Se os protestos em 2013 eram por 0,20 centavos, agora, em 2017, são por 15 anos. Por Paulo Spina

No ciclo de protestos de 2013 a reivindicação de revogação do aumento de vinte centavos era frequentemente minimizada por alguns setores com a justificativa de ser pouco significativa para despertar tamanho descontentamento. Entre alguns manifestantes surgiam frases como “não são só 0,20 centavos”, deslocando a pauta inicial para outras demandas de serviços públicos de qualidade.

Agora em 2017 – no confronto político contra a reforma de previdência – a reivindicação pode chegar a quinze anos de trabalho a mais para uma pessoa se aposentar. Dizendo de outra forma, os impactos futuros da reforma para os trabalhadores em geral, para estudantes e para crianças que ainda nem pensam em trabalhar são muito significativos. Mas, os esclarecimentos da mídia quanto a este fato concreto no cotidiano dos brasileiros não são evidenciados e mesmo os protestos do dia 15 de março foram noticiados com o foco nos transtornos causados para a população e não nas reivindicações.

Quais as razões de vinte centavos terem acendido a chama de um ciclo de protesto nacional que em 15 dias trouxe milhares de pessoas para as ruas e, por enquanto, muitos anos a mais de trabalho da reforma da previdência terem tido apenas um localizado dia de protestos nacionais e greves?

Não é uma indagação fácil de ser respondida. A partir do estudo de junho de 2013 [1] arrisco algumas possíveis respostas. Em 2013 o Movimento Passe Livre (MPL) com sua lógica de organização de um movimento social horizontal, pequeno e desburocratizado e sua disposição de parar a cidade conseguiu impor um tempo das manifestações que asfixiou o poder público com protestos constantes (quase diários), alterando a relação de tempo e espera com os detentores do poder. Não era o movimento que esperava uma resposta dos seus opositores governamentais, mas eram os governos que corriam contra o tempo para devolver alguma normalidade para a cidade. E claro, a desmedida violência da PM ajudou o confronto que já era crescente a se disseminar nacionalmente.

Nos protestos realizados a partir do dia nacional de lutas contra a reforma da previdência, agora no dia 15 de março de 2017, a lógica de organização dos protestos por sindicatos e centrais sindicais impões um ritmo diferente para as manifestações. Se em junho de 2013 um protesto já imediatamente convocava o próximo, a lógica sindical – na sua necessária construção de consensos com outros sindicatos e centrais – aumenta significativamente o tempo entre um protesto e outro, facilitando um esfriamento do confronto e da sua expressão no cotidiano das pessoas. Se a performance de confronto com greves e paralisações de serviços necessariamente segue este ritmo mais lento para as necessárias e importantes decisões da base, os amplos protestos no fim da tarde poderiam ser mais constantes, facilitando o envolvimento de novas pessoas neste confronto político.

Outra diferença importante é a personalização do confronto. Enquanto em 2013 o MPL chamava todos para as ruas buscando deixar claro que os protestos não seriam capturados por figuras políticas personalistas, em 2017 a manobra da CUT de colocar o Lula no carro de som pode inibir pessoas extremamente descontes de virem para as ruas. A potência de um ciclo de protestos por uma reivindicação significativa (muitos anos de trabalho a mais para se aposentar) com abertura para novos horizontes políticos pode ser transformar na impotência de um projeto político fadado a mesmice para 2018.

O confronto político contra a reforma da previdência promete continuar na agenda das mobilizações. O contexto de oportunidades políticas tem se modificado com grande velocidade no Brasil. Não é possível certezas sobre o que virá a acontecer com o avanço desta reforma da previdência. Arrisco apenas a dizer que, se movimentos influenciados pelo repertório autonomista aumentarem seu protagonismo e, por exemplo, conseguirem trazer para as ruas os estudantes das escolas recentemente ocupadas, as dimensões do confronto político da previdência podem ser ampliadas e mudar de escala. Este confronto político é ilustrativo da importância da política nas ruas e dos movimentos sociais.

