Documento inédito em português narra as desventuras do comunista tártaro tido como primeira vítima das perseguições de Stálin. Por Mirsaid Khaidargalievich Sultan-Galiev
Por decisão dos órgãos centrais do Partido no ano passado, fui excluído das fileiras do Partido Comunista Russo (bolchevique) por haver tentado estabelecer ligações com um dos dirigentes do movimento dos basmachi[1], Zeki Validov[2], sem haver advertido o Comitê Central do Partido. Mesmo que esta decisão tenha sido muito difícil de aceitar, aprovei-a como ato justo de punição por parte do Partido, pois já havia reconhecido naquela época que meu ato não era apenas errado, mas criminoso, e merecia punição. Durante estes duros meses de exclusão, meu único consolo foi a esperança de que o Partido, depois de certo tempo, perdoasse meu ato e me reintegrasse às suas fileiras.
Esperava-o pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, pareceu-me que a decisão da minha exclusão do Partido, conquanto justa e necessária, foi, todavia, um tanto precipitada e provocada pela extrema exacerbação, no mesmo período, da questão nacional, mais precisamente das tensões entre os “nacionais” e os “centristas”[3]. Pensei, portanto, que com o tempo a situação se acalmaria, perderia seu acúmen, o que criaria um terreno favorável à abordagem de meu caso de modo mais apaziguado e com mais sangue-frio.
Em segundo lugar, meu ato se deu antes do 12º Congresso do Partido, quer dizer, antes que o Partido notasse o aumento daquilo que se chamou “desejo de grande poder” (великодержавныйчество / velikoderzhavnyjchestvo) e “chauvinismo grão-russo”[4], e decidisse combatê-los de maneira resoluta como fatores negativos extremamente perigosos a certa etapa da revolução. Penso, portanto, que tudo isto deve, até certo ponto, contribuir para a redução de minha pena, pois todo meu crime foi uma reação, talvez doentia, ao desenvolvimento e ao reforço de um tal “chauvinismo de grande potência”
Em terceiro lugar, pensei de igual modo que meu comportamento depois da minha exclusão do partido me dera o direito de esperar ser reintegrado. Como se sabe, obedeci incondicionalmente à decisão dos órgãos centrais a meu respeito. Além disso, três meses depois de minha exclusão do partido e à véspera dos eventos alemães que então se sucederam[5], fui ao encontro do Secretário-Geral, camarada Stálin, para dizer-lhe que estava pronto a desempenhar papel ativo na defesa da revolução, se fosse necessário. Falei-lhe livremente e por minha própria vontade, desejando sinceramente provar a quem de direito que minha exclusão do Partido não me fez estranho à revolução e ao espírito revolucionário, e que se um conflito armado opusesse a revolução à reação mundial, eu me perfilaria ao lado da primeira.
Se eu houvesse sido hostil ao partido, teria feito como Miasnikóv[6], Levi[7], Frassar[8], Trammel[9] e Heglund[10]. Teria feito propatanda contra o Partido Comunista Russo (bolchevique) e a Comintern, ligando-me para tanto com países estrangeiros e orientais. Não o fiz, embora certos camaradas, por seus ataques constantes, assédio permanente e perseguições, agissem como se quisessem consciente e intencionalmente fazê-lo (se é de interesse para a Comissão Central de Controle, posso fornecer informações mais detalhadas sobre o assunto). Não o fiz; não por não podê-lo, mas porque não o queria.
Não o quis pelas razões seguintes:
a) Notei que a linha tática e prática adotada no seio do partido na formulação da questão nacional e colonial finalmente estava bem definida, consolidada e apresentada de forma mais precisa que antes. Depois de haver seguido metodicamente o desenvolvimento do pensamento do Partido (de seus líderes) sobre o assunto, bem como seu trabalho prático nesta direção (China, a questão do Turquestão etc.), tive a firme convicção de que o Partido havia, no fim das contas, tomado a decisão correta ao considerar a questão colonial como um dos elementos constitutivos, entre os mais importantes, da revolução social, devido à necessidade de liquidar o sistema de organização econômica da Europa Ocidental e de afirmar que os partidos da Internacional Comunista devem, relativamente a esta questão, passar do estado de espectadores compassivos para o de incitadores e líderes do movimento de libertação nacional nas colônias (declaração do camarada Manuilski[11] no 5º Congresso do Comintern[12]). Na minha opinião, foram feitos progressos para esclarecer certos aspectos relativos à questão de saber se a revolução colonial, quer dizer, a libertação revolucionária das colônias do jugo das metrópoles, deve preceder a revolução social nos países europeus ou, inversamente, como os camaradas da ultra-esquerda argumentaram, deve ocorrer – não sob a forma de uma revolução, mas sob aquela de uma vaga “autodeterminação nacional” – somente após o triunfo da revolução de classe na Europa. Eu não poderia ignorar, neste sentido, o pensamento dos dirigentes do partido, expresso pela voz do camarada Trótski, membro do Comitê Central do Birô Político (sua apresentação à Universidade Comunista dos Trabalhadores do Oriente na Conferência Anglo-Soviética) que destacou a questão: é absolutamente necessário para a revolução social que ela seja a obra dos proletários dos países capitalistas do Ocidente, com alto desenvolvimento técnico, ou pode a iniciativa da direção da revolução social mundial, sob certas condições, passar às mãos dos trabalhadores e comunistas do Oriente, quer dizer, dos países coloniais e semicoloniais? Nesta formulação da questão nacional e colonial percebi o reflexo dos pensamentos e perspectivas que guiaram meu trabalho durante a revolução.
