Greve de 1985

Por Bancário

1. Introdução

O debate sobre adoecimento no trabalho tem sido constante na história do movimento sindical bancário, adoecimento que hoje se manifesta sobretudo pela epidemia de lesões por esforço repetitivo e de adoecimento psíquico. Pra quem atua na militância sindical bancária é inevitável que esse debate se torne um ponto recorrente de discussões devido às demandas cotidianas dos próprios trabalhadores em seus locais de trabalho, aos ataques dos banqueiros na área e pelo alto nível de adoecimento laboral na categoria, que é muito expressivo inclusive nos próprios meios militantes da categoria.

O momento atual de retrocessos nos direitos trabalhistas tem se apresentado a setores, a exemplo dos bancários, como um período de redução no número de trabalhadores e reestruturações constantes na organização do trabalho visando aumentar a exploração, invariavelmente aumentando a sobrecarga e tornando mais duras as condições de trabalho e, portanto, aumentando o adoecimento em suas mais variadas formas. Não bastasse isso, os serviços de assistência médica conquistados historicamente pelos bancários estão sofrendo fortes ataques, se desenhando para um futuro próximo um cenário de imensa degradação das condições de saúde da categoria — assim como do conjunto da classe trabalhadora a depender do desenrolar da luta de classes. Esse texto pretende ser uma reflexão que ajude a fortalecer a luta do nosso lado, o lado dos trabalhadores.

2. O debate sobre a saúde do trabalhador no movimento sindical bancário hoje

Foi realizado este ano, no dia 3 de março de 2018, durante um encontro nacional dos coletivos de oposição sindical do ramo bancário, organizado pela Intersindical, um Seminário sobre Saúde do Trabalhador com a apresentação de Elisa Ferreira, psicóloga que atuou junto ao ministério público do trabalho no levantamento de dados para um processo contra o banco Santander por causar danos irreparáveis à saúde dos trabalhadores; Letícia M. Frota, médica, pesquisadora da saúde dos trabalhadores da indústria têxtil de Blumenau; e Nilson Brerenchtein Netto, psicólogo, pesquisador do suicídio, que falou sobre o fenômeno do suicídio na sociedade capitalista, politizando a epidemia de suicídios de trabalhadores bancários, que se tornou crônica e especialmente aguda nas grandes reestruturações do sistema financeiro nacional, como ocorreu na década de 1990 e volta a ocorrer hoje[1]. A realização desse seminário foi de imensa importância e a realização de novos debates do tipo, organizados preferencialmente por trabalhadores com uma perspectiva de independência de classe e, portanto, para além das cúpulas burocráticas e da direção cutista, são extremamente necessárias se quisermos fazer o debate avançar. O presente texto é fruto de estudos que seguem algumas linhas surgidas de discussões deste seminário do encontro nacional da Intersindical.

Greve 1951

O debate sobre a saúde do trabalhador bancário no Sindicato dos Bancários de São Paulo, capitaneado pela atual direção cutista, também é constante e gerou diversos seminários com intelectuais de grandes universidades brasileiras e internacionais com certa regularidade, além disso ocorreu em 2011 a publicação do livro Saúde dos bancários com artigos de renomados estudiosos nacionais e internacionais sobre adoecimento laboral, lançado pelo sindicato junto a campanha era “menos metas, mais saúde!”.

Porém, o livro e as formações promovidas pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo tendem a ser pouco propositivos politicamente, suas campanhas não vão além da agitação, o sindicato não tem avançado em formas de construção de lutas coletivas em relação a essas pautas, as ações do sindicato em torno dessa pauta são sobretudo cupulistas, nas greves a pauta da saúde não é priorizada. Ainda assim o sindicato dá mais atenção ao tema do que é visto no cotidiano da base da própria categoria dado o pensamento de curto prazo que impera no dia a dia ou mesmo do que se vê na maioria do sindicalismo brasileiro, o que também mostra a relevância histórica desse tema no sindicalismo bancário.

