Ocupação do Ministério de Ciência e Tecnologia em Buenos Aires desencadeia lutas pelo país. Primo Jonas entrevista Matías

Entrevista com Matías, estudante da faculdade de Filosofia e Letras, participante da ocupação do Ministério de Ciência e Tecnologia começou segunda-feira, 19 de dezembro, em Buenos Aires e encerrou no dia 23 com a garantia de permanência dos pesquisadores por um ano. Desde então, surgiram outras ocupações em diferentes sedes da pasta por várias outras cidades do país. A luta está em pleno desenvolvimento.

Primo Jonas: O que foi que mobilizou a ocupação e quais foram seus antecedentes?

Matías: Em primeiro lugar é preciso pontuar que todo acontecimento que abre um momento de conflito explícito se insere em um processo mais amplo. Então, se por um lado existem fatos concretos e objetivos que desencadearam essa luta, por outro lado é necessário fazer esse pequeno esclarecimento para não cairmos em interpretações que tendem a entender os movimentos como explosões espontâneas, abruptas ou imprevistas. Se é verdade que em determinados contextos se acentuam certas contradições que mobilizam as subjetividades dos diretamente afetados num problema, devemos nos esforçar em pensar os conflitos em termos sociais, e não como casos específicos, individuais ou isolados. Esta luta se inscreve em um processo de mobilização mais amplo, ao qual hoje é difícil definir um limite temporal exato. Alguns dirão que o período aberto no 10 de dezembro de 2015, com a posse de Maurício Macri na presidência é um ponto de quebra substancial; no entanto, de uma perspectiva mais ampla seria muito útil abrir a visão e remontar à fundação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva (MinCyT), em 10 de dezembro de 2007, por decreto assinado pela presidente Cristina Fernández de Kirchner. Por enquanto esta discussão está em aberto.

Agora que fiz o esclarecimento, vou cair numa aparente contradição, já que preciso explicar situações pontuais, abandonando momentaneamente essa dimensão da longa duração. O motivo concreto que fez acontecer uma ação direta massiva — como está sendo a ocupação do Ministério — foi a publicação dos resultados da convocatória de efetivações na carreira de pesquisador [1] do Conicet 2016 [2].

No dia 16 de dezembro deste ano, o diretor do Conicet anunciou que, de um total de 1520 postulações, 874 pesquisadores foram recomendados pelas Comissões Avaliadoras, porém o órgão diretivo só aprovou 385 efetivações. Isso quer dizer que quase 500 pesquisadores que cumprem com os requisitos – arbitrários, academicistas e meritocráticos – impostos pelo próprio Estado, estão sendo despedidos sem nenhum tipo de direito trabalhista.

Esse corte de 60% [do orçamento] mobilizou um grupo amplo e heterogêneo de estudantes, pesquisadores, docentes e trabalhadores do sistema universitário e dos organismos científicos-técnicos. Até a quinta-feira, 22/12, não havia respostas para solucionar o conflito que atendessem à principal reivindicação tirada pelas assembleias massivas: incorporação dos 500 companheiros recomendados à Carreira de Pesquisador e nenhuma demissão no Conicet.

PJ: Quem são as pessoas que estão ocupando o ministério, sua composição? Existem grupos organizados como sindicatos ou partidos? Que peso eles têm na ocupação?

M: Como mencionei, na ocupação está participando um conjunto heterogêneo de estudantes, pesquisadores, docentes, trabalhadores, já que a grande maioria dos aspirantes à entrada na carreira de pesquisador são docentes de universidades nacionais e são os estudantes quem cumprem fora das salas de aula a função de tesistas e assistentes de pesquisa, que por sua vez aspiram a obter bolsas (e posteriormente um cargo estável como pesquisador).

Com diferentes graus de compromisso com as ações concretas necessárias para sustentar uma ocupação ativa num edifício público estatal, que requerem garantir a realização de assembleias, difusão de atividades, a alimentação, o controle do espaço e em constante vinculação com diversas formas de ameaça, amedrontamento, vigilância por câmeras, segurança privada e polícia (uniformizada ou à paisana), a medida até o momento é de caráter massivo e até o dia de hoje (22/12), está em um movimento de conflitividade ascendente.

Existe a presença de espaços gremiais que reúnem bolsistas [3], docentes e pesquisadores [4], centros de estudantes [5], sindicatos [5], partidos políticos tradicionais [6], coletivos de estudantes de base [7], aspirantes efetivados e ingressantes na carreira de pesquisador e um conjunto amplo de estudantes, docentes e pesquisadores não organizados que se sentem interpelados pelo conflito.