b) A partir de uma análise aprofundada dos fundamentos sociais do atual sistema da economia capitalista, do sistema econômico colonial e das potenciais mutações revolucionárias em escala internacional que provavelmente se produzirão muito breve sobre estas bases, cheguei à conclusão evidente de que a questão da revolução de classe, tendo por objetivo final a instauração do regime comunista sobre toda a superfície da Terra, manterá inevitavelmente sua total urgência mesmo depois das revoluções coloniais, que têm como primeiro objetivo a emancipação econômica e política das colônias e semicolônias. Mesmo que as revoluções coloniais consigam lançar as bases de uma organização racional da economia mundial (os meios de produção serão então aproximados dos recursos naturais, do mesmo modo que as centenas de milhões de braços dos trabalhadores autóctones das colônias) como consequência da libertação das forças produtivas das colônias e semicolônias da influência do imperialismo das metrópoles que freiam seu desenvolvimento, mesmo neste caso a questão da revolução comunista – como ordem superior, como real necessidade vital da humanidade e como necessidade jurídica atual da coletivização do trabalho e dos meios de produção – restará presente e exigirá uma resposta. Noutras palavras, fiz a chamada “reavaliação de valores” à luz dos interesses dos trabalhadores das colônias e semicolônias tal como os imaginei. Percebi que o comunismo, na sua forma mais bem-sucedida, o leninismo, não era apenas uma ciência revolucionária nascida das necessidades e para as necessidades das massas laboriosas das metrópoles, mas estava em processo de se transformar, historicamente, numa escola radical-revolucionária, num ideal revolucionário final, numa ferramenta revolucionária primordial e numa alavanca revolucionária de libertação social das centenas de milhões de escravos coloniais, homens e mulheres. Por esta perspectiva, o comunismo e o leninismo se apresentam a meus olhos como historicamente inevitáveis e como vocacionados a salvar da arbitrariedade da anarquia capitalista e da oligarquia imperialista não apenas os trabalhadores da Europa que estão presos em suas tenazes, mas também todo o resto do mundo explorado.
Por tais razões, quanto visitei o Secretário-Geral do Partido, o camarada Stálin, faz já um ano, perguntei-lhe quais eram minhas chances de ser reintegrado ao Partido. O camarada Stálin me respondeu então que esta questão poderia ser debatida, embora somente um ano a partir daquela data.
Um ano se passou e, portanto, me enderecei pela segunda vez ao camarada Stálin, não somente porque ele é o secretário do Comitê Central, mas também porque, entre os principais militantes, ele é um dos que me conhece melhor. Ele então propôs que eu me dirigisse à Comissão de Controle do Partido.
Pela presente, solicito à Comissão de Controle reexaminar de boa vontade a decisão de minha exclusão, considerando os seguintes fatores:
1) Almejo ser inteiramente reintegrado ao Partido, quer dizer, que seja levada em conta minha folha corrida no seio do Partido e que me seja concedido o direito de peticionar mais adiante à Comissão para que considere a minha experiência revolucionária desde 1913 como sendo a de um dos raros socialistas tártaros que ousaram, desde aquela época, realizar um trabalho clandestino contra o czarismo, malgrado nosso isolamento relativamente ao resto do mundo revolucionário. No que diz respeito à minha experiência a partir de 1917, peço à Comissão que não se recuse a reconhecê-la, pois entreguei sinceramente a este período da revolução, de 1917 a 1923, os melhores anos da minha vida, os quais não foram inúteis.
2) Gostaria igualmente de chamar a atenção da Comissão para uma circunstância muito importante entre outras, nomeadamente a natureza especial das condições para o desenvolvimento da revolução nas regiões econômica e politicamente atrasadas da população turco-tártara. A partir da minha experiência pessoal de trabalho durante a revolução entre as nacionalidades atrasadas, concluí que o desenvolvimento da revolução em nossas margens orientais certamente ocorrerá de forma não-linear, não de acordo com um “projeto preestabelecido”, mas por sobressaltos; nem mesmo seguindo caminhos curvilíneos, mas intermitentes, tracejados. Isto se deve ao fato de que estas regiões viveram sob o jugo esmagador do czarismo. A escala e a extensão das atrocidades cometidas nessas regiões pelos czares russos e seus sátrapas não foram descobertas, em todo seu relevo e “magnificência”, senão hoje, depois da revolução de outubro, que tornou possível uma análise realmente objetiva da história dos turco-tártaros e de outras nacionalidades anteriormente oprimidas. Aprendeu-se que os historiadores russos esconderam escrupulosamente dos interessados o caráter desumano e sem precedentes na história dos atos de crueldade infligidos pelos governadores russos sobre estes povos. O estudo objetivo do canato de Cazã e, mais geralmente, da história da colonização das fronteiras orientais pelos nobres e pela burguesia russa, bem como a história dos movimentos revolucionários dos povos do Volga e dos Urais, mostra que toda esta história de conquista, de opressão e de colonização dos povos turco-tártaros e dos outros povos orientais da Rússia não foram outra coisa senão uma história de “ferro e sangue”. Para avançar rumo ao Oriente em direção aos recursos naturais e mercados baratos, a burguesia feudal e comercial teve de destruir cidades e aldeias florescentes e exterminar centenas de milhares, milhões mesmo, de camponeses, de trabalhadores e de membros da intelligentsia nativa. Grandes regiões inteiras, dezenas de distritos ruais foram arrasados e centenas de milhares de pessoas eliminadas. Tais atos de crueldade provocaram levante após levante (levantes armados de chuvaques, maris, votiaques e tártaros durante os trinta e cinco anos que se seguiram à conquista do canato de Cazã; participação dos basquires e tártaros no movimento de Pugatchev[13]; levantes na Basquíria, no Turquestão, na Crimeia e no Cáucaso), os quais, por sua vez, ceifaram dezenas e centenas de milhares de vidas de adultos autóctones saudáveis e capazes, o que teve efeitos deletérios sobre o desenvolvimento ulterior destas regiões. As consequências desta política de “ferro e sangue”, conduzida durante centenas de anos, foram muito prejudiciais para os povos. Pode-se dizer que, no começo do século XX, estes povos já não existiam como nações. Eles eram literalmente escravos e párias. O ano de 1905[14] despertou-os um pouco, mas só superficialmente. A emergência de uma força política autóctone, representada pela burguesia comercial e por uma fina camada da intelligentsia pequeno-burguesa autóctone, que lançara o slogan do “renascimento nacional”, foi um dos resultados positivos para os povos turco-tártaros da Rússia. Não havia um proletariado, no sentido europeu-ocidental do termo, quer dizer, como força de trabalho qualificada, organizada como uma força política de classe em escala nacional. Os numerosos trabalhadores tártaros empregues nas minas e pedreiras, nas estradas de ferro e, em pequeno número, nas fábricas e usinas, constituíam uma força de trabalho não-qualificada; além disto, eram minoritários em todas as partes e foram incorporados ao proletariado russo.
