O poder soviético é o primeiro a criar as condições nas quais a mulher poderá ter sua plena emancipação. Por Inessa Armand
Certamente espantará a quem costuma ler o Passa Palavra a publicação da tradução de um texto de Inessa Armand, infelizmente mais conhecida em ambientes lusófonos por ter sido companheira de Lenin que por qualquer outro mérito próprio – e nos meios francófonos por ser, também, bisavó de Régis Debray. A relevância de Inessa Armand no processo revolucionário russo, não obstante, revela-se ao saber que a Okhrana a considerava nada menos que “a mão direita de Lenin”. Não subscrevemos a totalidade das opiniões da autora, em especial o entusiasmo desmedido pelo processo revolucionário russo; como a autora morreu em 1920, não presenciou desdobramentos funestos posteriores da revolução, mas sua pertença prematura aos quadros da Oposição Operária indica que caminhos tomaria se vivesse mais um pouco. Pensamos que malgrado seus limites evidentes, este texto, de 1920, justifica sua publicação tanto pelo seu ineditismo em língua portuguesa como por tocar em outros elementos importantes: (1) o tratamento da igualdade entre sexos como elemento imbricado no processo revolucionário da luta de classes, e não como elemento em separado; (2) a crítica à domesticidade burguesa, elemento quase naturalizado mesmo entre a esquerda e a extrema-esquerda atuais. Nas antevésperas do centenário da revolução russa, este é o primeiro de outros textos ainda inéditos em língua portuguesa que publicaremos aos poucos. Passa Palavra
Ao longo dos séculos ela foi uma escrava. No início, quando reinava a pequena produção, ela o era dentro da família, em seguida, com o advento do capitalismo, ela é explorada três vezes mais: dentro do Estado, dentro das fábricas e na família. Ela é escravizada não apenas no regime czarista, bárbaro e atrasado, mas também ainda nas “democracias” mais “civilizadas” da Europa Ocidental e da América.
Sob o regime burguês, a operária é privada dos menores direitos políticos que o operário possui. Na fábrica, na Usina, ela é ainda mais oprimida, ainda mais explorada que o operário, pois o patrão utiliza seu poder para oprimi-la não apenas como proletária, mas também para lhe infligir todos os tipos de ultrajes e violências enquanto mulher. Em nenhum lugar, em nenhum momento, a prostituição, esse fenômeno horroroso, o mais hediondo da escravidão assalariada proletária floresceu tão ricamente como no domínio capitalista.
As operárias e as camponesas são escravas da família não somente porque sobre elas pesam o poder do marido, mas também porque a fábrica, que arranca as operárias do ambiente familiar, não lhes deixa tempo para os cuidados maternos e da economia doméstica, transformando assim a maternidade numa cruz pesada, insuportável.
Enquanto existir poder burguês, a operária e a camponesa não poderão se emancipar dessa tripla servidão, que é a base sobre a qual se assenta o regime burguês e sem a qual não pode existir. O poder soviético, o poder do proletariado, abre largamente as portas à frente da mulher e lhe dá a possibilidade absoluta de se emancipar.
A constituição soviética já é dotada de todos os direitos políticos e civis. A operária e a camponesa possuem o mesmo direito de voto que o operário e o camponês. Elas podem, assim como os homens, eleger e serem eleitas; elas podem se ocupar do cargo que lhes convier dentro dos comitês das usinas, nas instituições soviéticas até mesmo no comissariado do povo.
A socialização da produção, a expropriação dos capitalistas e dos grandes proprietários levam a uma aniquilação completa de toda exploração e de qualquer desigualdade econômica.
Na Rússia soviética, a operária, na fábrica, na usina, não é mais uma escrava assalariada, mas uma comandante possuidora de todos os direitos que, em conjunto e em par com o operário, por intermédio das instituições soviéticas e dos sindicatos, organiza, administra, dirige toda a produção e distribuição.
