É preciso evitar que na crise política e econômica os trabalhadores sejam manejados por um ou outro setor da classe dominante. Por Passa Palavra

O noticiário político, as conversas de bar, as redes sociais, os grupos de whatsapp, todo o espaço de socialização que se tem no Brasil foi tomado pelo mesmo assunto. O dono da JBS, Joesley Bastista, gravou o presidente Michel Temer falando para manter o pagamento pelo silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. O surpreendente não é que membros da elite política tenham conversas desse tipo com um dos maiores empresários do país, o que impressiona é que isso tenha sido gravado e venha a público. A JBS é a maior empresa de produção de carne do mundo, estranho seria se não tivesse forte influência sobre todos os setores do Estado brasileiro, ou de qualquer outro Estado no qual tenha atuação. O que motiva esse empresário a expor esse tipo de negociação neste momento? Quais são as respostas que os trabalhadores podem dar? Como se movimentam os diferentes atores nesse jogo político?

No momento em que escrevemos este texto, o governo Temer parece ter perdido qualquer base de apoio. O líder do Democratas e destaque da bancada ruralista no Senado, Ronaldo Caiado[1], assumiu a defesa das eleições diretas – mesma bandeira defendida pelos partidos de esquerda e pelas frentes que reúnem movimentos sociais e sindicais[2]. Diversas manifestações já foram convocadas visando pressionar pela renúncia de Temer e por novas eleições. Enquanto isso, o maior conglomerado de mídia do país, o grupo Globo, destaca a insustentabilidade da situação de Temer na presidência e defende as eleições indiretas. Merval Pereira, comentarista notadamente conservador, além de falar da inviabilidade do governo Temer, adjetivou o linguajar utilizado pelo senador Aécio Neves como “digno de mafiosos”.

É notável tanto no discurso de alguns parlamentares, quanto dos comentaristas políticos, o destaque pela necessidade de um governo estável capaz de garantir as reformas que seriam do interesse do país e essenciais para a retomada da economia. Uma vez que o Fora Temer salta à ponta da língua, não se pode esquecer que o que vier pela frente segue apontando para a redução de direitos. Apesar de certa recuperação econômica, o cenário ainda é instável e esta bomba vai agitar todo o empresariado a implementar quaisquer reformas que se julgue necessárias para manter o sistema funcionando – ou seja, que eles continuem lucrando, que isto custe pouco e que todo prejuízo caia no lombo dos trabalhadores. O risco, portanto, é o de que uma queda de Temer não só não atrasará os pacotes encaminhados de reformas e de ataques aos trabalhadores como ainda pode resultar na aceleração de suas implementações em um Brasil “em estado de emergência”.

Neste momento, prevalece a crença de que o governo Temer chegará muito em breve ao seu fim. O leque de grupos que defendem a eleição direta é vasto, cada um com seu salvador, seja ele Lula, Marina Silva ou Dória. Por outro lado, há quem defenda a existência de um nome de consenso – um consenso por cima, restrito às elites políticas e econômicas – capaz de levar a cabo a recuperação econômica e a aprovação de reformas. Nesse sentido o nome de Carmem Lúcia parece ter alguma força, seja por ser considerada alguém de fora do mundo político, seja por suas recentes reuniões com grupos do empresariado nacional para discutir a reforma trabalhista.

Do nosso ponto de vista como trabalhadores menos importa qual será o gestor colocado para resolver a crise política. A questão é evitar que ele consiga aplicar as reformas que atacam as condições de trabalho e outros direitos historicamente acumulados em décadas de lutas. Nesse sentido, centrar as forças e preocupações nos termos da sucessão política pode dissolver, na fumaça, a mobilização contra as reformas. Para os trabalhadores e trabalhadoras, o desafio é utilizar esse momento de fracionamento da classe dominante para garantir nossos interesses, a começar pelo freio à onda de ataques recebidos concentradamente nos últimos anos. É preciso evitar, portanto, que em um contexto de crise política e econômica os trabalhadores sejam manejados por um ou outro setor da classe dominante.

É fato que, num momento de instabilidade política tão ampla, todos os governos ficam fragilizados: como ninguém quer atrair os problemas e o foco para si, pode ser melhor ceder às pressões populares a fim de evitar desgastes e conflitos prolongados. Lembremos, por exemplo, da mobilização dos estudantes das escolas técnicas de São Paulo em 2016 que, às vésperas da aprovação do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, conseguiram arrancar do Governo Alckmin o fornecimento de merenda a todas as escolas da rede e a promessa de almoço e refeitórios no segundo semestre depois de apenas três dias de ocupação de um prédio administrativo. Mas ainda que o “bateu, levou” possa funcionar para pautas pontuais, será que essa dinâmica também se aplica às grandes reformas em curso? Pois talvez elas sejam mais importantes do que a substituição de qualquer presidente. Além disso, qual o meio para se exercer pressão contra tais reformas tão abrangentes e em múltiplas áreas? Há cerca de três semanas tivemos uma interessantíssima resposta da classe trabalhadora aos ataques, por meio da tática da greve geral por um dia. Seria o caso de repetir essa tática, intensificada em mais cidades e alargada por mais tempo, até contagiar o país inteiro? Essa tática certamente traz o risco de dar ainda mais munição à retórica das “crises profundas” (fiscal, econômica, política, global etc.) que tanto tem sido alardeadas a fim de legitimar os pacotes de ataques aos trabalhadores como se fossem “a única saída possível”. Trata-se de um risco que vale a pena correr e enfrentar suas implicações ou o melhor é pensar e realizar outras formas de resistência? Seja qual for a resposta que os trabalhadores serão capazes de dar nesse contexto, uma coisa é certa:

Que caiam as reformas.

Notas

[1] “Diante da gravidade do quadro e com a responsabilidade de não deixarmos o Brasil mergulhar no imponderável, só nos resta a renúncia do presidente Michel Temer e a mudança na Constituição. É preciso aprovar a antecipação das eleições presidencial e do Congresso Nacional.”. Disponível em https://www.facebook.com/ronaldocaiado25.

[2] “Sabemos que a queda de Temer pode abrir espaço para outros projetos também ilegítimos, através de eleições indiretas, por isso além de exigir a saída imediata do governo golpista, exigimos também a realização de eleições diretas já.” Declaração política da Frente Povo Sem Medo disponível em https://www.facebook.com/povosemmedonacional.

1 COMENTÁRIO

  1. GUERRA DE CLASSES

    Estratégias pseudo-antagônicas dos gestores:
    Reformas = Welfare (social-democracia ou contenção) : esquerda
    Contrarreformas = Warfare (liberal-democracia ou constrição) : direita

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