Por Passa Palavra
Na manhã do dia 7 de agosto de 2018, cerca de trezentos trabalhadores da educação e outros servidores agrupavam-se desde cedo em frente à Secretaria Municipal de Educação de Salvador (SMED), na avenida Anita Garibaldi, para sentar-se em frente ao prédio da SMED. O ato foi uma das manifestações da greve na educação pública de Salvador iniciada no dia 11 de julho; desde nossa última publicação sobre o assunto, os professores recorreram ao Ministério Público no dia 31 de julho para mediar as negociações com a Prefeitura, e fizeram ainda outros atos na própria terça (31/07) e no sábado (05/08).
Tudo se daria como nos atos anteriores, não fosse a Guarda Municipal aparecer para dispersar os trabalhadores da educação usando bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e intimidação com armas, que só depois se veio a saber estarem carregadas com balas de borracha. A coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia (APLB) disse em entrevista que “foi um episódio terrível. Nós estamos fazendo um movimento pacífico, de luta, e, de repente, chegou aqui uma tropa da Guarda Municipal, que se exaltou, abusou do poder, jogou bomba de gás lacrimogêneo para cima da gente, apontou arma para nós, inclusive para a cabeça de uma professora. Nós condenamos esta arbitrariedade. Isso acontecia na época da Ditadura Militar, quando os trabalhadores se levantavam para brigar pelos seus direitos […]. Somos uma categoria formada hegemonicamente por mulheres e fomos tratadas desse jeito, com bombas, empurrões e armas apontadas para nós. A responsabilidade desta truculência é do secretário de Educação Bruno Barral, que não quis dialogar com a gente e se escondeu por trás dos guardas”.
Já a Guarda Municipal (GCM), em nota, afirmou que uma equipe sua foi “hostilizada e agredida por 150 professores ao tentar garantir o acesso de servidores à sede da Secretaria Municipal de Educação (SMED)”; outra fonte complementa as informações, e lá se diz, ainda segundo a nota da GCM: “o diretor da GCM, Maurício Lima, tentou negociar com um representante do sindicato a sua entrada à SMED, cujos portões estavam acorrentados e trancados com cadeados. Nesse momento, manifestantes começaram um tumulto impedindo o diálogo e hostilizando a guarnição. A situação se agravou, quando os manifestantes acirraram os ânimos, ameaçando a integridade física do diretor da GCM e dos oito guardas, que o acompanhavam. Houve empurra-empurra e arremesso de objetos à guarnição, que reagiu com técnicas de dispersão”.
Na guerra de versões, sobrou até para o PSOL, a quem o secretário de educação de Salvador, Bruno Barral, acusa de articular uma “minoria radical” e de usar a greve como “palanque”, pois “vários candidatos a vereador” poderiam ser vistos nos vídeos da manifestação circulados em redes sociais. Na verdade, a greve tem sido apoiada por vereadores de toda a bancada de oposição ao prefeito ACM Neto (DEM).
O Passa Palavra repudia a violência contra professoras, solidariza-se com toda a categoria em greve e repudia qualquer tentativa de deslegitimar o movimento grevista. Um velho companheiro nosso, já falecido, o professor Maurício Tragtenberg, dizia com muita lucidez: “nunca vi classe dominante apanhar. Classe dominante bate. Se ela bate em operário é lógico que a classe dominante é outra”.
Nosso apoio, entretanto, não se dá sem algumas reflexões.
Primeiro, o repertório de ações de todas as partes envolvidas é conhecido, velho e gasto. A Prefeitura de Salvador, além da acusação reiterada de que o movimento estaria sendo conduzido por uma “minoria radical” – tratamos disto em outra oportunidade – recorre à força bruta para impor aos trabalhadores da educação o fim da greve e o retorno às “negociações”. Ou seja, a Prefeitura de Salvador quer que os trabalhadores da educação aceitem calados sua proposta de reajuste de 2,5%, que não é outra coisa senão a aplicação do reajuste automático já devido à categoria. Por outro lado, a APLB recorre às manifestações centralizadas para tentar manter controle sobre as atividades dos trabalhadores em greve – se são “radicais” ou não, pouco importa. Se entre a força bruta de um lado e o controle de outro os trabalhadores da educação pública em Salvador não tomarem a greve como sua, não tomarem a dianteira, não saírem da apatia, pouco se conseguirá. Os obstáculos são muitos, mas na luta de classes quem fica parado ganha menos, ou perde.
