Vamos parar de lutar uns contra os outros e começar a lutar contra os capitalistas. Por Communist League Tampa
Há nos Estados Unidos uma polêmica envolvendo a recente conquista dos trabalhadores de fast food, que no decorrer de alguns anos passarão a receber um salário de 15 dólares por hora. A campanha Fight for $15 (Lute pelos US$15) se desenvolve naquele país já há alguns anos e tem resultado em lutas e reflexões interessantes a respeito do papel dos Sindicatos nas lutas dos trabalhadores. As notícias da luta de classes nos EUA raramente chegam ao Brasil a ponto de influenciar os debates e as lutas travadas por aqui, por isso o Passa Palavra organizou a série de artigos Fight for $15 e a Mcdonaldização dos sindicatos nos EUA a fim de termos um primeiro contato com o debate e as lutas estadunidenses mais recentes.
Fight for $15: Considerações estratégicas e críticas
Trabalhadores de todo o país estão de pé em uma campanha por quinze dólares por hora como salário mínimo. Todo mundo tem que trabalhar por um salário, e assim a causa do trabalho, a luta por uma vida decente, um senso de dignidade e controle sobre o trabalho da sociedade é tremendamente importante para a liberdade de toda a humanidade. Tais lutas nunca são fáceis e estão repletas de problemas. Estes problemas são internos, mas também externos aos movimentos. Sempre que os trabalhadores tentam se levantar para si mesmos estão indo em contra a pressão não só dos seus patrões, mas também dos reacionários hostis da sociedade, e até mesmo do governo.
Este tipo de lutas não são algo novo, e os trabalhadores têm lidado com elas desde o início do capitalismo. Estas histórias têm sido muitas vezes reprimidas e varridas para debaixo do tapete, na esperança de que suas aulas sejam esquecidas, e que os “agitadores de fora” parem de perturbar o equilíbrio pacífico entre “gestores e trabalho”. Os tipos de problemas com os quais nos deparamos nas lutas do trabalho estão sempre mudando com as mudanças do capitalismo, por isso temos de aprender a lidar com esses problemas em conjunto, se quisermos alcançar qualquer mudança real.
Somos um grupo de pessoas interessadas na história, teoria e aplicação de tais lutas. O objetivo deste panfleto é oferecer alguma perspectiva e olhar para alguns problemas que os trabalhadores enfrentam na tentativa de se organizar hoje, com base em nossas experiências e estudos sobre estas questões. Primeiro, vamos considerar as exigências da campanha Fight for $15, em seguida discutiremos a natureza de um Sindicato e, finalmente, vamos olhar para a relação entre as horas de trabalho e os salários.
Em solidariedade,
Liga Comunista de Tampa (Communist League of Tampa)
Melhores salários no Nosso Tempo
A campanha Fight for $15, feita pelo SEIU – Service Employees International Union (Sindicato Internacional dos Empregados dos Serviços), promete um salário mínimo de 15 dólares e sindicato. Mas o que exatamente significa isso? Será que isso significa que todos os trabalhadores receberão 15 dólares por hora e a demanda está ganha? Em Seattle a bandeira dos 15 dólares de salário mínimo não está sendo promulgada imediatamente, mas será implementada progressivamente ao longo de alguns anos. No entanto, os trabalhadores precisam de salários mais altos agora. Então, por que isso não é conveniente para os capitalistas?
Nossas exigências não deveriam ser faseadas de acordo com o que é conveniente para os patrões, e sim de acordo com nossas necessidades como trabalhadores. E sobre a promessa do sindicato? O que exatamente significa a promessa de um sindicato? Hoje muitos sindicatos exigem que os trabalhadores assinem uma cláusula antigreve. Isto significa que os trabalhadores podem aderir ao sindicato e receber os benefícios, mas isso ao custo de sacrificar uma importante fonte de seu poder sobre os patrões – o direito à greve. Um sindicato que não permite que os trabalhadores entrem em greve não é nada mais do que uma burocracia. Então, o que exatamente significa isso? Significa que os trabalhadores terão que tomar as rédeas, mesmo que isso signifique sair e agir contra a burocracia sindical. Isso pode significar assumir táticas militantes para construir seu poder e ganhar as demandas, formando comitês de greve autônomos em face do SEIU, ou pode significar simplesmente assegurar que o SEIU se comprometa a cumprir o que promete. O poder dos trabalhadores não é algo que se pode escolher como um x-burger em um cardápio; é algo que tem de ser construído ao longo de lutas de longo prazo para assumir o controle sobre nossas vidas.