Tudo isto, pela força das coisas, teve de reverberar, e repercutiu sobre o desenvolvimento do movimento comunista e revolucionário entre os turco-tártaros. Se a parte russa do Partido Comunista foi formado nas fábricas e usinas, sob as duras condições de uma existência clandestina, os comunistas turco-tártaros despertaram apenas no curso da revolução. Em sua maioria eram, de modo fortuito, oriundos da pequena intelligentsia operária que seguiu o Partido Comunista não tanto por suas palavras de ordem sobre a luta de classes e a revolução, mas simplesmente por aquelas relativas à autodeterminação nacional. Embora houvesse alguns entre estes comunistas que haviam se juntado ao Partido para liderar a luta de classes, eles se encontravam de tal modo em situação minoritária que não puderam de modo algum ser representativos das reais relações de força no seio da organização dos comunistas autóctones. Deve-se a isto acrescentar igualmente que o carreirismo e o espírito mercantil estavam mais desenvolvidos entre os comunistas turco-tártaros que entre os camaradas russos.
Um exemplo característico, extraído da história da organização dos comunistas tártaros de Cazã, demonstra, creio eu, até que ponto foram difíceis e trágicas as condições nas quais evoluíram alguns comunistas tártaros que tiveram, durante e depois da revolução de outubro, de tomar a iniciativa e de ter a coragem de se opor às paixões do nacionalismo exaltado e do chauvinismo autóctone armado. Na primavera de 1918, pouco tempo depois do desarmamento da República Transbuláquia (Забулачная республика / Zabulachnaya respublika)[15], e, a pedido do camarada Cheinkman, hoje falecido, uma contribuição financeira da burguesia tártara foi coletada. A questão levantada pela margem mais dinâmica das comunidades tártaras foi a de dividir 50 mil rublos em ouro, como prevenção para os “dias ruins”. Isto resultou num grave conflito, por um lado, entre alguns dos camaradas tártaros e russos, e, de outro lado, entre os próprios comunistas tártaros. Quando voltei a Cazã em 1918, depois de minha missão a Moscou (tudo isto se deu na minha ausência), encontrei o partido local em estado de degeneração. Estou profundamente convencido de que o levante da guarnição de Cazã em junho se deu, se não inteiramente pelo menos em grande parte, por causa da desmoralização da organização local do partido.
Podemos tomar como exemplo o caso, do início de 1919, de dois militantes de Ufa: membros do Comitê Revolucionário da província e membros do presidium do escritório provincial dos comunistas tártaro-basquires, estes dois camaradas eram, literalmente, saqueadores. Extorquiram dinheiro da população de forma sistemática e organizada, ameaçando pedir apoio aos órgãos de luta contra a contrarrevolução; tudo isto ocorreu quando as tropas de Kolchak haviam estacionado-se a 20 ou 30 verstas[16] de Ufa (o camarada Pavlunovski, que trabalhava naquele momento para o serviço especial do 5º Exército e hoje trabalha para a República do Extremo Oriente[17], pode apresentar documentos detalhados sobre o assunto), e quando trazer a população local para a revolução exigiu esforços heroicos.
Não é sem interesse notar que hoje o grupo dirigente dos comunistas tártaros é composto de 70% a 80% de filhos de comerciantes e de mulás, alguns dos quais, nos anos precedentes e às vésperas da revolução, desempenharam o papel mais reacionário na vida tártara.
Penso não ser necessário explicar a situação dos comunistas tártaros, a quem a História impôs a tarefa fundamental e extremamente difícil neste período de atrair os trabalhadores das nacionalidades orientais para a órbita da revolução social e de torná-los uma força ativa.
Tal situação foi exacerbada pelo fato de que nós, comunistas das nacionalidades turco-tártaras, não tínhamos nem a necessária experiência de luta clandestina revolucionária, nem a educação e treinamento básicos. Como crianças, fomos mutilados pelos “sábios” árabes de meia idade, para então vermos nossas mentes expostas à “sabedoria” de missionários russos como Ilminsky[18], Pobiedonostsev[19] etc. Além disto, não possuímos uma escola de desenvolvimento revolucionário. As escolas revolucionárias do proletariado russo, isto é, a nossos olhos a dos social-democratas (bolcheviques) e, em parte, a dos anarquistas e dos socialistas-revolucionários, não nos eram acessíveis pelo sigilo em torno delas. Avaliamos seu trabalho somente através das raras brochuras que nos alcançaram, dos discursos acidentais dos oradores na Duma e de algumas outras proclamações. Seus jornais não nos chegaram nas províncias, e menos ainda nas aldeias, pois o poder czarista confiscava-os invariavelmente. Do ponto de vista pessoal, não consegui entrar em contato com os social-democratas (bolcheviques), mesmo em Bacu, onde trabalhei por cerca de seis meses como ajudante de um empregado de uma de suas gráficas. Por tudo isto, o Partido Social-Democrata (bolchevique) sempre foi a nossos olhos o mais revolucionário. Sempre estivemos a seu lado com nossos melhores sentimentos e aspirações. Em resumo, constituímos uma energia revolucionária bruta e elementar que, se sujeita a um tratamento cuidadoso e a uma formação revolucionária adequados, poderia formar um bom núcleo revolucionário e ser o fermento do desenvolvimento da revolução no Oriente. Mas quem poderia ter este cuidado adequado, quando nem sequer tivemos tempos para pensar sobre o assunto e quando cada um de nós teve de agir por sua própria conta e risco?