Segundo, a categoria mantém sua disposição de luta, mesmo com quase um mês de paralisação e corte de ponto já sendo aplicado pela Prefeitura de Salvador. Não se trata apenas das manifestações centralizadas, de toda sorte massivas, mas igualmente das muitas ações locais desenvolvidas nas escolas paralisadas, ou nas comunidades de seu entorno. Está em aberto, todavia, a questão: até que ponto será possível sustentar tais ações sem, no mínimo, a formação de um fundo de greve? Cada reunião, cada ação local, cada ato pequeno ou grande tem seus gastos, ainda que pequenos; ademais, dentro em breve o corte de ponto ameaçará o bolso dos grevistas, e será preciso pensar em alternativas para pagar as contas que começarão a ser pagas em atraso. Um fundo de tal natureza não precisa necessariamente ser vinculado ao sindicato, mas sem ele a continuidade da luta poderá ser comprometida dentro em breve.
Terceiro, a Prefeitura de Salvador está acuada. Mesmo tendo sucessivas melhoras em sua condição orçamentária e fiscal, o contexto de crise econômica e de reajuste fiscal força os gestores públicos a escolher a dedo onde gastar dinheiro – e a prioridade da administração municipal, no momento, é a implementação de um sistema de transporte por BRT que é, no mínimo, polêmico. Daí a tentativa de imputar ao PSOL — poderia ser qualquer outro grupo “radical”, bastaria trocar o nome — a responsabilidade pela intensidade das mobilizações. Como se fosse uma vilã de quinta categoria de desenho animado, a Prefeitura de Salvador transforma o PSOL no “bode expiatório” de uma narrativa onde “tudo estaria bem, se não fossem esses moleques enxeridos”. A violência com que a Prefeitura de Salvador indica que tratará o movimento daqui por diante traz o mesmo recado que o governo federal e o governo do Rio de Janeiro passam com a condenação aos 23 do Rio de Janeiro, que nada mais é senão um recado autoritário a quem ousa lutar.
ATUALIZAÇÃO DE 07/08/2018, 18H
Dois informes recentes que recebemos trazem novos elementos para a controvérsia em torno da repressão contra os trabalhadores da educação pública em greve em Salvador.
O primeiro: vários testemunhos de pessoas presentes no ato indicam que o tumulto começou porque um pequeno grupo de homens musculosos teria começado a sacudir as grades externas da SMED, e em seguida a Guarda Municipal (GCM) avançou sobre os professores com bombas e spray de pimenta. Logo quando estes homens chegaram, os presentes no ato começaram a se afastar deles para evitar confusão, mas mesmo assim a GCM atacou os professores. Nada de novo no roteiro da repressão; é a velha, velhíssima e conhecida tática dos agentes provocadores, de infiltrar capangas nas manifestações de trabalhadores para provocar a repressão. Para a imagem de uma prefeitura que se pretende “moderna”, entretanto, isto equivale a um verdadeiro desastre.
O segundo: apesar de a Prefeitura de Salvador ter anunciado que cortaria o ponto dos trabalhadores em greve, os cortes estão sendo feitos de forma bastante aleatória. Recebemos relatos de professores que furaram a greve, seguem dando aulas e tiveram seus salários cortados, assim como outros que paralisaram suas atividades, aderiram à mobilização e receberam seus salários normalmente. Sinal de que mesmo no campo da gestão de pessoal a Prefeitura de Salvador enfrenta problemas sérios.
Tem um vídeo rolando que comprova que a versão da GM é totalmente mentirosa. Mostra o passo a passo desde os infiltrados conversando com o comandante da GM até o disparo dos sprays e bombas no grupo de professores/as.