Ela o é também mesmo na família e no matrimônio. O poder soviético já instaurou a igualdade completa dos direitos do esposo e da esposa. O poder do marido, do pai, não existe mais. As formalidades do casamento e do divórcio foram reduzidas ao mínimo, a simples declarações de pessoas interessadas nos comissariados correspondentes.
O poder soviético suprimiu toda a diferença entre os filhos “legítimos” e “ilegítimos”. Suprimiu assim uma das mais nefastas manifestações da injustiça burguesa. Na Rússia soviética, não existem mais “filhos ilegítimos”. Graças a ela, todas as crianças são, na mesma medida, futuros cidadãos e todos têm iguais direitos à atenção e cuidado.
O poder soviético tende a se responsabilizar por toda sua educação e instrução, desde os primeiros dias após seu nascimento até a idade de 16 ou 17 anos. Ele aspira a assumir a manutenção de todas as crianças.
Sob o capitalismo, os filhos dos proletários estavam, desde sua primeira infância, privados – devido ao trabalho nas fábricas e nas usinas – dos cuidados maternos, enquanto o governo burguês demonstrava nenhum indício de provê-los de algum cuidado. De forma que os filhos dos proletários se atrofiavam fisicamente e moralmente, definhavam, morriam.
O poder soviético desde já, apesar da desorganização, da ofensiva contrarrevolucionária e suas agressões constantes, de dificuldades assustadoras, assegura parcialmente a manutenção das crianças (uma parte dos produtos necessários é entregue gratuitamente através do “cartão da criança”, os refeitórios gratuitos e as cantinas escolares estão sendo criadas). A educação é gratuita em toda a parte, desde a escola básica até as universidades e escolas de ensino superior. As creches e os jardins de infância estão sendo criados. Nas escolas são fornecidos sapatos e roupas. A previdência social ganha cada vez mais amplitude através da proteção à maternidade, à infância, a criação das casas de maternidade, das casas ou repartições das crianças, das creches e dos jardins de infância.
O trabalho é proibido às crianças até a idade dos 16 anos. Dos 16 aos 18 anos só é permitido trabalhar por até 6 horas por dia. As mães são liberadas do trabalho 8 semanas antes e depois do parto e durante esse tempo lhe é assegurado receber o equivalente a seu salário. No mais, uma série de decretos estão em criação no sentido de proteger a mulher gestante, e no geral de proteger o trabalho feminino.
Desde já, eu repito, apesar das dificuldades até então desconhecidas, podemos dizer com confiança que na Rússia soviética os cuidados com a maternidade e a infância são muito mais organizados do que em qualquer outro lugar. E isso não é nada além de nossos primeiros passos. No mais, por meio da criação dos refeitórios públicos, a cozinha desaparece pouco a pouco da economia doméstica.
A domesticidade tão propagandeada pelos burgueses, mas que do ponto de vista econômico não entra de forma alguma em conformidade com seu objetivo, é, para os camponeses e em particular para os operários, uma pena insuportável que lhes remove a possibilidade do mínimo lazer, privando-os da possibilidade de ir a reuniões, de ler e de tomar parte na luta de classes: esse regime doméstico, dentro do regime burguês, ao favorecer a ignorância e o conservadorismo dos operários é, de certa forma, um dos melhores aliados da burguesia na sua luta contra o proletariado.
O regime soviético é o regime da transição do capitalismo para o comunismo, que é impossível de realizar sem a emancipação absoluta de todos os explorados, e por consequência, das mulheres. É por esse motivo que no regime soviético se quebram e voam aos pedaços todas as cadeias, que durante séculos oprimiram as operárias e camponesas. Desde os primeiros dias que se seguiram à Revolução de Outubro as operárias compreenderam que para elas estava aberta uma nova era de plena emancipação.