É o meu primeiro ponto.
Em segundo lugar, o trabalho que desenvolvi durante a revolução, a saber, o envolvimento maciço de turco-tártaros e de outras pequenas nacionalidades na revolução nacional com o slogan da autodeterminação nacional, foi extremamente difícil e proteiforme, e me demandou enormes esforços e energias. Tudo isto é, evidentemente, natural, e não poderia ser de outra forma. De todas as revoluções que a humanidade conheceu, a revolução russa foi a primeira a lidar, além do problema da reorganização da sociedade, com a solução da questão nacional nas condições da ditadura do proletariado. Deve-se ressaltar que a parte mais difícil deste trabalho, ou a menos nobre, repousou sobre os ombros dos comunistas autóctones de nossas fronteiras. Não seria razoável exigir que tal trabalho fosse feito sem problemas, sem luta interna, sem mancadas e erros. Não exigimos tais coisas do principal partido da revolução, quando houve experiência e uma literatura suficientemente rica sobre a revolução social, bem como uma obra de preparação da classe trabalhadora. Nenhuma destas condições foi cumprida no que diz respeito à questão nacional. Do ponto de vista teórico, a questão nacional não foi suficientemente trabalhada. Fomos obrigados a resolvê-la enquanto trabalhávamos, especialmente durante os primeiros anos da revolução. O fato de que durante a revolução o partido tenha precisado suscitar esta questão durante seus congressos e duas vezes durante os congressos da Internacional Comunista testemunham-no explicitamente. A maioria dos militantes do partido, portanto, não tinha uma ideia clara dos métodos de trabalho no campo da política das nacionalidades. Numerosos camaradas não compreenderam a importância da questão nacional; consideraram-na negativamente, ou de modo leve e irônico, contaminando com seu niilismo não apenas os comunistas russos, mas também seus próprios compatriotas.
Deste ponto de vista, toda a história da formação das repúblicas e regiões autônomas (oblasti) foi, com raras exceções, a história da luta entre, de um lado, um pequeno grupo de militantes autóctones do Partido que se apoiaram nas massas trabalhadoras autóctones e sobre a autoridade das figuras centrais do Partido (os camaradas Lênin e Stálin, que foram favoráveis à implementação incondicional da política nacional dos militantes autóctones) e, de outro, dos camaradas russos locais, aos quais se juntaram os autóctones de espírito niilista, que negam a questão nacional e a consideram de antemão mais como uma questão de contrarrevolução que de revolução. Penso que os arquivos do Comitê Central do Partido contêm documentos suficientes que retratam certos episódios da história da formação e da existência de entidades nacionais, para demonstrar que não somente a formação, mas que a própria existência das unidades nacionais autônomas provocaram a resistência encarniçada destes grupos de camaradas russos e, em parte, autóctones.
Novamente, exorto o Comitê do Partido a não omitir estas circunstâncias, porque criaram uma atmosfera na qual era extremamente difícil liderar um trabalho normal e livre de erros.
Para resumir o meu pedido à Comissão:
1) Considero minha exclusão do Partido como um ato justo de punição por parte do Partido após meu erro.
2) No entanto, não perdi, e ainda tenho a esperança de ser reintegrado como membro do Partido. Continuo a acreditar que, em vista de todas estas circunstâncias objetivas e subjetivas, que não podem ser ignoradas no estudo do meu caso, o Partido pode me perdoar por este erro.
3) Com tal esperança, endereço-me à Comissão para demandar que seja reexaminada a questão de minha reintegração, levando em conta minha folha de serviços prestados no seio do partido a partir de 1917, e que me seja outorgado o direito de solicitar à comissão que considere minha experiência revolucionária desde 1913.
4) Depois da minha reintegração ao Partido, prometo ser um membro disciplinado e ir aonde o Partido me ordenar.
Moscou, 8 de setembro de 1924.
M. Sultan-Galiev
Notas
[1] Basmachi. Palavra túrquica derivada do verbo basmak, traduzível como “saquear”; a palavra basmachi, portanto, pode ser traduzida como “bandido”, “saqueador”, e foi empregue pelos bolcheviques como qualificativo derrogatório aos insurgentes islâmicos em território soviético entre os anos 1920 e 1930. Os próprios basmachi referiam-se a si próprios como beklar hareketi, bek ou movimento dos homens livres. A revolta dos basmachi começou como um movimento contra a conscrição militar forçada iniciada em 1916, quando o império russo começou a forçar muçulmanos ao serviço militar. Nos meses seguintes à revolução de outubro os bolcheviques tomaram o poder em várias partes do império, e a guerra civil começou. Movimentos políticos turquestanos tentaram formar um governo autônomo na cidade de Kokand, no vale de Fergana; os bolcheviques atacaram a cidade em fevereiro de 1918 e iniciaram um massacre que vitimou cerca de 25 mil pessoas. O massacre arregimentou apoio aos movimentos basmachi que sustentavam guerrilhas e batalhas convencionais pelo controle de grandes partes do vale de Fergana e da maior parte do Turquestão. A sorte deste movimento descentralizado flutuou durante os anos 1920, mas em 1923 campanhas extensivas do Exército Vermelho haviam inflingido aos basmachi derrotas severas. Depois destas campanhas, de concessões econômicas e de tolerância às práticas islâmicas em meados dos anos 1920, o apoio popular e a fortuna militar dos basmachi diminuíram. A resistência ao domínio russo e à liderança soviética reacenderam-se novamente, em menor escala, como resposta à coletivização agrária imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial. Os últimos focos de resistência basmachi foram erradicados em 1934.
