Poema de Arthur que somente as coincidências da vida fazem compor algo sinistro e belo. Por Heloisa e Vanessa
Leia aqui a 6ª carta de Heloisa a Arthur.
Heloisa,
Não tenho palavras para expressar a imensa tristeza e a angústia que sinto agora. Nosso Arthur está morto! Tentei te ligar, ou alguma coisa do tipo, mas não consegui de modo algum falar com você.
Pelo amor de Deus, venha para Ouro Preto com urgência.
E-mail de Heloisa para Vanessa:
Morto! Morto!
Não pode ser! Estou indo para Ouro Preto agora. Me encontre na Rodoviária.
Duas semanas depois…
E-mail de Heloisa para Vanessa:
Olá Vanessa,
Tudo é tão triste
Nosso Arthur não podia morrer. Estou na pior época de minha vida reunindo meus cacos. Por favor se puder devolva as minhas cartas…
Olá Heloisa
Como estou triste!
Mas, achei algo que talvez goste…
Um poema de Arthur que somente as coincidências da vida fazem compor algo tão sinistro e belo.
A VIDA
Recomponho-me do erro,
Nunca saberei do acerto,
Não posso querer sabê-lo.
Trago os desejos do que não vivi.
As portas do banheiro
Do banheiro que é o penúltimo refúgio da pena capital
(E se soubessem que o último é o sono, que drogas ofereceriam?),
Mil ais assombram a soleira da vida com um único imperativo
Mil ruas cruzam o destino das gentes
Viver, trabalhar, mais nada?
Com o mistério de um nada a me guiar por vielas e ruelas,
Com a morte a selar o cavalo coxo da vida,
Com a solidão a me conduzir por calhas quebradas.
Estou hoje em pé, como se tudo valesse a pena.
Estou convencido de que ilusão sou Eu
Um eu que irmana por todos os cantos vazios
E implora por uma despedida…
Só para ter de quem se despedir.
Vivo com olhos no céu
E sinto a fileira de um comboio de estrelas, e uma pitada de luz
Que invade minha cabeça
E uma tentativa de se apegar à estrela que passa na ida
E um olhar desafiante a Deus.
Estou hoje cansado, como quem trabalhou e só trabalhou,
Estou hoje ciente de que isso é a maldição suprema
Estou hoje unívoco entre ser e não-ser
Entre o bolo de fubá de Creuza, como o concreto absoluto
E a sensação de que tudo é abstrato, como o universal.
Fiz de tudo,
Fui grande putanheiro
Comi, bebi e trepei sem ter dinheiro,
E isso tudo deu em nada.
A vida que desce pelas escadas traseiras da memória,
Que corre pelas esquinas da recordação
É isso.
Um viver de encontro ao grande nada!
A imagem que ilustra os emails e o poema são de Hieronymus Bosch.