As formações promovidas pelo sindicato tendem a ser voltadas sobretudo para os dirigentes sindicais e os próprios debates tendem a ser excessivamente acadêmicos; ousamos dizer que são mesmo administrativos, ou gestoriais, mais preocupados em problemas técnicos e em administrar a caixa de saúde dos funcionários ou em como a empresa deve lidar com adoecimento que seus métodos de gestão provocam, e pouco preocupados em como promover lutas para resistir a esse adoecimento ou conquistar melhores condições de saúde e assistência médica. Nas 360 páginas do livro publicado pelo sindicato há poucas palavras escritas sobre as lutas da categoria em torno da saúde, a maioria dos artigos é excessivamente voltada para a análise do adoecimento no trabalho sob um viés descritivo. Não deixa de ser uma contribuição importantíssima ter uma compilação de estudos que expõe como se gera o adoecimento no local de trabalho, mas é politicamente muito grave que as lutas e as formas de resistência coletiva a essas situações quase não apareçam colocadas como um problema a ser investigado e desenvolvido.

A psicodinâmica do trabalho reivindicada na maioria dos artigos do livro propõe a necessidade de pensar o trabalhador como sujeito criativo durante a atividade do trabalho para compreender os mecanismos de defesa que o mesmo desenvolve para resistir ao sofrimento laboral e, ao fracassar, ser levado ao adoecimento. Apesar da alta sensibilidade metodológica da análise, a organização e a luta coletiva dos trabalhadores como elemento que possa ser usado para resistir, prevenir ou lidar com o tema do adoecimento não aparecem como possibilidade, senão em raras e vagas menções. De forma que não se chega a efetivamente superar uma certa tendência da psicologia em individualizar excessivamente a questão, despolitizando-a e sem conseguir efetivamente superar a ideologia patronal dominante na psicologia, a de que as doenças são causadas por razões do indivíduo e não pela ordem social que o explora.

Um exemplo que expressa bem a fragilidade ideológica de que falo no livro é o artigo Entre o número e a vivência: Qual ergonomia praticar? de Gilberto Cardoso Bouyer, que começa com o autor se propondo a desenvolver um tipo de ergonomia que promova mudanças reais para melhoria das condições de vida e trabalho dos funcionários. Mais reveladora é a forma como tais melhorias seriam conquistadas na visão do autor nesse trecho que trata de como amenizar o adoecimento mental no trabalho:

A contribuição da Psicodinâmica do Trabalho, conforme discutido, é importante no sentido de sensibilizar e permitir uma reflexão dos gestores dirigentes, para que parta deles a importante parcela do reconhecimento necessário à melhoria do trabalho. Sem o envolvimento deles, ficaria o sujeito então exposto à crise de identidade nas teias intrincadas de uma organização do trabalho rígida e prescritiva. Na ausência de reconhecimento, estamos diante de um risco para a saúde mental pela crise de identidade aí gerada. Um espaço público de deliberações, criado pelo gestor/dirigente, seria fundamental para a transformação do sofrimento, pois, por meio dele, seria possível jogar luz à engenhosidade, tornando visível o que antes era invisível e, dessa forma, favorecer o reconhecimento.

Dado a total ausência de menção no citado artigo da possibilidade de atuação coletiva dos trabalhadores bancários ou sua possível conformação como sujeito político instituinte capaz de criar por ele mesmo os “espaços públicos de deliberações” que pudessem “transformar o sofrimento, trazendo reconhecimento” e mesmo mudando a organização do trabalho para que não seja causa de adoecimento, parece que o autor tem a esperança de que a produção acadêmica seja um caminho de ação que poderá sensibilizar a alta gestão e, portanto, também os banqueiros, a alterar as condições de trabalho em benefício da saúde dos trabalhadores. E deixa claro que tal alteração teria que vir de cima pra baixo na hierarquia, jamais o contrário. Tal visão ignora totalmente o próprio desenvolvimento histórico das condições de trabalho, já que se hoje existem condições mínimas de proteção à saúde, essas foram conquistadas forçando gestores dirigentes e banqueiros a implantá-las e não “sensibilizando-os” apenas com a argumentação verbal. Na experiência histórica parece que os capitalistas só “se sensibilizam” quando são forçados pelos argumentos da força da organização e da ação direta dos trabalhadores, frente aos prejuízos que esses argumentos lhes provocam.