Em suas primeiras conferências (Conferência de Moscou em maio de 1918, conferência da província de Moscou, em junho de 1918 e Conferência Pan-Russa em novembro de 1918, à qual se apresentaram mais de mil delegados, representantes de mais de 1 milhão de proletários), as operárias notaram esse fato. Na resolução sobre a questão familiar, a Conferência da província de Moscou indica que com a passagem do poder para as mãos dos sovietes, não somente a completa emancipação política e civil das operárias se tornou possível, mas sim a supressão absoluta de sua escravidão sexual e familiar, e que agora lhes pertence a capacidade de elucidar e elaborar as condições dessa emancipação. Nas resoluções do Congresso Pan-russo[2], sobre as tarefas da operária, entre outras, se diz:
“O poder soviético, após possibilitar emancipação integral de toda a classe operária, depois de realizar a igualdade de direitos entre homem e mulher, fez da operária, da mesma forma que o operário, mestres absolutos da vida, lhes possibilitou organizá-la como é necessário à classe operária e aos mais pobres na cidade e no campo.
Seguidamente à Revolução de Outubro, logo após a passagem do poder às mãos dos sovietes, a libertação completa dos operários por meio da supressão das velhas formas de família e economia doméstica, se torna não somente possível, mas uma das condições necessárias para a instauração do socialismo”
Nessa mesma resolução foram formulados as tarefas das trabalhadoras na Rússia soviética. Essas tarefas foram fixadas da seguinte forma:
“A primeira Conferência Pan-russa dos operárias constata uma vez mais que para elas não existem obrigações especificamente femininas, distintas daquelas do conjunto do proletariado, pois as condições de emancipação das mulheres são as mesmas que as do proletariado inteiro, ou seja, a revolução proletária é o triunfo do comunismo… O momento no qual a revolução socialista universal se desenvolve exige a maior concentração de todas as forças proletárias tanto para o desenvolvimento e a defesa da Revolução Russa quanto para a organização socialista; cada operário, cada operária devem tornar-se soldados da revolução, prontos a empenhar todas as suas forças para o triunfo do proletariado e do comunismo; como consequência, a tarefa essencial das operárias é sua participação ativa em todas as formas e aspectos da luta revolucionária, tanto no front quanto em seu abastecimento, tanto na propaganda e agitação quanto na luta armada direta. No mais… Constatando que as velhas formas de família e de economia doméstica, pesam como um fardo sob os ombros das operárias e a impedem de tornar-se combatentes da revolução e do comunismo, e que essas formas de família só podem ser abolidas pela criação de novas formas de economia, a conferência considera que a operária, tomando parte mais ativa em todas as manifestações da nova organização, deve prestar especial atenção à criação de novas formas de alimentação, de repartições públicas, graças as quais a velha servidão familiar será abolida”.
Nas resoluções a respeito do partido comunista, se diz que as operárias são chamadas a se tornar, não só formalmente, mas concretamente membros do partido comunista e a entrar nas categorias das organizações correspondentes, onde a operária e a camponesa poderão compreender o programa do partido comunista e se tornarem membros conscientes do partido.
Na resolução sobre a revolução internacional, a conferência, indicando que as chamas da insurreição dos operários e operárias consome o velho mundo capitalista e com ele a escravidão da mulher, convida os operários e operárias de todos os países a se levantar com a bandeira do partido comunista a fim de manter a vitória da revolução universal.
Nessa mesma resolução da conferência Pan-Russa no que concerne a família burguesa capitalista, que para a mulher é uma servidão: “A economia coletiva deve substituir a economia doméstica e libertar da mulher a tarefa de empregada doméstica. A educação e a criação das crianças na conta do governo dos trabalhadores (nas creches, jardins de infância, colônias, etc) devem suprimir as obrigações materiais dos pais e das mães…Uma união livre, mas sólida, dada pelo espírito de camaradagem de dois cidadãos iguais no Estado dos trabalhadores, assim é o novo casamento proletário”.