O que é um sindicato, afinal de contas?
“Quiiiiinze e-um siiiindicATO!” (Fifteeeeen an’uh’ unnnnION!). Este é o grito de guerra que ouvimos enquanto marchamos para cima e para baixo da rua, entre um Wendy’s e um McDonald’s, com o calor da Florida fazendo ondas no asfalto e a umidade pressionando contra nós. “Quiiiiinze e-um siiiindicATO!” Eu trabalho por US$ 9,25 por hora. Eu posso correr atrás dos 15. Será que preciso explicar? Eu poderia finalmente comprar novos sapatos pra trabalhar. Poderia tirar um pouco de folga e não me preocupar com o aluguel do mês. Eu poderia levar minha namorada ao cinema ou sair para comer mais. “Quiiiiinze e-um siiiindicATO!”
Mas o que eles querem dizer com sindicato?
Sindicato sugere união, mas unidade em torno do que? Unidade dos trabalhadores do McDonald’s? Bem, isso não se encaixa, estamos chamando 15 dólares de salário mínimo por hora, então isso deve significar que estamos olhando para uma unidade nacional! 15 dólares como o piso abaixo do qual não há sangue derramado, o americano que trabalha duro tem que ter o suficiente para sobreviver. Isso soa bem!
Antes de nos distrair, vamos dar um passo atrás. O que é um sindicato? O que as pessoas do sindicato estão fazendo, e quem são elas? Bem, para ser curto, elas são trabalhadores. Pessoas que trabalham todos os dias, normalmente só para ganhar o dinheiro suficiente para se levantar e voltar a trabalhar no dia seguinte. No passado, muitos sindicatos estavam organizados em locais de trabalho que produziam aço, carros, roupas ou eram do ramo de construção e transporte. Esses locais de trabalho fabricavam coisas. Criavam um monte de dinheiro que, contudo, quase não se via. Naturalmente, pensaram que essa era uma situação muito suspeita, e por isso revidaram. Eles se reuniram, como Sindicato, e exigiram melhores condições de trabalho e salários. Assim, os livros de história nos contam. Tudo que você faz é virar hambúrgueres.
Mas espere. Os trabalhadores não movem montanhas por escolha. Eles não produziram o aço que ainda mantém de pé os arranha-céus pelo mundo, e que sustenta trens cheios de coisas que as pessoas precisam, por escolha. Eles tinham que fazer, só para obter dinheiro suficiente para comer alguma coisa melhor que pão envelhecido e dormir em outro lugar do que a sarjeta, e talvez ter o suficiente para mandar os filhos para a escola. Eles eram trabalhadores assalariados. Assim como nós, conseguiam o que precisavam com a venda de sua capacidade de trabalho, a fim de cuidar de si mesmos.
Em muitos dos antigos sindicatos, eles não lutaram só por melhores salários. Lutaram contra esta forma de organização da sociedade. Eles ficaram em greve por uma jornada menor e salários maiores, com certeza, mas quando o ferro estava quente, e eles viram sua chance, eles entraram em greve por poder. Lutaram pelo controle do próprio local de trabalho. Em alguns casos, foram capazes até mesmo de estender a greve para cidades inteiras. Criariam conselhos de bairro para organizar a produção e distribuição de bens para as pessoas, e foram realmente bem-sucedidos, ou simplesmente para levar de um jeito melhor a própria luta de suas empresas pelo controle da sociedade. Isso foi democrático. Ou seja, todo mundo se reunia para tomar as decisões.
E estes sindicatos, na maioria revolucionários, embora variassem na estrutura, visavam algumas conquistas imediatas mas, em última análise, mudar a sociedade para melhor: eles eram radicalmente democráticos. Aqui está um exemplo:
Na década de 1910, os trabalhadores da Filadélfia que carregavam e descarregavam os navios (estivadores) recebiam perto de nada e eram abusados por seus patrões. Havia racismo dos “nativos” brancos contra os mais recentes imigrantes europeus e também contra os trabalhadores negros. Mas eles se organizaram. Entraram em greve pelo reconhecimento do sindicato pelas empresas que geriam o porto da Filadélfia, e mais algumas concessões. O sindicato tinha cerca de 3500 membros, metade eram brancos e metade negros. Todo cargo importante tinha uma contrapartida branca e negra. Talvez o organizador mais proeminente, reverenciado por todos os membros da organização, fosse Ben Fletcher, um estivador negro.