Greve 1934

Esse tipo de visão ideológica cupulista também é comum no meio sindical, onde a questão de saúde é jogada para o lado da questão administrativa. Por exemplo, no caso dos funcionários do Banco do Brasil, a principal proposta de resistência sindical é que se eleja representantes de esquerda para a gestão da CASSI (a caixa de assistência médica dos funcionários do BB) ou, no âmbito mais geral, avanços concretos nas condições de saúde só seriam possíveis se elegendo um governo de esquerda. Ambas as propostas defendem que mudanças reais só viriam através de mudanças nas elites dirigentes (talvez mais progressistas, jamais menos capitalistas). A ação direta grevista ou a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho só aparecem nessas cúpulas como um meio de fortalecimento da disputa dos aparatos de gestão administrativa da empresa ou do Estado, e a luta de classes fica assim presa dentro de um joguete de disputas internas aos diferentes grupos de gestores ou empresários capitalistas. Mesmo as organizações de oposição sindical à CUT, apesar de um palavreado mais radical, não têm uma postura ou proposta de projeto prático muito diferente e suas ações práticas acabam sendo voltadas também, e sobretudo, para a disputa e crítica da administração desses espaços de cúpula. Por exemplo, parte da atual administração da CASSI foi eleita por uma chapa do PSTU, e não nego que seja melhor uma gestão da CASSI eleita por uma organização de esquerda do que por uma chapa explicitamente patronal, mas o ponto é que apenas isso pouco ajuda a avançar na organização e nas lutas coletivas dos trabalhadores por suas condições de saúde.

Essa visão cupulista, que só vê a mudança como possível se for pela ação das elites dirigentes, me parece uma síntese da opinião comum tanto no ambiente acadêmico como no sindicalismo hoje hegemônico, é uma ideologia que serve aos interesses da classe capitalista, produzindo um tipo de conhecimento e mobilização voltada para a gestão da exploração da classe trabalhadora e que tende a ser ativa contra sua emancipação. Tal visão demonstra também a falta de independência de classe na concepção teórica e ideológica hoje vigente no meio sindical, falta que se coloca como uma poderosa barreira para ação autônoma dos trabalhadores no conflito cotidiano com as classes capitalistas. É necessário reconstruir uma teoria e uma perspectiva de ação que se coloque como efetivamente do interesse dos trabalhadores se quisermos avançar na luta.

Discordamos desse tipo de abordagem cupulista, administrativa ou gestorial, pois além de ser reacionária, é também a-histórica, ignorando que todos os grandes avanços que os trabalhadores tiverem em suas condições de vida e saúde foram arrancados pela sua organização coletiva a partir de baixo e pela combatividade na ação direta; por isso, propomos a seguir trazer à luz brevemente, e com todos os limites de um trabalhador amador na pesquisa, alguns apontamentos sobre as experiências de luta em torno da questão da saúde, e de parte dos debates ocorridos no enfrentamento entre a classe trabalhadora e a patronal em torno do adoecimento laboral na categoria para, ao nos situarmos um pouco melhor no que já foi feito em torno dessa pauta de luta, pensarmos os caminhos a serem seguidos pela luta para conseguir avanços nessa importante trincheira da luta de classes que é a saúde dos explorados.

3. Breve histórico das lutas pela saúde do trabalhador bancário

As primeiras lutas da categoria e o IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários):

A partir de 1923 começam a surgir no Rio de Janeiro (então capital federal) e em São Paulo as primeiras associações de bancários, de caráter sobretudo assistencial e recreativo. Já apareciam nesses embriões organizativos forte preocupação com a criação de mecanismos que proporcionassem condições de saúde e previdência para os bancários.

Em 1933, a partir da ameaça de greve e manifestações se oficializa a primeira legislação da conquista da jornada de 6 horas diárias de trabalho. A luta pela jornada é o tema central para as condições de saúde do trabalhador[2]. Os trabalhadores bancários eram então classificados como comerciários e a criação oficial da classificação profissional especifica de bancário se deu a partir dessa sua organização reivindicatória, as lutas para garantir a efetiva aplicação, para os diferentes bancos, da jornada de 6 horas diárias e 30 horas semanais, sem trabalho aos sábados — como é hoje –, lutas que ainda se estenderiam por muitos anos.