Apesar da grande quantidade de adesões, apoios e solidariedades, existe uma brecha entre as assembleias massivas, as intervenções que ali se formulam e os corpos concretos que uma vez finalizada a assembleia sustentam e transitam com presença na ocupação. Deixando de lado as situações particulares da grande maioria a respeito de outros compromissos (laborais, pessoais, políticos ou de diversas índoles), se faz visível a ausência das organizações que se referenciam no kirchnerismo durante os primeiros dias da ocupação. Foi só no terceiro dia de ocupação, frente à massividade das assembleias, as repercussões midiátias e na nula resposta das autoridades, as organizações K começaram a ter uma presença incipiente.

Atualmente o desafio constante da ocupação é sustentar a visibilidade do conflito, mostrar força frente à patronal, às autoridades estatais e ao aparato mediático hegemônico que constantemente realiza manobras para desprestigiar o protesto.

PJ: Qual é o objetivo da ocupação? Quais são as reivindicações?

M: A principal reivindicação da ocupação é a incorporação dos 500 recomendados que foram avaliados positivamente pelas comissões, mas que não tiveram sua efetivação aprovada. As autoridades em primeira instância argumentaram que a limitação era de caráter orçamentário (a ponto de assinar uma declaração pública onde dizem manifestar “profunda preocupação pelas decisões que vêm sendo obrigadas a tomar a partir do orçamento definido a esta instituição para o exercício de 2017”). Ao passar os dias e as negociações frustradas, as mesmas autoridades começaram a reconhecer que existe uma decisão política de reduzir consideravelmente o número de pesquisadores do Conicet. Isto se expressa no fato de que estaria disponível uma dotação orçamentária para “solucionar” o conflito, mas que não seria destinada ao MinCyT, senão à universidades nacionais e outros organismos de Ciência e Tecnologia para que possam absorver a quase 350 dos 500 despedidos.

Do meu ponto de vista, entendo que o objetivo como um horizonte de perspectivas, deveríamos disputar uma linha que fomente a crítica aos usos ideológicos da ciência, o que poderia abrir a possibilidade de discutir os interesses políticos, econômicos e simbólicos que orientam a produção do conhecimento. Para isto é imprescindível circunscrever a produção científica atual no contexto do capitalismo contemporâneo caracterizado pela mercantilização do conhecimento, a produtividade quantitativa como parâmetro de qualidade, a legitimação ideológica como discurso da Verdade e a acumulação de capital por meio da extração da mais-valia. Isto requer retomar o mencionado ao início, já que para problematizar e operar sobre este panorama devemos recuperar a dimensão histórica e processual. Nada disto está no centro do debate da atual ocupação do MinCyT.

PJ: Em sua opinião, qual é o motivo que está por detrás desta medida do governo?

M: Considero que por detrás desta medida existe um dispositivo de controle estatal que busca gerar conflitos cujo único objetivo é o controle da conflitividade social. Quero dizer que o caráter tão explicitamente cínico da casta governamental não obedece a um sentimento de desprezo irracional pelo “público”, o “nacional”, aquilo que “soubemos conquistar”, os “avanços”, etc, senão que é um dispositivo para estabelecer períodos que nos colocam à prova quanto às nossas capacidades organizativas, em nossas forças vitais e em nossos horizontes que estruturam o pensável / o realizável / o (im)possível. Isto é, nos estão medindo para nos governar melhor nos sentidos estritos do termo: a capacidade de controlar territórios, populações e corpos por meio do saber-poder.

Notas

[1] No sistema científico-técnico argentino, entrar na carreira de pesquisador implica a possibilidade de ser empregado permanente e estável em relação de dependência trabalhista com o Estado nacional, o que permite formular linhas de pesquisa própria, ter um papel de direção de projetos de pesquisa e de doutorandos que pesquisam temáticas afins e complementárias à do diretor-chefe. Para postular-se à Carreira de Pesquisador (e poder entrar na estrutura estamental e hierárquica que classifica os pesquisadores em 5 categorias), é preciso contar com o título de doutorado, uma bolsa de pós-doutorado e uma produtividade acadêmica que regida por critérios de publicação de papers em revistas indexadas.

[2] Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas.

[3] Jóvenes Científicos Precarizados (JCP), Becarios UBA, Becarios Empoderados.

[4] Asociación Gremial Docente UBA (AGD-Conadu Histórica), Federación Nacional de Docentes Universitario (Conadu), Ciencia y Técnica Argentina, Científicos (CYTA), Universitarios Autoconvocados.

[5] Federación Universitaria de Buenos Aires (FUBA) e centros de estudantes de Filosofia e Letras, Ciencias Exatas e Naturais, Arquitetura e Design, Veterinária.

[6] Asociación de Trabajadores del Estado (ATE).

[7] Partido Obrero (PO), Partido de los trabajadores Socialistas (PTS), Izquierda Socialista (IS), Nuevo MAS, Movimientos Socialistas de los Trabajadores (MST), La Cámpora, Nuevo Encuentro, Izquierda Revolucionaria.

[8] Revocables de Antropo y Arqueo, Amaranto, Colectivo Desde El Pie-COB La Brecha.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here