Sobre a prostituição, a resolução diz o seguinte: “…partindo da análise de que a prostituição tem suas raízes profundamente ancoradas na sociedade capitalista, a primeira conferência pan-russa das trabalhadoras e camponesas pobres convida ao combate à prostituição não somente pelo fechamento das casas de tolerância, não somente pela punição dos cafetões e cafetinas…mas o fim de todos os resquícios sobreviventes do capitalismo, por meio da aplicação da proteção à maternidade, pela realização da educação das crianças, e pela substituição da família burguesa pelo casamento livre.”
Assim sendo, as operárias compreenderam perfeitamente que seus novos direitos e novas liberdades não ajudariam realmente o desenvolvimento e a vitória da revolução a não ser que não somente uma vanguarda, mas as massas operárias fossem treinadas a tomar parte ativa na vida do partido e dos sovietes, como consequência, às operárias da vanguarda se coloca a tarefa de treinar essa massa na luta revolucionaria pelo comunismo.
Não é uma das tarefas mais fáceis. Ela consiste em fazer participar e se interessar pela luta revolucionária, à obra da organização, à administração, os elementos mais conservadores, os mais ignorantes da massa proletária; é necessário conquistar as camadas mais baixas do proletariado, que até agora em todo o país só ofereceram um terreno pouco propício à agitação e à propaganda, que nenhum partido conseguiu ainda ganhar.
No capitalismo as operárias e camponesas são absolutamente descartadas da vida pública e política, tanto pelas condições de vida da família burguesa quanto pela falta de direitos políticos. Graças a isso, ao passar o poder às mãos dos sovietes, assim que à classe operária é enderessada à administração e a obra complexa e difícil da nova organização, as operárias em seu conjunto têm se mostrado muito mais inexperientes que os operários. Para lançar as operárias à causa comunista com sucesso é necessário em primeiro lugar ajudá-las a aprender como trabalhar; fazê-las compreender onde e como podem empregar suas forças.
Foi preciso elaborar novos métodos de propaganda, novas maneiras de abordar operárias e camponesas, formas adaptadas a suas particularidades psicológicas e às novas tarefas que as esperavam. Aqui, a propaganda pela ação adquire um significado particular, quer dizer, uma propaganda que levaria diretamente as operárias e camponesas a fazerem parte de uma ou outra organização.
Assembleias de operárias delegadas foram organizadas, o que foi de grande ajuda nesse sentido. Essas assembleias foram formadas por representantes de todas as fábricas e usinas de um determinado raio de abrangência, eleitas por reuniões gerais de diferentes empresas. As assembleias de delegadas são instituições hoje graças àquelas que aprenderam na prática como deve ser feita a ação soviética, como empregar suas forças e energias na luta comum dos trabalhadores e da organização. De outra parte as assembleias são magníficas pontes entre as instituições soviéticas e as massas operárias.
As delegações são compostas por grupos de pessoas trabalhando dentro de um ou outro setor soviético (até o momento, sobretudo na assistência social do trabalho, no ensino público e nos cuidados em saúde) e nelas levam a ações pela inspeção e controle dos asilos, dos refugiados, dos jardins de infância, das escolas de alfabetização dentre outras, assim como pela sua criação; para o controle e inspeção dos refeitórios públicos e cozinhas e para a supressão dos abusos e da desordem; para a observação dentro das escolas da divisão dos sapatos, das roupas; para o recolhimento de informações para uso pelos inspetores do trabalho; para o controle da aplicação dos regulamentos em matéria de proteção do trabalho de mulheres e crianças. Organização de ambulâncias, hospitais e cuidados e visitas a feridos e doentes. Inspeção e controle dos acampamentos e participação nas milícias. Ação para a justa distribuição da ração dos soldados do exército vermelho, para levar as operárias a tomarem parte ativa de todas as formas de direção e administração da produção, etc.
As seções soviéticas, por sua parte, deixam as operárias a par de seu trabalho, as faz entrar nas escolas nos cursos que estão abertos para esse ou aquele ramo de trabalho soviético (curso de previdência social, de instrução pré-escolar, de enfermagem para o exército vermelho, de socorristas, etc).