Em 1943 as 6 horas diárias são incorporadas à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e somente como conquista da greve de 1962 o trabalho aos sábados é excluído. Desde o início dessa luta a argumentação dos trabalhadores e seus sindicatos deu ênfase ao caráter penoso do trabalho bancário que, desde suas origens, impõe alto nível de desgaste físico e psicológico, provocando diversos tipos de adoecimento. Ainda hoje os bancos usam variados mecanismos para aumentar a carga horária dos trabalhadores, sendo o principal deles o de dividir a categoria em diversos cargos com jornadas de trabalho superiores a 6 horas diárias, de forma que hoje é sobretudo a base da categoria que realmente respeita a jornada de 6 horas. O abuso de horas extras ainda é comum, sobretudo nos bancos privados. Com a atual reforma trabalhista, a depender do desenrolar das atuais campanhas salariais a terceirização irrestrita, e a jornada intermitente permitida pela atual legislação, todas essas medidas tendem a minar ainda mais a efetivação da atual jornada.

Greve 1985

Do inicio do século até os anos de 1970, as péssimas condições do trabalho bancário podem ser resumidas pelas seguintes características: a jornada de trabalho nas primeiras décadas do século se estendiam excessivamente sem a devida remuneração adicional, o trabalho seguia muitas vezes pela madrugada, sobretudo durante a elaboração de balanço, com jornada aos sábados (somente extinta em 1962), os baixos salários dos trabalhadores, os horários apertados para realização das tarefas que muitas vezes não respeitavam nem mesmo o tempo para as refeições básicas, a alimentação insuficiente, as excessivas responsabilidades e cobranças de resultados, a intensa vigilância a que sempre estão submetidos os trabalhadores bancários, as condições pouco adequadas dos locais de trabalho por vezes insalubres ao sistema respiratório e muscular, e o constante temor da perda do emprego. Desde então o trabalho bancário se apresenta como penoso e extremamente desgastante.

Essas péssimas condições de trabalho afetavam a saúde dos trabalhadores na forma de tuberculose e a então chamada psiconeurose bancária, esta registrada através de sintomas como dificuldade de concentração, dor de cabeça, irritabilidade, insônia, fobias de várias espécies, angústia permanente e excesso de escrúpulo[3]. Interessante notar como já no início do século XX o adoecimento mental aparece como consequência característica do trabalho bancário. A partir da década de 1980, com a consolidação do processo de digitalização, as lesões por esforço repetitivo (LER) passam a ser a principal doença a afetar os bancários de forma epidêmica. Já a partir dos anos 2010 em diante tem sido o adoecimento psíquico a principal causa de adoecimento e incapacitação para o trabalho entre os bancários, superando e convivendo simultaneamente com a LER.

Retomando a linha cronológica das lutas, em 1934 ocorre a primeira greve nacional dos bancários, no dia 6 de julho de 1934 a greve é deflagrada simultaneamente em todos os estados do país com exceção da Bahia e do Rio Grande do Sul dado a problemas jurídicos e de comunicação. Nas principais capitais os bancos praticamente não funcionaram, a cena comum era de um aglomerado de bancários em frente às agências impedindo seu funcionamento e protestando. Panfletagens e passeatas de bancários também ocorreram em muitas cidades. Uma prática adotada era fazer as passeatas passarem em frente à sede dos principais jornais de determinada cidade, pressionando os patrões pela devida repercussão jornalística da greve. As polícias e forças armadas também se posicionaram nas ruas nacionalmente por causa da greve, havendo diversos registros de violenta repressão.

A greve do setor bancário causa a imediata interrupção de um imenso número de transações comerciais, a paralisação das importações e das principais transações que dependiam de serviços cambiais, a interrupção dos fretes ferroviários, o rápido impacto com imensos prejuízos aos setores do comércio nacional/internacional e ao setor cafeeiro (então dominante na economia nacional). Por colocar a economia nacional em xeque, a greve acaba por ser totalmente vitoriosa (repetindo em escala nacional a vitória retumbante da primeira greve da categoria, que aconteceu em Santos e São Paulo em 1932). A greve dura 3 dias, marcada por um crescente ascenso da participação de bancários e de um rápido recuo do governo e da patronal. O movimento grevista conquista todas as suas principais pautas.