[2] Zeki Velidi Togan (em basquir: Әхмәтзәки Әхмәтшаһ улы Вәлидов / Äxmätzäki Äxmätşah ulı Wälidov / ﺋﻪحمەتزەكى ئەجمەتشاه ئولئ وەلىدﯘو; em russo: Ахмет-Заки Ахметшахович Валидов / Ahmet-Zaki Ahmetšachovič Validov, escrito às vezes como Validi) (1890–1970). Historiador e turcólogo basquir, e líder do movimento basmachi. De 1912 a 1915 Velidi ensinou na madrassa de Cazã, e de 1915 a 1917 foi um membro de uma bancada de apoio aos deputados muçulmanos à Duma. Em 1917 organizou, com Şerif Manatov, a shura (conselho muçulmano) basquir. O Congresso Basquir em Orenburg, realizado em novembro/dezembro de 1917, de que Velidi era presidente, declarou a independência do Bascortostão, mas Velidi terminou preso em 3 de fevereiro de 1918 pelas forças soviéticas. Entre 1918 e 1919 as forças basquires de Velidi lutaram contra os bolcheviques sob o comando do atamã Alexander Dutov, e depois sob o comando do almirante Kolchak. Depois de a Rússia prometer autonomia aos basquires, Velidi mudou de lado, passando a lutar em aliança com os bolcheviques. De fevereiro de 1919 a junho de 1920 ele foi presidente do Bashrevkom (Comitê Revolucionário Basquir). Fez-se presente no Congresso dos Povos do Oriente realizado em Bacu em setembro de 1920, onde envolveu-se na construção do estatuto do ERK, uma organização socialista muçulmana. Sentido, todavia, que os bolcheviques haviam traído suas promessas, tornou-se mais crítico deles quando voltou à Ásia central. No Turquestão, Velidi tornou-se líder do movimento basmachi. De 1920 a 1923 foi presidente da União Nacional do Turquestão. Em 1923 Velidi emigroi, depois de descobrir os manuscritos originais de Ahmad ibn Fadlan no Irã. A partir de 1925 Velidi viveu na Turquia, tornando-se professor e pesquisador na Universidade de Istanbul. Todavia, sua controversa tese com críticas à história turca forçou-o a buscar refúgio em Viena. Ele ganhou, posteriormente, um doutorado em filosofia em 1935 pela Universidade de Viena. Foi, mais tarde, professor na Universidade de Bona (1935-1937) e na de Gotinga (1938-1939). Em 1953 tornou-se organizador do İslam Tetkikleri Enstitüsü (Instituto para Estudos Islâmicos) na Universidade de Istanbul. Em 1967, recebeu doutorado honorário da Universidade de Manchester. Contribuiu, ao mesmo tempo, com a Enciclopédia dos Povos Túrquicos. Seus artigos sobre cultura, linguagem e história dos povos túrquicos foram traduzidos para vários idiomas.
[3] No contexto da questão das nacionalidades durante a revolução russa, os “nacionais” e os “centristas” divergiam quanto à korenizatsiia (política de formação de quadros bolcheviques entre as várias nacionalidades, para que substituíssem os quadros russos para lá enviados) e à autonomia nacional. Os “nacionais” favoreciam a autonomia nacional e apoiavam entusiasticamente a korenizatsiia, sendo geralmente associados a posições “centristas” e “de direita” no campo bolchevique; os “centristas” agitavam em prol do internacionalismo e da centralização administrativa em Moscou como um passo rumo à superação dos particularismos locais das repúblicas onde atuavam.
[4] O 12º Congresso do Partido Comunista Russo (bolcheviques) foi realizado entre 17 e 25 de abril de 1923 em Moscou, e contou com a participação de 408 delegados com direito a voto e 417 outros sem direito a voto, representando 386 mil membros do partido. Além de eleger o 12º Comitê Central, este congresso, o último a acontecer durante a vida de Lênin (que não pôde estar presente por motivo de doença), foi palco da disputa entre Stálin e os nacional-comunistas georgianos como Polikarp “Budu” Mdivani e Filipp Makharadze. Entre eles interpunha-se a alternativa: autonomia para a Geórgia, Armênia e Azerbaidjão, como defendido por Mdivani e Makharadze, ou reunião das três numa só República Transcaucasiana, como defendido por Stálin e Sergo Ordzhonikídze? Venceu a linha de Stálin e Ordzhonikídze, resultando na queda de Mdivani e Makharadze do governo georgiano sob as acusações de quebra da disciplina partidária (por consultarem Lênin diretamente, ao invés de dirigirem-se ao Comitê Central); desobediência às decisões do Comitê Central do PCR(b); exigência de concessões especiais para a Geórgia; “chauvinismo local” e “imperialismo”, por defenderem a opressão de nacionalidades “mais fracas” como os ossétios e os abkházios; desejo de posições privilegiadas para os georgianos; colaboração com os mencheviques entre 1918 e 1920; manutenção de terratenentes no Partido Comunista da Geórgia; concessão de anistia aos mencheviques georgianos; “esquerdismo”; e, por fim, “aventureirismo”. Este foi um dos pontos de ruptura entre Stálin e Lênin. Vêm deste congresso os termos “desejo de grande poder” (великодержавныйчество / velikoderzhavnyjchestvo) e “chauvinismo grão-russo”. Sultan-Galiev esteve presente, e foi, pouco depois, vítima de ataques parecidos na 4º Conferência do Comitê Central do PCR(b) com os Militantes das Repúblicas Nacionais e Regiões.
[5] Trata-se, muito provavelmente, da ocupação do Ruhr por tropas francesas.