No mais, as delegadas continuam suas ações em sua fábrica ou usina, fazendo relatórios periódicos a seus eleitores sobre sua atividade e sobre a atividade das seções que trabalham, organizam as usinas de um determinado ramo para ouvir as reivindicações, as queixas e conhecer as necessidades das operárias.
As delegadas tomam parte ativa em todas as campanhas assumidas pelo partido, pelos sovietes (aquecimento, reconstrução da cultura, fornecimento, auxiliando os feridos, na luta contra as epidemias, trens de agitação nas províncias,etc, etc). As assembleias de delegadas se reúnem 2 a 4 vezes por mês. Nos últimos tempos, em Moscou e em outras cidades, a representação diminuiu; as delegadas são eleitas numa razão de 1 pra 20 operárias. Com sorte, por intermédio dessas assembleias, conseguiremos ganhar as massas operárias que se tornam cada vez mais como reservas de energia, nas quais o partido e os sovietes podem encontrar novas forças. As “semanas do partido” têm provado isso. Em Moscou, por exemplo, onde a semana do partido teve perto de 15.000 novos inscritos, dentro disso, alguns milhares de operárias, uma grande porcentagem veio exatamente das assembleias de delegadas.
As conferências das operárias sem partido têm uma grande importância de propaganda; elas se reúnem nas diferentes vilas, cidades, distritos aproximadamente a cada 3 ou 4 meses (em toda a Rússia uma só conferência foi convocada ano passado). Essas conferências se revelaram como um excelente método para agitar e despertar as massas que estão fora do movimento e neste caso, têm dado bons resultados (neste momento as camponesas estão interessadas nessa conferência). Em outubro passado, por exemplo, em Moscou, houve uma conferência das sem-partido à qual estiveram presentes 3.000 delegadas, representando 60.000 operárias moscovitas (estimamos que em moscou haja em torno de 180.000 operárias). A propaganda e a agitação são também feitos por conversas e pela imprensa. Em quase todos os órgãos do partido vemos presente a “página da operária”.
Podemos dizer sem exagero (ainda que haja defeitos e lacunas na nossa ação) que os resultados obtidos esse ano ultrapassaram nossas expectativas. Há um ano atrás não existia sequer um pequeno grupo de operárias conscientes; o estado de espírito da massa operária era revolucionário, mas ainda instintivo, inconsciente e desorganizado.
Atualmente são formados quadros suficientemente numerosos de operárias conscientes – membras do partido comunista – que ao longo desse ano conseguiram cumprir um ou outro trabalho soviético ou do partido. Operárias propagandistas talentosas foram formadas, e neste momento, operárias públicas estão em vias de formação.
O movimento das operárias já ganhou as massas e se torna uma força política considerável. É em Petrogrado, em Moscou, no Governo de Ivano Voznecensck que o trabalho funcionou melhor. Mas não há dúvida de que em Petrogrado é que as operárias são mais organizadas e conscientes. Em outros governos a ação se inicia; em algumas áreas funciona bem o suficiente. Na conferência pan-russa das organizações do partido para o trabalho entre as mulheres, podiam ser encontrados representantes de 28 governos. Os dos Urais, Ufa, Orenburg, Astrakhan, haviam sido incapazes de chegar, embora lá haja ações também iniciadas. Assim, o movimento de trabalhadoras abrange toda a Rússia.
As operárias provaram ter magnífica capacidade de organização e de trabalho. Elas já conseguiram, apesar das dificuldades desconhecidas, ajudar as seções soviéticas, a criar um número importante de creches, de jardins de infância, de escolas, de refeitórios públicos, etc. E à medida que o operário é obrigado a ir ao front pelo exército vermelho, para defender o poder soviético contra as agressões de Denikin[3] e Yudenich[4], dos imperialistas da Entente, a operária o substitui não só na fábrica e na usina, mas nos sovietes, nos sindicatos, na milícia, etc. E muitas foram as operárias que quiseram ir ao front lutar lado a lado dos operários contra o Exército Branco.
