APELANDO PARA RACISMO INSTITUCIONAL, METRÔ DEMITE MAIS UM FUNCIONÁRIO E AVANÇA COM PLANO DE PRIVATIZAÇÃO

Na penúltima sexta-feira, 15, o Metrô de São Paulo demitiu o funcionário Valter Rocha. A empresa estadual dispensou o Operador de Transporte Metroviário 2 (OTM-2) sob alegação de uma suposta agressão ocorrida em agosto após o trabalhador, que é negro, ter sido chamado reiteradas vezes de “macaco” por um usuário – que também fazia gestos remetendo à espécie toda vez que via Valter. Sem direito a ampla defesa e contraditório, a demissão é mais um exemplo de racismo institucional da empresa especificamente com Valter em seus 15 anos como funcionário da Companhia do Metropolitano de São Paulo.

Em agosto, Valter trabalhava na estação Praça da Árvore. Por ser considerada estação de pequeno porte dentro do sistema metroviário, fica sem supervisor ou seguranças por diversos turnos. Em determinada ocasião, um usuário teve problemas de troco na bilheteria – ficou irritado por não haver troco para sua nota de R$100,00 -, burlou o sistema e foi abordado por Valter (que era, naquele momento, por falta de um supervisor em sua escala, o responsável pela estação). Questionado, o passageiro chamou Valter de macaco. Na ocasião, algumas pessoas presenciaram a situação, mas Valter não formalizou denúncia.

Pouco tempo depois, o mesmo usuário passou novamente pela estação e fez gestos imitando um macaco ao se deparar com o funcionário. Desta vez, ele procurou dar um encaminhamento à ofensa: abordou o usuário com a finalidade de questioná-lo segurando-o pela mochila e chamou a segurança para fazer um boletim de ocorrência. Percebendo que não teria como reter o usuário sem a presença de agentes de segurança, Valter deixou que o racista fosse embora.

O racista então fez uma reclamação em outra estação, mas não quis formalizar. Ao saber disso, o supervisor geral de Valter entrou em contato com ele e tentou convencê-lo a confessar uma suposta agressão ao usuário. Valter explicou que vinha sofrendo de injúria racial recorrente por parte desse usuário e que ele tinha sido ofendido verbalmente e moralmente, mas não havia praticado agressão: apenas questionou os xingamentos, que foram testemunhados por diversos usuários.

Passados quarenta dias sem nenhuma novidade sobre o caso, o mesmo supervisor geral chamou Valter para anunciar que ele estava sendo demitido sob a alegação de agressão.

Em 15 anos de Metrô, Valter sofreu diversas perseguições desde o seu ingresso na Companhia – a demissão foi a mais grave, mas não foi a primeira. Foi pressionado a cortar seu cabelo com dreadlock porque “dava impressão de pouca higiene”, segundo superiores, o que “não condizia com a empresa” – como se negou a fazer isso, sempre foi avaliado negativamente pela empresa no critério “apresentação pessoal e asseio”. Quando novos funcionários eram contratados, durante o treinamento, Valter era recorrentemente utilizado como exemplo negativo e sempre se referiam a ele de maneira pejorativa, como o “rastafári” da estação Anhangabaú, um “exemplo de como não deve ser um metroviário”.

Após conquistar promoção via concurso interno para a função de OTM-2, Valter travou nova batalha quando a empresa o reprovou alegando que ele não tinha condições de exercer uma função mais técnica. Para o Metrô, ele teria condições de executar tarefas mais simples, como vender bilhete, mas não para trabalhar em um cargo mais complexo (o OTM-2 opera a parte elétrica das estações, fundamental para o funcionamento do sistema) e que isso provavelmente seria um problema de sua “genética” (termo usado por um responsável pelo treinamento na presença de um diretor do Sindicato).

Após pressão, a empresa recuou e decidiu refazer teste prático com o funcionário: o teste seria com instrutor diferente e duraria dez dias. Porém, não houve necessidade de utilizar todo esse tempo: em cinco dias, o instrutor que o estava avaliando disse que ele tinha plenas condições de ser promovido e desenvolver a nova função.

