegração, e estão sendo apoiados pelo IP.[46]

Como já mencionado, a operação-tartaruga não foi oficialmente apoiada pelo IP – se fosse, o IP seria processado pelo caráter “ilegal” da ação. Mesmo assim, a seção sindical do Solidarność nos centros de atendimento de Breslávia atacou o IP e a ação num comunicado de imprensa alguns dias depois, mostrando que, no fim das contas, os trabalhadores não podem esperar solidariedade do Solidariedade (Solidarność).[47]

amazon3Depois destes eventos, a atitude da Amazon quanto ao IP tornou-se ainda mais hostil. Durante uma assembleia oficial de empregados no centro de atendimento de Sady-Posnânia, o gerente geral da Amazon disse que a companhia preferia “falar diretamente com os trabalhadores, e não por meio do sindicato”. O IP abriu oficialmente o processo de negociação coletiva com a Amazon apenas um dia antes da operação-tartaruga e apresentou as demandas dos trabalhadores, incluindo aumento salarial (para 16 PLN por hora) e pausas mais longas. Muitos dos encontros de negociação no final do verão e início do outono de 2015 levaram a lugar algum, porque a gerência da Amazon não considerava seriamente atender a qualquer das demandas, fazer qualquer acordo, ou mesmo assinar um acordo oficial com o IP. A mediação que se seguiu foi declarada frustrada pela Amazon logo que começou. Parece que este foi um passo dado para impedir o IP de organizar uma paralisação de aviso de duas horas durante o período de mediação. Este tipo de paralisação de aviso teria sido fácil de organizar, e poderia ter servido para mobilizar os trabalhadores. Com o processo de mediação oficialmente encerrado, o IP terá de passar pelo procedimento legal para organizar uma greve formal: votações em todos os centros de atendimento da Polônia, incluindo os de Breslávia, em que se verifique maioria favorável à greve. No momento, não é certo que a seção sindical do IP na Amazon seguirá este cmainho. Não é certo, inclusive, se conseguiria apoio suficiente no chão da fábrica, e certamente precisaria do apoio do Solidarność para aprovar qualquer greve.

Enquanto isso, discussões entre trabalhadores na seção sindical do IP na Amazon focam-se na presença cotidiana no chão da fábrica e atividade frequente (petições, panfletagem…), ao invés de paralisações formais. Por um lado, isto leva em conta que as ações grevistas regulares na Alemanha não levaram a qualquer acordo formal com a Amazon. Por outro, a presença diária e a pressão contínua sobre a Amazon parece vital, uma vez que as ações e esforços organizativos feitos até o momento conseguiram, de fato, produzir alguns resultados. A Amazon aumentou o salário por hora para PLN 14,00 (tanto em Posnânia quanto em Breslávia) algumas semanas depois da operação-tartaruga, e aumentou os bônus salariais no final do outono de 2015. Nos dois casos, fingindo que os aumentos não tiveram nada a ver com as ações dos trabalhadores. Em outros casos, retirou ou postergou decisões, por exemplo, sobre mudanças nos horários de trabalho, depois da expressão aberta do descontentamento operário.

Este artigo está divido em três partes:
1ª parte
2ª parte
3ª parte

Notas

[25] O salário era de PLN 12,50 por hora nos dois armazéns de Breslávia. Posteriormente, os salários por hora nos centros de atendimento poloneses foi aumentado para PLN 14,00. Quando do fechamento deste artigo, PLN 14,00 equivalia a US$ 3,50 ou EUR 3,20. Os salários por hora da Amazon na Alemanha e nos EUA são três ou quatro vezes maiores: US$ 10,00 a US$ 11,00 (cerca de EUR 9,00 a EUR 10,00) nos EUA e EUR 10,00 a EUR 12,00 na Alemanha (cerca de US$ 11,00 a US$ 13,00, usando as taxas de câmbio de 27 de fevereiro de 2016). [Nota do Passa Palavra: o zlóti, moeda polonesa, tem seu símbolo próprio (zł) e um código ISO 4217 (PLN). Por comodidade de leitura, assim como o autor, optamos pelo código ISO para abreviar o nome da moeda.]

[26] O salário mínimo polonês foi aumentado para PLN 1.850,00 em janeiro de 2016. Descontados os impostos etc., os trabalhadores ficam com PLN 1.300,00 a PLN 1.400,00. A Amazon paga salários diferentes em lugares diferentes, pois compara seus níveis salariais com os níveis salariais locais e ajusta-os segundo estes últimos.

[27] Panfleto dos trabalhadores da Amazon em Posnânia, 16 dez. 2015, documentado aqui.

[28] Expressão usada por um dos trabalhadores.

[29] O IP é um sindicato oficialmente registado, com cerca de mil membros. Foi formado em 2004 por trabalhadores militantes e de esquerda, insatisfeitos com o Solidarność e outros sindicatos, e por ativistas anarquistas que haviam começado a se envolver com lutas de trabalhadores. Organiza-se de acordo com os princípios da democracia direta e não tem funcionários pagos. Mais informação no site. Sobre o envolvimento do IP numa greve anterior, leia este artigo.