[6] Gavríl Ilích Miasnikóv (em russo: Гаврии́л Ильи́ч Мяснико́в; 25 fev. 1889 – 16 nov. 1945). Metalúrgico e comunista russo proveniente dos Urais, que participou da revolução de 1905 e tornou-se um militante bolchevique clandestino em 1906. A polícia czarista prendeu-o e condenou-o a sete anos de trabalhos forçados na Sibéria. Em 1917, Miasnikóv estava ativo em comitês de fábrica, sovietes e no partido bolchevique em Perm e na fábrica Motovilikha, onde trabalhava. Responsável pela execução do grão-doque Mikhail Alexandrovich, em 1918. Associou-se aos Comunistas de Esquerda em 1918 na oposição ao tratado de Brest-Litovsk; estava insatisfeito com certas políticas do partido direcionadas aos trabalhadores, mas não apoiou a Oposição Operária em 1920-1921, pois discordava da proposta de gestão da economia pelos sindicatos. Ao invés disto, propôs, num manifesto de 1921, que os “sovietes de produtores” administrassem a indústria e defendeu a liberdade de imprensa para todos os trabalhadores. Assinou o Apelo dos Vinte e Dois à Internacional comunista em 1922, protestando contra a supressão do dissenso entre os membros proletários do Partido Comunista Russo pelos seus líderes. Expulso do Partido Comunista Russo em fevereiro de 1922, formou em 1923 uma tendência de oposição chamada Grupo Operário do Partido Comunista Russo, em oposição à Nova Política Econômica (NEP). O grupo incluía alguns ex-membros da Oposição Operária. Líderes partidários prenderam Miasnikóv em maio de 1923, mas soltaram-no e tentaram isolá-lo de sua base de apoio enviando-o a uma missão comercial na Alemanha. Lá, Miasnikóv entrou em contato com o Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD), uma organização em conflito com o Partido Comunista Russo. O Grupo Operário foi suprimido e mais tarde, em 1923, Miasnikóv foi persuadido a retornar à Rússia, onde foi preso e encarcerado. Em 1927 sua sentença foi alterada para o exílio interno em Yerevan, na Armênia. em novembro de 1928, fugiu da URSS para o Irã, onde foi preso e deportado para a Turquia. Em 1930 emigrou para a França, onde trabalhou em fábricas até 1944. Em novembro do mesmo ano decidiu abandonar seu trabalho e retornar à Rússia. Depois de receber um visto para a URSS, foi para lá enviado pela embaixada soviética na França em 18 de dezembro de 1944. Foi preso pela polícia secreta soviética em 17 de janeiro de 1945 e executado em 16 de novembro de 1945.
[7] Paul Levi (11 mar. 1883 – 9 fev. 1930). Líder político comunista e social-democrata alemão. Foi o líder do Partido Comunista da Alemanha em seguida ao assassinato de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht em 1919. Depois de sua expulsão do partido por criticar publicamente as táticas do partido durante as ações de março, formou a Organização Operativa Comunista, que em 1922 fundiu-se ao Partido Social Democrata Independente. Este partido, por sua vez, fundiu-se ao Partido Social Democrata poucos meses depois, e Levi tornou-se um dos líderes de sua ala esquerda.
[8] Ludovic-Oscar Frossard (5 mar. 1889 – 11 fev. 1946), também conhecido como L.-O. Frossard ou Oscar Frossard. Político comunista e socialista francês. Foi membro fundador, em 1905, e secretário geral, do Partido Socialista Francês (Seção Francesa da Internacional Operária – SFIO) de 1918 a 1920, bem como membro fundador e secretário geral do Partido Comunista Francês de 1920 a 1922. Em 1º de janeiro de 1923 Frossard demitiu-se de seus cargos e saiu do movimento comunista com base em diferenças políticas. Frossard tentou, por pouco tempo, estabelecer uma organização comunista independente antes de retornar às fileiras da SFIO, ganhando eleições parlamentares sob esta sigla em 1928, 1932 e 1936. De 1935 a 1940 Frossard exerceu vários cargos ministeriais nos governos de Pierre Laval, Albert Sarraut, Camille Chautemps, Léon Blum, Édouard Daladier, Paul Reynaud e no primeiro governo de Philippe Pétain. Em seguida ao armistício entre a França e a Alemanha nazista, Frossard recusou-se a participar do governo liderado por Pétain, mas continuou a trabalhar como jornalista. Sua posição levou-o a ser investigado, julgado e inocentado quanto às acusações de colaboração em seguida à queda do regime de Pétain.
[9] Martin Olsen Tranmæl (27 jun. 1879 – 1 jul. 1967). Líder socialista radical norueguês. Cresceu numa fazenda em Melhus, no condado de Sør-Trøndelag county, Noruega. Começou a trabalhar como pintor e peão de obra na construção civil. No começo do século XX, Tranmæl viveu por um tempo nos Estados Unidos, onde entrou em contato com o movimento operário estadunidense, e mesmo tendo se filiado à American Federation of Labour (AFL) fez-se também presente no congresso de fundação dos Industrial Workers of the World (IWW), cuja ideologia sindicalista revolucionária continuou a influenciá-lo após seu retorno à Noruega. Depois de seu retorno, filiou-se ao Partido Trabalhista da Noruega, onde cedo tornou-se uma das maiores lideranças da ala esquerda do partido e trabalhou em diferentes jornais socialistas. Tranmæl tornou-se comunista depois de tomar conhecimento da revolução russa de 1917, e fez-se presente em reuniões da Comintern na Rússia, além de encorajar o Partido Trabalhista da Noruega a entrar na Internacional Comunista e a aceitar as vinte e uma condições para a admissão. Tranmæl levou o Partido Trabalhista Norueguês a sair da Comintern depois de conflitos com seu presidente, Zinóviev, em 1923. O partido foi então dividido em dois, e o Partido Comunista da Noruega foi formado naquele mesmo ano por pessoas que preferiam ficar na Comintern. Participou da ação grevista militar da Liga da Juventude da Esquerda Comunista de 1924. Agitou em prol dela por meio do jornal Arbeiderbladet, tendo sido preso e condenado por isto a cinco meses de prisão. Durante a Segunda Guerra Mundial e a ocupação nazista da Noruega Tranmæl viveu no exílio em Estocolmo, Suécia, onde tinha muitos amigos, como Zeth Höglund e Ture Nerman. Após a guerra retornou à Noruega, e embora permanecesse socialista tinha uma visão mais moderada, apoiando a entrada da Noruega na OTAN em 1949.
