Fascismo à brasileira? (1)

Por Manolo

Em meio ao debate em torno das manifestações dos caminhoneiros em maio de 2018, surgiram interessantes questões relativas ao desenvolvimento do campo fascista na política brasileira.

Tudo isto levou a uma reflexão sobre o tema e a dialogar com os comentadores de forma mais extensa, na tentativa de fazer como que um “soma e segue”.

Fascismo: uma definição

Partimos da definição do fascismo embasada no fascismo clássico. Foi possível encontrar aí um campo político estruturado por dois eixos. Um é o interno, o das instituições, organizações e movimentos criados pelos próprios fascistas, via de regra construído em torno de uma retórica e de uma ação radicais. O outro é o externo, o das instituições, organizações e movimentos que apesar de não haverem sido criadas pelos próprios fascistas representam o campo mais conservador da sociedade. É no campo externo que os fascistas encontram um campo aliado e igualmente um campo de legitimação de sua radicalidade e de sua contenção aos limites da ordem vigente.

Apesar de reconhecermos no fascismo um campo político internacional, ora por meio de articulações políticas diretas, ora por meio da influência ideológica e midiática transnacional de certos movimentos e lideranças, não se avançará aqui numa análise global aprofundada do fenômeno. Se tentará, isto sim, situar o campo fascista brasileiro em meio a seus similares mundo afora, para que se perceba que a situação brasileira não é de modo algum excepcional.

Fascismo: questões controversas

O recurso a tal quadro não nos limita a ele. Encontramos aí uma excelente ferramenta para entender a estruturação de um campo fascista, mas a utilidade de qualquer ferramenta está na possibilidade de múltiplos usos que não aqueles originalmente previstos.

No que diz respeito ao fascismo clássico, na atual situação de complexificação das organizações da chamada “sociedade civil” o eixo endógeno também complexificou-se. Hoje ele agrupa outras organizações que não apenas os partidos, as milícias e os sindicatos. Vê-se situação semelhante no eixo exógeno com a superação numérica das forças armadas pelas empresas privadas de “segurança” e com a expansão do fundamentalismo religioso cristão e islâmico.

Além disto, poucos são os movimentos políticos a assumir sem máscaras a herança do fascismo clássico. Minoritários estes em sua expressão política, suas pautas, entretanto, atravessam o campo político atual e encontram defensores em todo o espectro que vai da extrema-esquerda à extrema-direita.

A isto é preciso adicionar a imprecisa e problemática qualificação destes movimentos como “populistas”, elástica ao ponto de levar gente muito abalizada a agrupar sob o mesmo nome os populares romanos (Caio Mário, os irmãos Graco, Cneu Papírio Carbão, Marco Lívio Druso, Públio Sulpício Rufo, Públio Clódio Pulcro, Júlio César, Públio Múcio Cévola, Marco Emílio Lépido, Marco Antônio, Quinto Sertório etc.); as guerras camponesas ocorridas durante a Reforma protestante no século XVI (Guerra dos Camponeses, rebelião de Münster etc.); a revolta dos comuneros espanhóis (1520-1521); a guerra civil inglesa (1642-1651); o enquadramento da revolução francesa feito por Jules Michelet; o movimento völkisch germânico do século XIX; entre outros. Este alerta foi feito pelo Passa Palavra em outra oportunidade, e não custa renová-lo.

Fascismo: o de antes e o de agora

Se devemos ter a inteligência de reconhecer na longa duração as raízes históricas do fascismo e explicá-lo por meio delas para que não se repitam certas análises que o entendem como um “raio em céu azul”, não podemos cair no equívoco de diluir completamente as especificidades dos atuais movimentos fascistas e parafascistas e explicá-lo somente com base nas oposições entre “povo” e “elite”, entre “maiorias” e “minorias”, entre “despossuídos” e “privilegiados” ou coisa que o valha.

É precisamente esta a retórica ad populum com que tais movimentos ocultam as contradições econômicas e sociais que estruturam tanto a sociedade quanto a si próprios, e é a prática embasadora de tal retórica que pretendemos entender e explicar.

Este artigo é o primeiro de uma série. Leia as demais partes clicando aqui. A imagem em destaque é do ilustrador Juan Gatti

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