O resultado foi a conquista da estabilidade do emprego a partir de dois anos de trabalho, e o direito a aposentadoria e a assistência médica com a conquista da criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB). Estabelece-se que o objetivo do instituto seria de conceder aposentadoria aos seus associados, pensão alimentícia à família ou aos respectivos beneficiários. É concedido também auxílio enfermidade, carteira de empréstimos e internação hospitalar. Em 1937 os bancários conquistaram que os banqueiros contribuíssem financeiramente para que o IAPB fornecesse financiamentos imobiliários, facilitando a aquisição da casa própria.

A assistência médica do IAPB seria pauta constante do movimento sindical nos anos seguintes, alcançado uma série de conquistas especificas através de fortes movimentos grevistas. Ainda nos anos 1930 foram conquistados os serviços de tratamento e prevenção de doenças pulmonares, cardíacas e mentais. Nos anos 1940, as greves conquistam planos pré-natal e ao recém-nascido, assim como melhorias nos serviços de maternidade, internação hospitalar, assistência farmacêutica e odontológica.

Este instituto, entre aqueles criados durante o período varguista para atender as mais diferentes categorias profissionais, era o mais amplo e melhor equipado em termos de serviços hospitalares, apesar de toda precariedade, pois foram os bancários os únicos a conquistarem e a ampliarem, pela correlação de forças das lutas da categoria, a efetivação da contribuição patronal devida legalmente para a manutenção do instituto. Em 1955 os sindicatos de bancários conquistam inclusive o direito de os trabalhadores elegerem os gestores do IAPB[4].

Em 1966 o regime empresarial-militar extingue o IAPB, o que junto com a reforma bancária (que tirou poder dos bancos públicos) e a perda da estabilidade dos trabalhadores nos bancos privados, foi uma das maiores derrotas da categoria. A partir daí se encerra a primeira experiência de caixa de assistência médica dos bancários unificando toda a categoria. A partir de então os funcionários dos diferentes bancos contariam exclusivamente com planos de saúde ou caixas de assistência próprios e não mais unificados, fazendo com que as lutas pelas condições de saúde se dessem de forma mais fragmentada. A já existente desigualdade interna de assistência na categoria se aprofunda com grandes diferenças entre os bancos, sendo que os bancos públicos costumavam proporcionar assistência médica mais abrangente aos seus funcionários do que os bancos privados.

Algumas questões que ficam ao olhar histórico… Qual o motivo das lutas da categoria bancária de 1932 até 1964 conseguirem manter um caráter fortemente ofensivo e de conquistas tão qualitativas em relação ao período pós-1964? Vendo que no período atual há um rebaixamento enorme da agenda de pautas, o desaparecimento da pauta da perspectiva da estabilidade do emprego ou das lutas em torno da redução de jornada de trabalho, e o desaparecimento da perspectiva de criação de instituições que unam trabalhadores de empresas públicas e privadas. Não se coloca sequer como possibilidade mais no sindicalismo bancário hoje a agenda de conquistas que foram obtidas nesse período. É visível que hoje, com as novas tecnologias de informação e organização do trabalho, a paralisação de agências de uma dada região não significa mais paralisar o sistema financeiro daquela região como ocorria nesse período tratado, logo por uma série de motivos é perceptível uma perda de poder na categoria. Seria possível retomar esse poder? E que elementos dessas mobilizações poderiam ser apreendidos para se pensar numa nova construção que leve no futuro a um novo momento de atuação ofensiva da categoria e da classe?

Aqui não pretendo me aprofundar na análise e nem dar respostas a essas questões, mas antes, apresentar o problema. Um dos apontamentos que me parecem possíveis é a necessidade de construir um novo referencial de práticas e organização se quisermos avançar com independência de classe. Não adianta ficarmos repetindo e tentando retomar as práticas de períodos mais combativos do pós-1964 se quisermos efetivamente entrar num novo período ofensivo — pois estes períodos de ascenso sempre implicaram em forjar novos formatos de ação como se deu nesse período de surgimento do sindicalismo bancário, quando se forja a delimitação da categoria enquanto tal, suas primeiras instituições independentes, associações, sindicatos, federações, confederações, etc. Logo, não basta disputar as organizações que estão aí, mas também é necessário experimentar criar outros espaços e forjar outros arranjos de classe. Para avançar na luta por saúde precisamos recuperar e criar experiências que tornem palpável a perspectiva real de modificações nas condições de trabalho para poder fazer com que o conjunto dos trabalhadores vejam que tais modificações são possíveis[5].