[10] Carl Zeth “Zäta” Konstantin Höglund (29 abr. 1884 – 13 ago. 1956). Proeminente político comunista sueco, antimilitarista, escritor, jornalista e prefeito (finansborgarråd) de Estocolmo (1940–1950). Höglund pode ser creditado como fundador do movimento comunista sueco. Zeth Höglund foi a várias reuniões na Rússia bolchevique e foi eleito para o comitê executivo da Internacional Comunista, mas com a “bolchevização” dos partidos filiados à Comintern rompeu com ela e retornou ao Partido Social-Democrata da Suécia, embora tenha continuado a definir-se como um comunista.
[11] Dmytro Zakharovych Manuilsky (em russo: Дмитрий Захарович Мануильский), mais conhecido como Dmitriy Manuilsky (3 out. 1883 – 22 fev. 1959) foi um militante bolchevique ucraniano que exerceu importante influência sobre a Internacional Comunista nos anos 1920 e 1930.
[12] Com a morte de Lênin em 1924, deu-se uma guinada no foco da Internacional Comunista, saindo da ação imediata em prol da revolução mundial para a defesa do Estado soviético. Naquele ano, Josef Stálin tomou o poder em Moscou e defendeu a tese do “socialismo num só país” detalhada por Nikolái Bukhárin em sua brochura É possível construir o socialismo num só país na ausência da vitória do proletariado europeu ocidental? (25 abr. 1924). A posição foi finalizada como política de Estado depois da publicação do artigo Questões do leninismo, de Stálin. A linha foi explicitamente definida: “Um internacionalista é aquele que está pronto para defender a URSS sem reservas, sem vacilações, incondicionalmente; pois a URSS é a base do movimento revolucionário mundial, e este movimento revolucionário não pode ser defendido e promovido sem defender-se a URSS”. O sonho de uma revolução mundial foi abandonado depois das derrotas do movimento espartaquista na Alemanha e da república soviética húngara, e do falhanço de todos os movimentos revolucionários na Europa, tal como na Itália, onde os squadristi fascistas furaram as greves e rapidamente assumiram o poder em seguida à marcha sobre Roma, em 1922. Este período, que se estendeu até 1928, foi chamado de “segundo período”, espelhando a guinada da URSS do comunismo de guerra rumo à NEP. No 5º Congresso da Internacional Comunista, em julho de 1924, esta linha foi reforçada; Zinóviev condenou a obra História e consciência de classe de Gyorgy Lukács, publicada em 1923 depois de seu envolvimento com a república soviética húngara de Béla Kun, e a obra Marxismo e filosovia, de Karl Korsch. O próprio Zinóviev terminou demitido em 1926 depois de cair em desgraça junto a Stálin. Bukhárin liderou então a Internacional Comunista por dois anos, até que em 1928 o mesmo se deu com ele. O líder comunista búlgaro Georgi Dimitrov liderou a Comintern a partir de 1934 até sua dissolução em 1943. O 5º Congresso demarcou o colapso do apoio comunista na Europa, pressionando a organização à conformidade. Uma nova política de “bolchevização” foi adotada, que forçou os PCs a adotarem uma política mais estrita de centralismo burocrático; isto terminou por igualar a anterior diversidade de radicalismos, amoldando-os num só modelo aprovado de organização comunista. Somente então os novos partidos recuaram de arenas mais amplas da esquerda para seu próprio mundo beligerante, mesmo quando em muitas localidades culturas de cooperação ampla persistiram. O respeito pelos feitos bolcheviques e a defesa da revolução russa transmutaram-se agora em dependência de Moscou e crença na infalibilidade soviética. Ciclos depressivos de “retificação interna” tiveram inívio, desgraçando e expulsando sucessivas lideranças, de modo que no final dos anos 1920 muitos dos comunistas fundadores haviam-se ido.
[13] Yemelyân Ivânovich Pugachev (Russian: Емелья́н Ива́нович Пугачёв) (c. 1742 – 21 jan. 1775). Pretendente ao trono russo que liderou uma grande revolta popular durante o reino da czarina Catarina II. Sucessivas reformas no tempo de Pedro, o Grande e Catarina, a Grande reforçaram a autoridade dos nobres em troca de sua cooperação política e impuseram maior degradação aos servos, que responderam com mais de cinquenta revoltas entre 1762 e 1769; isto, somado às reformas tributárias impostas por Pedro, o Grande à igreja ortodoxa (que implicaram em maiores exações sobre os camponeses) e às sucessivas pragas, epidemias, más colheitas e desastres naturais, interpretados pelo campesinato como um castigo, culminaram na revolta liderada por Yemeliân Pugachev, ocorrida entre 1773 e 1775. Pugachev oferecia aos camponeses liberdade temporária dos tributos e da conscrição, de modo semelhante ao que fizera Pedro III; o próprio Pugachev impersonificava este imperador derrubado, dizendo haver retornado após anos de vagrância pelos campos. Pugachev prometia ainda retornar os nobre a seu status de servidores assalariados do czar, ao invés de proprietários de terras e servos; enfatizava a liberdade do campesinato frente à nobreza, garantindo sua liberdade de trabalho, liberdade religiosa (importante em tempos da reforma de Nikon e do cisma dos Velhos Crentes), a propriedade da terra e a restauração do vínculo direto entre os servos e o czar, eliminando a nobreza como intermediária. Participaram do exército de Pugachev não apenas servos russos, mas também tártaros e basquires, além de cossacos, servos industriais e povos da fronteira como os mordovianos, os maris, os udmurtes e os chuvaches, a quem o império russo pretendia impor a religião cristã ortodoxa e a língua russa. Este exército atacou Samara em 1773 e conquistou-a; sua maior vitória foi a tomada de Cazã em julho de 1774, e a esta altura o território ocupado pelos rebeldes estendia-se do Volga aos Urais. Daí em diante, Pugachev e seu exército sofreram derrotas sucessivas, até que seus seguidores mais próximos traíram-no às autoridades e, depois de interrogatório prolongado, Pugachev foi decapitado e esquartejado em Moscou, em 21 de janeiro de 1775.
