Está colocada a urgência de desconstruir preconceito face à necessidade de acolher as pessoas vindas de zonas de conflito. Por Joana Bom
Com a recente crise migratória assistiu-se paralelamente ao fortalecimento da xenofobia no velho continente. Desta relação surge a urgência de desconstruir esse preconceito face à necessidade que há de acolher estas pessoas vindas de zonas de conflito. Com a máquina fotográfica como instrumento iniciei um trabalho documental com os refugiados e acompanhei parte do seu percurso, entre a Grécia e a Macedônia.
Comecei o meu trabalho em Atenas, tendo acompanhado a chegada de diversos barcos ao porto de Pireaus, que traziam pessoas que tinham feito recentemente a travessia marítima entre a Turquia e as ilhas gregas, em particular para a ilha de Lesbos. Frequentei ao longo de duas semanas a praça Vitória, na zona centro de Atenas, ponto de encontro onde se estabelecem os refugiados esperando prosseguir viagem até à próxima fronteira. Muitas vezes a Macedônia apresenta-se como uma forte possibilidade para quem quer seguir a travessia e, assim, seguimos no comboio nocturno para o Norte da Grécia e de seguida para Gevgelija, primeira cidade fronteiriça na Macedônia. Aí visitei um campo de refugiados que se localiza ao longo da linha de comboio, facilitando o acesso à próxima fronteira com a Sérvia.
Porto de Piraeus, Atenas/Grécia
O navio oficial “Express Pegasus” traz os refugiados que chegaram em dias anteriores às ilhas gregas. São oriundos do Afeganistão, Iraque, Síria, Sudão, entre outros. Há relatos que denunciam preços de 700 euros pela viagem desde a Turquia até à ilha de Lesbos. Há também pessoas a viajar há mais de um ano e meio. Não tencionam ficar na Grécia. Para eles, este país é apenas de passagem para lugares onde se vive melhor e onde há emprego. Alguns falam da Suécia, mas a grande maioria quer chegar à Alemanha. Viajaram “cerca de quinze horas, num navio sem condições para tanta gente”, dizem. Entre as pessoas que naquele dia chegaram, haviam muitas crianças e alguns recém-nascidos. Havia também pessoas sem mobilidade e pessoas que aparentavam mutilações, nomeadamente dos membros superiores e inferiores, típicos de um cenário de guerra. Viam-se, também, alguns pais solteiros com pequenos bebés de colo.
Para os receber por parte do Estado, nenhuma entidade a não ser a polícia. Por outro lado, a chamada “visão de negócio” justificava a constante presença dos trabalhadores precários da operadora telefónica Vodafone, que a cada chegada tentavam efusivamente fidelizar um novo cliente, ansioso, e, muitas vezes, desesperado por notícias de casa.
Praça Vitória, Atenas/Grécia
A Praça Vitória é um ponto de referência e de encontro, onde as pessoas permanecem em tendas ou ao relento, sem quaisquer condições sanitárias, esperando conseguir partir para o próximo destino. Por vezes ainda não têm o dinheiro necessário, ou esperam pela chegada de mais familiares, ou simplesmente ainda não conseguiram o bilhete da próxima viagem. A praça transformou-se na casa das pessoas que por ali pernoitam, tentando suprir as suas necessidades básicas dentro da forma do possível. É onde lavam as suas roupas, onde montam as suas tendas, e onde fazem as suas refeições, graças à solidariedade do povo grego que todos os fins de tarde garante grandes panelas de comida quente. A Praça Vitória rapidamente se torna num ambiente familiar.
No meio da praça, a presença de um grande número de crianças traz a alegria que lhes é característica. Por ali brincam, expondo a evidente contradição entre a pureza da sua infância e a complexa realidade que as circunda.
Campo de refugiados, Gevgelija/Macedónia
A ligação entre Atenas e Thessaloniki, cidade próxima da fronteira do norte da Grécia com a Macedónia, é uma das possibilidades para seguir a travessia. Os comboios noturnos que fazem esta ligação estão constantemente esgotados desde que se intensificou o fluxo de refugiados e, quando assim se justifica, são muitas vezes reservados e retirados do serviço público.
Por 30 euros por pessoa se chega a Thessaloniki, apenas a uma hora da Macedónia. Gevgeliza, a primeira cidade fronteiriça do lado de lá, mostra-nos uma Europa pobre e carenciada que acorre à chegada do comboio [trem] para vender os seus produtos, ambulantemente, aos milhares de refugiados que por ali chegam.
O campo de refugiados encontra-se a cinco minutos do centro da cidade e está localizado do lado da linha do comboio. Aqui chegam milhares e milhares de pessoas por dia. Formam filas do lado de fora, esperando entrar. Depois de entrarem, e enquanto se organizam, mais pessoas chegam e novas filas se formam. Lá dentro, existem diversas tendas preparadas para a prestação de cuidados básicos de saúde e alimentares, tendo já ocorrido também diversos casos de assistência ao parto. Os médicos tentam auxiliar consoante os instrumentos e o tempo de que dispõem.
A cada comboio que chega, novas filas se formam, de pessoas ansiosas por conseguirem entrar e prosseguir viagem o mais rapidamente possível. Às portas dos comboios, alguns indivíduos sem identificação, mas familiares aos polícias presentes, recolhem o dinheiro da passagem, 25 euros por viajante, enquanto colocam 2 mil pessoas num espaço destinado a 700. Cerca de quatro a cinco comboios partem por dia deste campo de refugiados em direção à fronteira com a Sérvia.
Próxima exposição
AL JANIAH,
Rua Alvaro de Carvalho, 190 – São Paulo, Brasil
Inauguração no dia 6 de Dezembro
Encerramento e debate no dia 21 de Dezembro
Sobre a autora
Dedica-se à fotografia, de forma autodidacta, desde Outubro de 2014. Tem como principais interesses o fotojornalismo e a fotografia documental. Entende a fotografia como um instrumento que deve ser colocado ao serviço da sociedade, contribuindo para a exposição e denúncia das problemáticas sociais. Desenvolve também um conceito em torno do Nu Artístico, que visa, para além da beleza natural dos corpos, desmistificar questões do foro sexual, nomeadamente em torno da libertação e emancipação da mulher.
Frequenta o Centro Protocolar de Formação para Jornalistas (Cenjor), em Belém/Lisboa onde já realizou, com aprovação, os módulos de Técnicas Fotográficas, Iluminação, Composição, Workflow Fotográfico, Fotojornalismo, Estétitca e Mercados da Fotografia, Laboratório e Redacção de Imprensa.
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