LEIA AQUI A PARTE II

NOTAS 

[1] Sobre o suicídio de bancários, é muito comum comparar a situação dos bancários brasileiros com o processo de privatização da Telecom francesa em 2009. A privatização da estatal francesa levou 32 funcionários a se suicidarem devido às mudanças no trabalho, provocando alta repercussão midiática. Acredita-se que essa situação já se tornou uma característica endêmica entre os trabalhadores do sistema financeiro nacional. Há uma dissertação de mestrado que registra uma média, entre 1993 a 2005, de pelo menos um bancário cometendo suicídio a cada 20 dias, estimando-se uma ocorrência diária de tentativa de suicídio (não consumada) durante todo o período, totalizando 181 suicídios entre 1993 e 2005. A dissertação, de Marcelo Augusto Finazzi Santos, se chama Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova organização do trabalho. Já o artigo, Tentativas de Suicídio de Bancários no Contexto das Reestruturações Produtivas.

[2] A relação das longas jornadas de trabalho com a profunda degradação física e psíquica dos trabalhadores é um tema muito bem desenvolvido no capítulo 8 sobre a jornada de trabalho do livro O Capital de Karl Marx. A análise histórica presente nesse capitulo não deixa dúvidas de que para os capitalistas o que importa é o lucro no curto prazo sem se importar com as consequências negativas de suas ações para a sociedade no longo prazo, pouco importa para os capitalistas a degradação que o trabalho causa aos seus funcionários. Historicamente eles só proporcionam condições mínimas de dignidade e saúde ao trabalhador quando são forçados a isso:

Em qualquer malandragem com ações ninguém ignora que um dia a casa cai, porém todos confiam que ela cairá sobre a cabeça do próximo, após ele próprio ter colhido a chuva de ouro e a posto em segurança. Après moi le déluge! (Depois de mim, o dilúvio!) É a divisa de todo capitalista e toda nação capitalista. O capital não tem, por isso, a menor consideração pela saúde e duração de vida do trabalhador, a não ser quando é coagido pela sociedade a ter consideração. À queixa sobre degradação física e mental, morte prematura, tortura do sobre trabalho, ele responde: Deve esse tormento atormentar-nos, já que ele aumenta o nosso gozo (o lucro)? (O Capital, Editora Nova Cultual, Tomo 1, 1996, página 366).

[3] Para um histórico de mazelas da categoria, consultar o livro O mister de fazer dinheiro: automação e subjetividade no trabalho bancário, de Nise Jinkings, publicado pela Boitempo, 1995. Página 31.

[4] Sobre o IAPB e as primeiras greves dos bancários ver: 1) A História dos bancários: Lutas e Conquistas 1923-1993, Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, 1994; 2) Sindicalismo bancário: Origens, Ana Lúcia Valença de Santa Cruz, Oboré editorial, 1990; 3) O Sindicalismo bancário em São Paulo. No período de 1923 – 1944: seu significado politico, Leticia Bicalho Canêdo, Edições Símbolo, 1978.

[5] Esse apontamento é colocado por um dos únicos textos focados em como fazer avançar as lutas da categoria de que tenho registo, publicado por um ex-bancário anônimo no Passa Palavra, Apontamentos sobre lutas no local de trabalho:

Nos anos 1960 na Itália as disputas operárias sobre o ambiente e condições de trabalho não conseguiam fugir da chamada monetização do risco. Condições insalubres e exposição ao perigo eram no máximo compensadas monetariamente. Aliás, como é hoje também no Brasil com os adicionais de insalubridade e periculosidade. O movimento operário criou então o slogan “a saúde não se vende” como parte das lutas para contrapor a essa prática de monetização. O que se constatou por envolvidos naquele ciclo de lutas na Itália é que a classe trabalhadora só superou a monetização do risco quando percebeu que tinha poder de mudar o ambiente de trabalho, quando percebeu ter capacidade e possibilidade real, isto é, força, para mudar as condições e a organização do trabalho. A apatia e a monetização nesse sentido são reflexos de um realismo, de uma percepção de impotência que não é falsa, já que os trabalhadores não veem nos fatos a possibilidade de transformação.

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