[14] Embora a revolução russa de 1905 aparente ter sido restrita aos domínios do czar, ela também é considerada responsável por um despertar modernizante no mundo, alcançando países tão díspares quanto Índia, Turquia, Arábia, Portugal, México e China, sem falar na influência sobre o movimento dos Jovens Turcos, cedo tornado sinônimo de movimentos modernizantes radicais.
[15] República Transbuláquia. Em 12 de dezembro de 1917 um movimento de muçulmanos tártaros, basquires e chuvaques sob os antigos domínios do czar proclamou, em meio ao turbilhão da guerra civil russa,a República do Volga e dos Urais (Урало-Волжский штат / Uralo-Volzhskij shtat), como tentativa de reagrupá-los numa só entidade política, cujo território era quase coincidente com o do extinto canato de Cazã. Os basquires, a princípio, recusaram-se a participar, mas eles e os alemães do Volga uniram-se posteriormente à empreitada. A república, que conseguiu estabelecer-se apenas em partes de Cazã, foi dissolvida pelo Exército Vermelho em 28 de março de 1918 com a prisão de seus parlamentares; em resposta, foi criada a República Transbuláquia (em turco: Bolaq artı Respublikası; em russo: Забулачная республика), ou seja, uma república constituída apenas pela fração tártara da cidade de Cazã (dividida da parte russa desde 1552 pelo canal Bolaq). Os confrontos com os bolcheviques continuaram, e somados ao recrutamento massivo de tártaros pelos bolcheviques levaram ao declínio final da república, que assinou um tratado de paz no mesmo ano e dissolveu-se.
[16] A verst (em russo: верст , “volta (de arado)”) é uma antiga medida russa de comprimento, hoje abandonada. É definida como igual a 500 sazhen (em russo: са́жень, “braça”) de comprimento, o que faz da verst igual a 1,0668 quilômetro.
[17] A República do Extremo Oriente (em russo: Дальневосто́чная Респу́блика, ДВР, tr. Dalnevostochnaya Respublika, DVR), também chamada de República de Chita, foi um Estado nominalmente independente que existiu de abril de 1920 a novembro de 1922 na parte mais oriental do Extremo Oriente Russo. Apesar de nominalmente independente, foi amplamente controlada pela Repúblca Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR), e seu principal propósito era servir como Estado-tampão entre a Rússia e os territórios ocupados pelo Japão durante a guerra civil russa. Seu primeiro presidente foi was Alexander Krasnoshchyokov. Ocupava os territórios atualmente pertencentes aos kraia de Zabaykalsky, Khabarovsk e Primorsk, e aos oblasti de Amur e Judeu Autônomo. Sua capital foi estabelecida em Verkheneudinsk (hoje Ulan-Ude), mas em outubro de 1920 foi movida para Chita. Em seguida à queda de Vladivostok em 25 de outubro de 1922, foi decretado o fim da guerra civil. Três semanas depois, em 15 de novembro de 1922, a República do Extremo Oriente foi fundida à Rússia.
[18] Nikolai Ivânovich Ílminski (em russo: Николай Иванович Ильминский; 1822–1891). Turcólogo russo. Tendo construído uma carreira exitosa como linguista acadêmico, devotou-se ao trabalho missionário em benefício da Igreja Ortodoxa Russa. Baseando-se na sua visão de que a instrução na língua materna era o fator-chave na garantia de que fieis nominalmente ortodoxos pudessem tornar-se realmente compromissados com tais crenças, ele desenvolveu o Método Ílminsky, descrito como “nacional na forma, ortodoxo no conteúdo”; isto, e o fato de haver trabalhado com o educador Ilya Uliânov, tornam-no certamente uma influência sobre Vladimir Lênin, cuja abordagem do socialismo foi às vezes descrita como “nacional na forma, socialista no conteúdo”.
[19] Konstantín Petróvich Pobedonóstsev (em russo: Константи́н Петро́вич Победоно́сцев; 21 maio 1827, Moscou – 23 março 1907, São Petersburgo) foi um jurista e estadista russo, conselheiro de três czares. Foi o principal porta-voz de posições reacionárias. Foi a “eminência parda” da política imperial durante o reinado de Alexandre III, onde manteve a posição de procurador-chefe do Santíssimo Sínodo Governante, o funcionário não-clerical responsável pela supervisão da Igreja Ortodoxa Russa. Seus escritos sobre política, direito, arte e cultura enfatizaram o elemento positivo da unificação espiritual e secular da Rússia com a aceitação da cristandade. Alertou sobre o elemento “negativo” na Rússia, retratando os movimentos democrático e liberal como inimigos da unidade nacional e religiosa do povo russo. Para que uma sociedade harmoniosa fosse atingida, em sua opinião, era necessário que houvesse responsabilidade coletiva na manutenção da unidade política e religiosa, daí a supervisão cerrada do comportamento e do pensamento na Rússia serem, para ele, uma necessidade.
Traduzido, revisado e anotado pelo Passa Palavra a partir de tradução disponível neste link. Este artigo faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.