Nota

[1]O Movimento Passe Livre (MPL): da sua formação aos protestos de 2013”, disponível aqui.

Paulo Spina é mestre em ciências sociais pela UNIFESP, [email protected]

3 COMENTÁRIOS

  1. Algumas expressões, embora aparentem ser sinônimas, referem-se a conceitos, muitas vezes, bem diferentes.
    O que a atual reforma visa, principalmente, é aumentar o tempo de “contribuição”, e não apenas o tempo de trabalho (aliás, o próprio “trabalho” pode ser aumentado num mesmo período de tempo…).
    Antes da primeira reforma da previdência, no governo Fernando Henrique em 1998, o trabalhador tinha direito à aposentadoria por “tempo de serviço”. A proposta reformista exige que, para receber a aposentadoria integral, o trabalhador terá que CONTRIBUIR por 49 (quarenta e nove) ANOS! Levando-se em conta que nas últimas décadas poucas vezes o Brasil teve mais de 50% dos trabalhadores com carteira registrada (o que não significa a garantia dos depósitos previdenciários, pois o patronato brasileiro é contumaz sonegador e desviador destas verbas), o simples fato de trabalhar mais tempo não significa, obrigatoriamente, computo na contagem para a aposentadoria. A contribuição efetivamente feita e registrada na Previdência é que (poderá, caso a lei não mude mais uma vez) determinará o (provável) direito à aposentadoria.
    Portanto, serão 49 anos de contribuição à Previdência que, se o trabalhador estiver vivo até lá (por isso a charge do Anzol pode ter cometido um equivoco: o finado ali representado só fará jus a “aposentadoria integral” se efetivamente contribuiu durante os 49 anos… caso contrário, nem depois de morto receberá alguma coisa…!). Se forem “apenas” 49 anos de trabalho, sem as devidas contribuições: bal..bal…

  2. Gostaria de somar um ponto para as diferenças, que não é menor. O aumento dos preços da tarifa do transporte é de incumbência e responsabilidade política dos executivos municipais — a luta contra o aumento é a luta contra um mandato executivo, geralmente respaldado por uma base parlamentar municipal, mas responde a contas, balanços e interesses econômicos da unidade mínima da gestão pública estatal. Se em 2013 foi possível barrar o aumento ou até diminuir o preço da passagem em mais de 200 cidades do Brasil, isso se traduz em 200 decisões diferentes, tomadas em pequenos gabinetes, impactando de formas diferentes os orçamentos de cada uma destas gestões.
    Já as reformas que estamos vendo agora em 2017 são resultado de acordos muito bem costurados entre a nata do empresariado nacional com os principais partidos e seus órgãos de gestão, entre sindicatos patronais e trabalhistas, entre esquerda e direita. Em 2013 foi a classe trabalhadora fragmentada, com uma tática fragmentada, que conseguiu golpear os interesses de pequenas frações empresariais em conluio com os blocos políticos também fragmentados em seus municípios. Com relação ao preço do transporte público, a classe dominante se encontrava quase tão fragmentada quanto os trabalhadores. Não é o mesmo caso agora em 2017 com as reformas em pauta, por isso acabam sendo as centrais sindicais quem dirige, por enquanto, as lutas, já que por mais capengas que estejam neste momento histórico, são o que há de menos fragmentado na organização dos trabalhadores — junto com, sem surpresas, o petismo e os corpos que nele orbitam.
    Existem outros méritos para diferenciar 2013 de 2017, mas acho que o ponto que apresentei acima marca bem o campo de atuação e, na minha opinião, demarca sim os limites do que foi 2013 em relação à luta contra as reformas.

  3. Sim, a diferença nos detentores do poderentre os dois confrontos – de 2013 e 2017 – são aspectos muito importantes. Entretanto fico com a indagação: a passagem de enfrentar um opositor unificado (empresários e políticos) a partir do que “há de menos fragmentado nas organizações dos trabalhadores” – as centrais sindicais e o petismo, será a unica ou a melhor possibilidade deste confronto político contra a reforma da previdência avançar?

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