Valter não teve sequer chance de apresentar formalmente sua versão do ocorrido. A empresa utilizou a reclamação feita pelo usuário – contrariando o fato de que havia testemunhas para a ofensa racista – para demitir um funcionário que, além de ser negro, cometeu o “crime” de ser um militante. Ao reivindicar o próprio corpo, Valter já havia se tornado um incômodo para a chefia. Recusar a cortar o cabelo foi mais uma resistência ao racismo velado do qual era vítima – e mantinha essa postura nas lutas coletivas da categoria.

Ele foi uma das centenas de metroviários que atuaram em piquetes nas estações e outros postos de trabalho na greve de 2014. Por pouco não foi demitido – não foram poucas vezes que que só escapou porque estava de férias no período da paralisação, que durou cinco dias -, mas, mesmo assim, ainda foi alvo de discriminação: foi o único dos não-demitidos daquela mobilização que foi processado criminalmente pelo Metrô. A centenas de pessoas que participaram dos piquetes, a derrota foi apenas moral e não jurídica: é pouco provável que o acaso o tivesse escolhido novamente, assim como não é coincidência que os trabalhadores mais mobilizados da categoria tivessem sido os principais alvos da greve de 2014.

Apesar de ficar responsável constantemente por uma estação – função que compete prioritariamente a um supervisor (hierarquicamente superior ao cargo de OTM-2) -, Valter nunca obteve o reconhecimento pelo seu trabalho, sendo inclusive castigado: era regularmente avaliado com notas baixas em avaliações de desempenho (critério que justificou recentes demissões de diversos metroviários), principalmente no quesito “apresentação pessoal” que avalia a aparência dos funcionários.

Se, por um lado, a vida profissional de Valter no Metrô está encravada de constantes perseguições, a demissão injusta não pode ser considerada uma particularidade do caso dele. Desde o início do ano, o Metrô vem, em média, dispensando um funcionário a cada 15 dias sob as desculpas mais arbitrárias – principalmente Baixa Produtividade (fator nunca levado em conta ao se avaliar o desempenho de funcionário em cargos comissionados que ganham mais de R$21 mil). Revela-se aí a política de precarização imposta pelo Metrô à população e à categoria metroviária neste momento.

O baixo quadro operativo do Metrô está na velha lógica de diminuição da qualidade do serviço público como justificativa para a privatização e, por isso, não havia qualquer funcionário (OTM-1, OTM-2, supervisor ou segurança) que pudesse prestar apoio quando Valter sofreu o crime de injúria racial. São Paulo registrou entre novembro de 2015 e novembro de 2016 cerca de 3200 crimes de intolerância racial, um a cada três horas. Considerando que muitos dos que sofrem injúria racial nem registram queixa, o número certamente é ainda maior e muitos deles certamente acontecem dentro do Metrô. Se a empresa não tem capacidade de respaldar os funcionários pelo déficit de quadro, tem maior responsabilidade nos crimes de ódio sofridos por funcionários negros, mulheres e LGBTs.

Ao demitir Valter nas circunstância em que demitiu após uma trajetória de racismo velado ou escancarado, o Metrô não é somente conivente com o crime praticado, mas trata de forma discriminatória um funcionário que foi agredido em suas dependências.

O Metrô hoje conta com uma parcela considerável de mão de obra terceirizada, principalmente em duas de suas principais áreas, Operação e Manutenção (esta última já com parcela considerável dos seus serviços oferecidos por empregados indiretamente contratados). A empresa procura agora entregar seus serviços de bilhetagem à iniciativa privada e a empresa terceirizada pagará um salário 3 vezes menor ao funcionário. Ao retirar esse serviço do OTM1 – função à qual compete a venda dos bilhetes, dentre outras coisas – significa não só mais um passo na extinção do Metrô público, mas também um corte de R$700,00 em seu salário.

OS METROVIÁRIOS DECIDIRAM EM ASSEMBLEIA REALIZAR UM ATO CONTRA O RACISMO E CONTRA AS DEMISSÕES NA PRÓXIMA QUINTA-FEIRA DIA 28, EM FRENTE AO CIDADE II, EDIFÍCIO ADMINISTRATIVO DO METRÔ (Rua Boa Vista, 175, próximo à estação São Bento, na região central de São Paulo), ÀS 16h. CONVIDAMOS OS MOVIMENTOS SOCIAIS E AS PESSOAS EM GERAL PARA COMPOR ESSE ATO. BASTA DE RACISMO!

TODA SOLIDARIEDADE A VALTER ROCHA!

Resistência Popular Sindical – SP

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