Mas voltemos um pouco, o que é uma greve? Grosso modo, a greve é a retirada da força de trabalho do processo de produção. Os trabalhadores param de trabalhar, o que significa que a empresa deixa de produzir, o que significa que os chefes param de lucrar. Isso é fundamental, porque um monte de sindicatos trabalhistas luta desde os anos 1960 ou têm contado com tudo, menos com a greve. E quando fizeram greve eles não bloquearam o acesso aos locais de trabalho, ou se certificaram de que o fluxo de lucro parou; apenas apelaram à pressão do público e da mídia. Bem, é uma tática, mas não parece ser a mais eficaz.
Os estivadores da Filadélfia faziam parte de um sindicato maior, o IWW – Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo), que também organizava os trabalhadores agrícolas da parte ocidental dos EUA. Eles faziam greve, slow-down (desaceleração) e, em geral, interrompiam o processo de trabalho a qualquer momento em que fosse o necessário para obter a atenção dos patrões e para defender outro trabalhador. Eles tinham um sistema em que o trabalhador eleito para o cargo de delegado seria a pessoa central para qualquer problema que o patrão desse. Não recebeu seu pagamento no prazo? Entre em contato com o delegado. Não está tendo uma pausa apropriada? Pare o trabalho e vá falar com o seu delegado imediatamente. O chefe está ameaçando você? Encontre o delegado! A partir daí, o delegado ficaria com o trabalhador que estava tendo um problema e outros trabalhadores até encontrarem uma solução. E essa geralmente envolvia a acima mencionada interrupção do trabalho, até que a demanda fosse atendida. A disposição para a greve e o controle operário do sindicato são essenciais. Mas isso foi há 100 anos atrás. As coisas mudaram? Pra quem é que vamos vender a nossa força de trabalho agora? Para a Wendy’s, proMcDonald’s, pro Wal-Mart. E essas empresas usam nossa capacidade de trabalho, nossa força de trabalho, para fazer lucro, assim como as companhias de navegação da Filadélfia. Sem trabalhadores, não há lucro.
Organização no local de trabalho, por trabalhadores, para os trabalhadores. A única arma real que os trabalhadores têm contra os patrões é a interrupção do fluxo de lucro. Os chefes estão mais e mais organizados, então nós também precisamos nos organizar melhor. Temos de ser capazes de lhes causar muitas dores na carteira quando houver a mera sugestão de ataque a um colega de trabalho. Isso vai começar a nos colocar em posição de realmente mudar as coisas.
Há um último ponto que eu gostaria de tocar. Os trabalhadores precisam parar de se ver como “trabalhadores ameaçados versus trabalhadores do Wal-Mart” ou mesmo “trabalhadores americanos versus trabalhadores iranianos”. Os patrões não estão nem aí. Só precisam de alguém que trabalhe para eles.
Claro, se puderem, eles vão nos colocar um contra o outro para obter de nós mais trabalho em troca de menos pagamento. Mas essa é a única razão pela qual eles vão se referir à nacionalidade, raça, sexo, etnia, sexualidade, qualificação. Isto também é verdade para a questão do “preguiçoso” versus o “que trabalha duro”. Aquelas de nós que “trabalham duro” estão apenas tornando as coisas mais difíceis para si mesmos e para o resto de nós. Vá mais devagar. Você é pago por hora. Se um chefe vê que pode ter 2 ou 3 trabalhadores e produzir um sanduíche a cada 15 segundos, ele vai ter a ideia de fazer daquilo a “política da empresa”. O mesmo vale para os trabalhadores imigrantes ou trabalhadores “nativos”. Vamos parar de lutar uns contra os outros e começar a lutar contra os capitalistas.
Salários e Horas
Trabalhar por um salário (sendo pago por hora) nem sempre foi a principal forma das pessoas ganharem a vida. A forma de salários tornou-se dominante com a ascensão do capitalismo. Logo no início, durante o nascimento da industrialização, não era incomum que os trabalhadores trabalhassem mais de 12 ou até mesmo 16 horas por dia. Muitas das primeiras greves trabalhistas, em que os trabalhadores fizeram campanha política através das indústrias, para além das greves individuais nas fábricas, foram pautadas em torno da redução da jornada de trabalho. Mas os trabalhadores não se limitaram a fazer campanha por um dia de trabalho mais curto devido à duração e intensidade da exploração necessariamente implicada naquelas 16, 12 ou 10 horas. O tempo de trabalho é essencial para o desenvolvimento do valor.