Ao longo desses anos as operárias foram definitivamente persuadidas de que para ter a possibilidade de organizar tranquilamente uma nova vida, para por fim à crise do transporte e da alimentação é necessário acabar primeiramente com o exército branco dos Youdenich e Denikin, é necessário por um fim definitivo às forças da burguesia e acabar com as tentativas de estrangular o poder soviético. É por essas razões que as operárias ao longo dos dois últimos meses detiveram a maior parte de sua atenção à manutenção do exército vermelho. Agora que infligimos a Denikin um golpe decisivo, ela poderá novamente, naturalmente sem esquecer nem por um instante sua ação junto ao exército vermelho, doar mais forças às outras tarefas.
À face do inimigo imperialista, a proletária russa se mostrou verdadeiramente digna de seu camarada proletário. Ela não cessou de se afirmar sempre pronto a consentir todo tipo de sacrifícios para acabar com as forças da burguesia. Ela dizia aos operários: “Certamente isso será difícil para nós, será penoso, mas partam ao fronte, não pensem em nós, nós os substituiremos, nós venceremos!” Durante a última ofensiva de Denikin as operárias de Toula declararam, numa resolução tomada por unanimidade, que Denikin não entraria em Toula a menos que passasse por cima de seus corpos. Tais declarações foram feitas em muitas outras cidades. Contra Denikin e Youdenich se volta toda a Rússia operária, pronta a todos os esforços e aos piores tormentos apenas para salvar o poder soviético.
O poder soviético penetrou suas raízes no mais profundo da classe operária. Para sua defesa, ele soube subverter os elementos mais conservadores e atrasados. Essa é a melhor garantia de sua solidez e invencibilidade.
As mulheres burguesas odeiam o poder soviético e se esforçam tanto quanto possível detê-lo aos olhos das massas, não parando frente a nenhuma mentira, mesmo a mais falsa e ridícula.
No último outono, os representantes do círculo imperialista francês e inglês colocaram em circulação essa calunia odiosa e estúpida que diz que o poder soviético “socializou” ou “nacionalizou” suas mulheres.
Nesta ocasião a Paris mundana e a Londres meio mundana fizeram crer que era necessário se dirigir solenemente ao tigre imperialista Clemenceau[5], com essa ideia de defender a mulher russa contra a bestialidade do poder soviético.
Uma acusação parecida feita a nós comunistas não é novidade. Marx, já no manifesto comunista, com termos e imperecíveis, desenvolveu e ridicularizou essa invenção burguesa.
É uma vergonha que o representante da segunda internacional, Kautsky[6], tenha a imprudência de sustentar e repetir essa ignorante calúnia contra o poder soviético.
Todas essas tentativas de desarticular as operárias, de as insurgir contra a revolução, seguramente não levarão a nada. Entre as operárias dos outros países, a constituição, os decretos do poder soviético, toda sua atividade e mesmo as resoluções e declarações das operárias russas são a melhor e a mais irrefutável resposta.
Esses senhores da 2ª Internacional não ganham, com isso, nada além do ódio e do desprezo das operárias de todos os países. Cada operária russa responderá pouco a pouco a esses senhores: no capitalismo nós éramos escravas, éramos negociadas no casamento e fora dele. Com o poder soviético nós conseguimos pela primeira vez nos livrar dos fardos sobre nós e nos sentir livres. Isso que nos parecia ser apenas um sonho distante, uma história maravilhosa que ficamos com medo de acreditar, torna-se agora possível, tangível, prático, e já estamos começando a estabelecer o comunismo.
É ridículo nos chamar de volta! Quaisquer que sejam os esforços das damas da burguesia e seus auxiliares da 2ª Internacional, eles não conseguirão desviar a operária do seu caminho.
Por que ela já fez sua escolha. Ela está com o poder soviético, com a 3ª Internacional contra vocês, senhores!