[30] Para mais informação sobre o assunto, ver a entrevista com um ativista da IP e trabalhador da Amazon na revista Wildcat, nº 99 (inverno de 2016).

[31] Trabalhador da Amazon de Sady-Posnânia, retirado de Gazeta Wyborcza, 17 dez. 2015 (link acima).

[32] É comum que empresas demitam sindicalistas, apesar da proteção concedida pela legislação trabalhista polonesa. As cortes trabalhistas polonesas levam muito tempo para lidar com despedidas ilegais, e, em geral, as empresas terminam apenas tendo de pagar salários, sem serem condenadas à readmissão.

[33] Sobre a luta anti-sindical da Amazon nos EUA, ver, por exemplo, aqui e aqui. Na Alemanha, os grupos de trabalhadores “Pró-Amazon” opuseram-se abertamente à campanha do sindicato dos trabalhadores em serviços Ver.di, aparentemente com apoio por parte da gerência; ver, por exemplo, aqui.

[34] De acordo com a legislação trabalhista polonesa, um sindicato pode representar os trabalhadores quando sua membresia é de ao menos dez por cento da força de trabalho da empresa, ou quando é o sindicato com mais membros no local de trabalho.

[35] Trabalhadores sindicalizados pelo IP em Sady-Poznânia disseram, durante um debate em Berlim em fevereiro de 2016, que os trabalhadores sindicalizados pelo Solidarność de Breslávia apoiariam as ações e reivindicações do IP em Sady-Posnânia, mas que não podiam tomar tais decisões, uma vez que eram tomadas pela liderança sindical regional do Solidarność.

[36] Enquanto isto, os centros de atendimento na Polônia e na República Tcheca são de extrema importância para a Amazon alemã. De acordo com delegados sindicais de base do Ver.di, cerca de cinquenta por cento do volume total de despachos de encomendas do mercado alemão passou por estes centros de atendimento, e durante o pico que antecede o Natal os nove centros de atendimento alemães lidaram apenas com pedidos urgentes (“Prime” e “Express”), enquanto todas as outras encomendas foram processadas em Posnânia, Breslávia e Praga (discussão durante um comício em Berlim, fevereiro de 2016).

[37] Exemplos são as greves de trabalhadores do varejo desde 2008, assim como as greves de trabalhadores em cuidados infantis e a de trabalhadores postais em 2015. Para uma série de documentários sobre as greves de trabalhadores do varejo em que o Ver.di esteve envolvido, veja; sobre as táticas dúbias do Ver.di durante a greve dos trabalhadores em cuidados infantis e dos trabalhadores postais, ver, por exemplo, aqui.

[38] De 2001 a 2014, o Ver.di perdeu cerca de 750 mil membros e encolheu de 2,8 milhões de filiados para cerca de 2 milhões; leia.

[39] Não há espaço, aqui, para analisar as greves na Amazon alemã em detalhe. Elas começaram com ações improvisadas e parcialmente organizadas pelos próprios trabalhadores descontentes, como durante uma curta passeata no centro de atendimento em Lípsia em 2011 e ações mais incisivas durante o início da campanha de organização sindical do Ver.di no centro de atendimento de Bad Hersfeld em 2011 e 2012. Mais tarde, os secretários sindicais do Ver.di impediram ações que consideraram muito radicais. Como pano de fundo da exitosa campanha de sindicalização em todos os nove centros de atendimento da Amazon na Alemanha e dos dias de paralisação ocasional em oito deles desde 2013 – a primeira vez em que a Amazon se deparou com greves – um conflito entre um núcleo de trabalhadores mais aguerridos e os secretários do Ver.di arde como fogo de monturo. Um trabalhador de um centro de atendimento alemão disse que os secretários “não ouvem os trabalhadores”, mas tomam suas próprias decisões. Pelo menos nos centros de atendimento de Lípsia e Bad Hersfeld os trabalhadores ativos no chão da fábrica têm conseguido algumas concessões junto ao aparato do Ver.di, mas as decisões sobre táticas e datas de greve ainda são feitas pela liderança cental do Ver.di, e não pelos próprios trabalhadores em greve.

[40] Aqui.

[41] Sobre a campanha Blockupy; sobre o encontro entre trabalhadores da Amazon, ver aqui.

[42] Retirado da Gazeta Wyborcza de 17 dez. 2015.

[43] Assista ao filme na labournet.tv.

[44] No dia seguinte, com outra hora extra agendada, alguns trabalhadores comunicaram doenças, ou se ausentaram para não agir como “fura-greves”. Todavia, deve ser dito que nem todos os trabalhadores apoiaram a ação, e alguns deles argumentaram, posteriormente, que ela não foi bem preparada, que colocou trabalhadores em risco etc.

[45] Por exemplo, aqui e aqui. É interessante que setores da mídia polonesa continuem a se referir à situação da Amazon em Posnânia e Breslávia com um olhar crítico acerca das condições de trabalho, e veiculem reportagens ainda mais empáticas sobre a atividade do IP, apesar da imagem e linguagem radicais do sindicato, influenciado por posições anarquistas.

[46] As sessões da corte trabalhista foram iniciadas em fevereiro de 2016, mas ainda não se chegou a nenhuma decisão.

[47] Ver aqui.

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