A fim de compreender por que, vamos dar uma olhada nas coisas a partir da posição dos proprietários. Suponha que você esteja tocando uma fábrica e poderia por as máquinas na fábrica para funcionar por até 16 horas por dia. Agora suponha que um trabalhador médio leva 8 horas para gerar um valor suficiente para satisfazer as suas necessidades. Como proprietário, você tem agora duas opções. Pode contratar duas duplas de trabalhadores e ter cada uma delas em um turno de trabalho de oito horas, pagando-lhes o valor total do seu trabalho. Ou você pode contratar apenas uma dupla de trabalhadores, pô-los para trabalhar 16 horas, e só lhes pagar o valor de 8. Eles vão ter o suficiente para atender às próprias necessidades, e você terá um extra de 8 horas gratuitamente. Em essência, isso é o que os capitalistas atrás das planilhas fazem. Argumentamos que o trabalho é o que produz valor na sociedade, e quando os trabalhadores lutam por maiores salários, ou menos horas, eles só estão lutando e reivindicando o que é deles por direito. Os lucros que diferentes empresas acumulam são construídos sobre o tempo de trabalhado não pago dos trabalhadores da empresa.
Mas ainda tem mais. Suponha que o capitalista adquira algumas máquinas novas que lhe permitem dobrar a produtividade. Agora ele tem mais opções. Pode dobrar a produção, e continuar com a mesma quantidade de trabalhadores. Ou pode continuar a produzir a mesma quantidade de bens, dando para a metade dos trabalhadores um belo chute na bunda, e pagando para a outra metade os mesmos baixos salários que estavam recebendo antes. Há uma terceira opção, que os capitalistas não escolhem, e que realmente não podem escolher. Manter a mesma quantidade de trabalhadores ativos, mas reduzir o horário de trabalho tanto quanto as máquinas mais produtivas reduzirem a quantidade de trabalho necessário.
Sempre que os trabalhadores entram em greve, especialmente hoje em dia, são ameaçados pela automação. Muitos que têm promovido a demanda de 15 dólares por hora já ouviram falar sobre isso. Eles são lembrados de que novas máquinas estão sendo desenvolvidas por cadeias de fast food para substituir os trabalhadores dos restaurantes. Esta não é simplesmente uma maldade da parte dos patrões (embora isso nunca falte), nem é o resultado de trabalhadores simplesmente pedindo mais. O capitalismo tem um conjunto de dinâmicas internas que levam a esse tipo de desenvolvimento. Mas para nós isso não deveria ser um problema.
Não há nada de errado com as máquinas por elas mesmas. O problema é um sistema que cria máquinas que deveriam poupar o tempo de todos e em vez disso torna a vida de todo mundo mais difícil. Se a classe trabalhadora pode se organizar para ser uma força na sociedade, não só na loja e na empresa, mas politicamente, podemos trabalhar para reduzir a quantidade de horas de trabalho com o desenvolvimento da automatização. Isso implicará o aumento dos salários enquanto se reduz as horas de trabalho. Hoje isso pode parecer contraintuitivo, já que tantas pessoas estão trabalhando meio período e gostariam de mais horas de trabalho e não podem obtê-las. Para ser franco, não estamos dizendo que os patrões devem simplesmente reduzir as horas das pessoas. Eles vão fazer isso por conta própria. Estamos dizendo que, quando as horas são reduzidas devido ao aumento da eficiência produtiva, os trabalhadores deveriam simplesmente trabalhar menos horas, mas fazendo o suficiente para ganhar a vida. Isto foi realizado antes, e com a organização política certa, nós acreditamos que pode ser feito de novo.
As lutas da classe trabalhadora, ontem e hoje, têm sido lutas pela dignidade e humanidade para todos. A luta pela jornada de trabalho de oito horas começou em 1817, com o slogan “oito horas de trabalho, oito horas de descanso, oito horas para o que quisermos fazer”. Mas nós argumentamos que a capacidade produtiva da sociedade tem crescido. Depois de quase 200 anos de desenvolvimento global, não há nenhuma razão para ficarmos presos trabalhando pelo pagamento mínimo e por tanto tempo quanto os capitalistas pensam que é possível e que podem espremer de nós. Agora temos de lutar por um mundo em que o trabalho é uma função secundária de nossas vidas. Onde as pessoas têm tempo para correr atrás de seus interesses, passar o tempo com os entes queridos, e para desenvolverem a si mesmos e suas comunidades.
Tradução de Pablo Polese a partir do panfleto Strategic and Critical Considerations, também publicado no Libcom.org.