Hélène Blonina
Notas
[1] Inessa Armand nasceu na França em 1874, com o nome de Elisabeth Pécheux d’Herbenville, viveu a maior parte de sua breve vida na Rússia. Foi membro importante do movimento comunista na Rússia pré-revolução, organizando conferências internacionais sobre a causa feminina e a luta anti-capitalista juntamente com Alexandra Kollontai. Foi executiva do Soviete de Moscou após a Revolução de 1917 e diretora do Departamento Feminino da União Soviética. Escreveu este artigo para o número 17 do Boletim Comunista, sob o psudônimo de Hélène Blonina. Morreu de cólera em 1920.
[2] Congresso Pan-russo das operárias e camponesas aconteceu em novembro de 1918 com a presença de 1.100 delegadas das fabricas e das empresas, dos sindicatos, do partido e das camponesas pobres.
[3] Anton Ivanovich Denikin foi Tenente-general do Exército Imperial Russo e um dos primeiros generais do Exército Branco na guerra civil.
[4] Nikolai Nikolaevich Yudenich foi um comandante do exército russo no Cáucaso e um dos generais mais bem sucedidos do exército imperial do russo durante a Primeira Guerra Mundial.
[5] Georges Benjamin Clemenceau foi um estadista, jornalista e médico francês. Entre 1902 e 1920 Clemenceau foi eleito senador. Ocupou o cargo de primeiro-ministro da França nos períodos 1906-1909 e 1917-1920. Neste último, chefiou o país durante a Primeira Guerra Mundial e foi um dos principais autores da conferência de paz de Paris, que resultou no tratado de Versalhes, dentre outros.
[6] Karl Johann Kautsky foi um filósofo tcheco-austríaco, jornalista e teórico marxista e um dos fundadores da ideologia social-democrata. Foi bastante criticado por seu reformismo em diversas obras de Lênin como “O Estado e a Revolução” e “Imperialismo, estágio superior do capitalismo”.
Traduzido ao português por Gisele Vieira
PODER SOVIÉTICO OU POLICIAL?
Inessa é morta (de cólera, em 1920). Mas, em 1920, os sovietes – expressão orgânica da autonomia proletária – já não existiam. Havia sua homônima caricatura burocrática, que funcionava como correia de transmissão e caixa de ressonância do partido bolchevique. Já então, avançava célere a reestruturação capitalista da Rússia.
“[…] em dois anos, o câncer policial tomou conta da revolução. Apenas dois meses após o golpe de Estado bolchevista de 1917, foi promulgado o decreto — mantido em segredo durante sete anos — que criou a Vetcheka (abreviação de Vserossiskaïa Tchesvytchainaia Komissia — Comissão Extraordinária Pan-russa). O mal progrediu tão rapidamente que, no segundo aniversário da tomada do poder, o Pravda constatava que ‘todo o poder aos soviets’ havia se transformado em ‘todo o poder à Tcheka’.”
Jacques Baynac [(org.) em colaboração com Alexandre Skirda et Charles Urjewicz] – La terreur sous Lénine. Paris, Le Sagittaire, 1975.
Não (?) sentirei saudades do arroz e do feijão
De minha burguesa e opressora mãinha
Quem cuidará de mim será o grande irmão
E do salão de jantar, não mais se verá a cozinha
Operará o operário a operária
Operará a operária o operário
A vida vem do sal, o salário
O salário, sem sal, será pecuária (Êh, oô, vida de gado…Povo marcado…Êh, povo feliz!)
E os dengos de mãinha, na noite escura e fria
Não passarão de exploração (machista, racista, falocentrista, homofóbica, carnívora) da família burguesa
Pois o norte será o dedo (sempre) em riste do grande irmão
Oh! Tão zeloso zelará por ti o grande irmão!
Como é burguês o caldinho quente e amassadinho (com toicinho defumado, alho, cebola, coentro e, amor “burguês” e materno de mãinha) de feijão!
Pois quanto mais o tempo passa, mais o sabor será o sabor da massa (ou com vodka, ou com cerveja, ou com futebol e/ou cachaça…)