Por Um Militante Anônimo

Nota do Passa Palavra: a crise econômica no Irã, causada em especial pela retomada das sanções econômicas anunciada em maio por Donald Trump, tem levado a uma série de protestos contra as políticas de Hassan Rouhani, sendo o mais recente deles a greve no Grande Bazar de Teerã em 25 de junho (ver mais aqui, aqui, aqui, aqui). Não custa lembrar que sanções internacionais contra as políticas de Mahmoud Ahmadinejad foram também acompanhadas por protestos internos em meio à Primavera Árabe, que levaram em 2013 a uma mudança de governo. Há que se acompanhar com atenção os fatos em meio à nova conjuntura internacional de nacionalismos, populismos e fascismos em ascensão. Por isto traduzimos estas curtas notas sobre a greve no Grande Bazar, que ajudam a entender a composição interna, origens e rumos deste protesto.

Sobre a situação no Irã: ela piorou quando parte considerável do Grande Bazar em Teerã foi fechada há uma semana. O Bazar tem sido um dos principais apoiadores burgueses – se não o principal – do atual regime desde a revolta de 1979.

Bazar: seu significado literal é mercado. Está lá há séculos, há várias centenas de anos. O Bazar era tradicionalmente o lugar onde os preços das mercadorias eram definidos. Quando se diz que alguém é Bazaari, isso significa basicamente que ele é um comerciante, que também tem muito dinheiro disponível e, ao mesmo tempo, pode atuar como financiador (na verdade, um especulador, um agiota, um açambarcador, um especulador de curto prazo que não investe na produção). No Bazar, esses burgueses podem ser vistos como donos de lojas muito simples e pequenas, com poucas cadeiras, uma mesa, um telefone e muito poucas mercadorias, sentados algumas horas atrás de sua mesa – sem fazer nada além de conversar com outros Bazaaris ou falar ao telefone, comprar e vender ou acumular mercadorias. O Bazar existe em paralelo ao sistema financeiro no Irã.

Que diferença fez a greve no Bazar? Pense no dia, por exemplo, em que o sistema financeiro for fechado. Que efeito(s) teria na economia? É claro que a greve do Bazar foi relativamente pequena, por isso não teve um efeito tão dramático quanto o fechamento do sistema financeiro. No entanto, a greve dos Bazaaris, em certa medida, aumentou os preços. Uma razão para isso é que eles são atacadistas e qualquer ação sua que aumente os preços produz ondulações através do mercado. Além disso, se suas ações parecem representar uma retirada do apoio ao regime, elas também agravam a crise política.

Iran Labor News Agency. 25, Jun. 2018

Há rumores, especialmente vindos da fração reformista do regime, dizendo que a atual onda de protestos (e a última) foi iniciada pela “linha-dura” derrotada nas últimas eleições, e que esperam dar um golpe de Estado para trazer os militares ao poder. Embora seja incerto se isto é verdadeiro ou não, ou que haja pelo menos alguma verdade nisso, pessoas comuns há muito tempo fartas de suas condições de vida aderiram aos protestos, e seus slogans também mudaram.

Os recentes protestos se espalharam rapidamente em muitas cidades; questões importantes, como o custo de vida e a má qualidade da água potável, especialmente no sul do país, têm sido a principal razão para manifestações. Há dois relatórios da Aljazeera, um sobre os protestos e outro sobre a escassez de água.

Iran, 25, June, 2018. Xinhua/Ahmad Halabisaz

Enquanto as maiores cidades foram coloridas pelos protestos do Bazaar sobre o declínio da moeda iraniana contra o dólar, as cidades do sudoeste, na província iraniana do Khuzistão (centro da produção de petróleo do Irã e lar de uma grande minoria árabe), explodiram há alguns dias principalmente por causa da falta de água para uso geral e de água potável de boa qualidade em particular, e também da poluição do ar. (Como os leitores devem saber, a água se tornou e será uma das causas mais importantes dos conflitos sociais no Irã e no Oriente Médio. Essa é outra história que precisa de explicações separadas.)

A inflação muito alta e a queda acentuada no valor da moeda nacional são os resultados da saída dos EUA do PAIC (Plano de Ação Integral Conjunto), e das promessas da administração dos EUA de impor as mais duras sanções ao Irã. Mas quando se trata da condição da classe trabalhadora, o que descrevi não é novo. Esta é a condição em que os trabalhadores vivem há décadas. Vivendo abaixo da linha da pobreza, trabalhando em dois empregos (de dia e de noite), fazendo com que todos da família trabalhem, sem contracheques durante meses, assinando “contratos em branco” em que renunciam ao direito de reivindicar seguros ou apresentar queixas contra um empregador por questões de segurança no trabalho. Mesmo a venda de órgãos e crianças não é incomum nos últimos meses ou anos.

Iranian Labor News Agency. 25, Jun. 2018

Existem muito poucas pequenas organizações independentes de trabalhadores sob a forma sindical. O regime tem seus próprios “sindicatos” chamados “conselhos de trabalhadores islâmicos” e, tendo-os como pretexto, suprime qualquer organização independente. No momento, ainda que participem dos protestos de rua, os trabalhadores parecem estar “quietos”, ou realizando seus próprios protestos defensivos como antes em seus locais de trabalho. Eu realmente não consigo entender como eles conseguem viver com salários tão baixos e inflação alta. Para ilustrar a situação, considere estas informações: enquanto o salário mínimo no Irã é de cerca de US$ 200,00 por mês [Nota do Passa Palavra: R$ 770,08 pelo câmbio de 15 de julho de 2018], o nível dos preços pode competir com o dos europeus!

Não admira que a sociedade esteja explodindo ou possa explodir novamente a qualquer momento! Claro, não estou falando sobre o que cada trabalhador fará. Em vez disso, quero esclarecer as condições em que uma parte da classe trabalhadora é forçada a agir como tal.

Traduzido e revisado pelo Passa Palavra a partir do original publicado em Insurgent Notes.

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