— Porra! Até você está desempregado, meu bom Diabo? Por Marcelo Mazzoni

Um dia o Diabo de amarelo apareceu diante de Antônio. Um ser que se destacava em meio ao terrão vermelho da estrada de terra, apoiado na cerca velha de arame farpado, observando a grama seca do pasto. Amarelo, preto e vermelho de muita elegância, o Diabo, era lindo com sua aparência de velho. Antônio, filho da terra, era sua imagem e semelhança, apesar de novo, era esfarrapado e feio. Aproximando-se da criatura, disse Antônio:

— Bom dia, seu Diabo. Tudo bem?

— O diabo que te carregue, Antônio — recebeu como resposta.

Os dois se olharam com um certo ar. Riram, como se isso já tivesse acontecido, como se tudo já tivesse acontecido e eles, o Diabo e Antônio, se lançassem de peito de aberto e com bom humor no que um dia chamou-se “destino”.

Antônio ficou intrigado com o que o Diabo estava fazendo parado ali, onde Judas perdeu as botas. Afinal, será que seria uma arapuca para ganhar sua alma, ou será para pegar a alma de um outro alguém. Além do que, poderia ser algo ainda mais inacreditável, seria possível que no inferno tempo não é dinheiro? Poderia assim, então, o dia perder-se numa eterna divagação, ou mesmo, no que quisesse perder-se.

— Seu Diabo, permita-me um aparte, disse Antônio.

— Fala logo de uma vez, parece que até que está diante de algo divino.

— Por quê você está aqui parado? O mundo já se acabou em maldade, ou a maldade já acabou com o mundo, por acaso? Não teria que estar tentando alguém, falando das maravilhas de ser mal e sobre como é melhor ser um rei no inferno, do que servir no céu?

O Diabo olhou muito desconfiado para essa espécie de questão. Mas, por fim, explicou que “a maldade tornou-se tão autônoma, que ela não chega a tomar o Mundo, mas não precisa de ninguém para tocá-la. Ela determina a si mesma, como uma criança levada, como um cachorro que não obedece a nenhum dono”. Por fim, conclui o Diabo: “não preciso mais interferir”.

Os olhos de Antônio se arregalaram, como se estivesse se assustado com o boa nova do Diabo. O Diabo chegou a sorrir pensando que voltara a por medo em algum homem. Em meio a tensão, irrompendo o silêncio, disse Antônio em voz alta:

— Porra! Até você está desempregado, meu bom Diabo?

Essa informação, deixou o diabo desconcertado. Como poderia tal coisa fazer tanto sentido e ser tão absurda. Para se justificar o Diabo começou a divagar que, na verdade, o bem e o mal nunca foram lá muito distintos, de facto. Mas, o tom de amargura era incontornável.

Então Antônio, aproveitou para lançar mais algumas contra o Diabo, e disse quase sussurrando: se eu te dissesse que é preciso escolher entre o Amor, numa redoma de vidro, e o gozo carnal da luxúria voluptuosa, qual dos dois escolheria, tendo que abandonar o outro?

— Você quer que o Diabo, eu em pessoa, escolha entre a carne e o espírito? Por acaso, você quer refundar o que chamam sacrilégio? Antônio ficou insistindo, dizendo: “…qual é? Agora o Diabo é de ficar em cima do muro? Agora, você, fica só de papinho por aí? Mesmo?”

— Você não entende, Antônio, eu perverto a carne, mas se me aproximo do elevado, dá muito problema. Apesar de tudo, o Diabo anseia o espírito, como o diabo foge da cruz. Vivo e respiro a carne, mas procuro o espírito que não posso jamais ter, só suas “amostras grátis”, como dizem.

— O Sol está muito forte, disse Antônio, protegendo com a sombra de sua mão esquerda seus olhos. Vamos sentar embaixo daquela Dama-da-Noite. Nisto Antônio apontava para que o Diabo visse a majestosa árvore venenosa.

Caminharam alguns passos e sentaram-se sobre a grama e sob a sombra. Já instalados e bem confortáveis, voltaram a conversar. O diabo lamentava que não havia resposta para o questionamento, ficava nessa luta entre querer a carne e almejar o espírito, ficando assim neste meio termo. O Diabo, querendo inverter o jogo, rebateu a pergunta para seu algoz.

— E você, Antônio, o que almeja? O que escolheria?

— Tanto faz, isso não importa. Seu tempo e o tempo dessas questões já passou.

O Diabo fico perplexo, “mas”, continuou ele, “então por quê pergunta?”

— Gosto de verdade, seu Diabo, de ser a cobra da cobra e assim confundir o Diabo com minhas maçãs. Afinal, neste momento, o homem tornou-se o inferno do Diabo.

(A imagem que ilustra o conto é parte do tríptico de Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias Terrenas, dos primeiros anos do século XVI)

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