Por Hugo Nunes
Na sequência de diversos relatos sobre assédios, abusos e lutas nos locais de trabalho, publicamos agora um relato sobre as experiências de um estagiário em escritórios de arquitetura. Para conferir relatos de outras categorias de trabalhadores, acesse este link.
Os meus 3 estágios nunca chegaram a durar 6 meses cada um, sempre por causa de atritos que eu tive com meus chefes. O primeiro incentivava os 3 estagiários (não havia nenhum profissional formado para assinar os projetos) a não assinarem suas carteiras para não “perderem dinheiro”. Os estagiários eram responsáveis por fazer absolutamente todo o trabalho do escritório. E no final do mês? Sempre atrasos nos pagamentos! Eu mesmo fui mandado embora porque cobrava insistentemente o pagamento do meu salário de forma pontual.
O segundo estágio foi um longo processo seletivo que, segundo o arquiteto responsável pelo escritório, “contou com mais de 1000 análises de currículo”, inclusive com testes de domínio técnico. Faço questão de dizer qual empresa é: Studio Guilherme Torres. Eu consegui ser o escolhido para ocupar a vaga de estagiário, mesmo o Guilherme tendo dito na minha cara que eu não serviria, tentando me rebaixar, mostrando que para trabalhar ali tinha que ser muito bom. Na primeira semana tive que trabalhar das 9:00 da manhã às 18:00 para “eu me adaptar mais rapidamente ao ambiente de trabalho”. Durante essa semana percebi como o Guilherme e o arquiteto abaixo dele (o braço direito) faziam questão de manter um ambiente de trabalho tenso: hora ou outra eles tratavam os outros de forma ríspida, embora tentassem quebrar o gelo em outros momentos. Uma das vezes que tive dúvidas sobre o trabalho que eu estava executando fui duramente repreendido na frente de todos os funcionários. Durante os primeiros dias não quiseram assinar meu termo de estágio porque a ideia era me testar ao máximo antes. Uma semana depois fui demitido porque pedi para atender uma ligação (era uma ligação importante que eu estava esperando sobre o financiamento do meu carro). Fiquei revoltado! Mesmo assim fui extremamente educado e calmo, cumprimentei a todos, agradeci e fui embora. Neste dia o “braço direito”, que foi quem realmente havia decidido me contratar, estava doente e não foi trabalhar. Mandei uma mensagem a ele, agradecendo pela oportunidade e desejando melhoras na sua recuperação, mas ele nem se deu o trabalho de me responder. Me senti um lixo!
É assim que os estagiários de arquitetura são tratados, são mal remunerados, apesar de executarem todo o trabalho dos escritórios. Não têm direitos, só deveres! São mão de obra barata! Pior que existe regulamento, mas ninguém se importa.
No meu terceiro estágio fui demitido porque pedi para faltar 2 vezes (ao logo de 1 semestre), sendo que eu havia reposto as horas. Minha chefe achou que eu era folgado, retruquei e disse que eu fazia todas as minhas obrigações. Ela chorou pela forma que respondi e fui demitido.
Meus amigos também têm histórias bizarras. Uma delas, por exemplo, foi demitida porque bebia café da empresa (1 xícara por dia). QUAL O PROBLEMA DISSO? Todo funcionário toma cafezinho. A dona do escritório disse que se a minha amiga fosse beber café todo dia ela teria que trazer o próprio café de casa. Minha amiga achou isso absurdo, questionou e foi demitida no 3º dia de contratação.
Ilustram este artigo fotos de Marcel Gaucherot sobre a construção de Brasília.
É impressionante a falta de bom senso de profissionais da nossa área, no meu estagio de arquitetura fui brutalmente questionada por não conseguir executar um trabalho de 1 semana em 1 dia e meio (mesmo trabalhando o dobro do meu expediente para adiantar e avisando antecipadamente que não seria possível terminá-lo), onde a responsabilidade foi minha de ter deixado o cliente mão. Pior, nesse período não recebi auxílio algum, as dúvidas que tinha eram respondidas após 2h. As histórias se repetem em diversos escritórios, comigo e com colegas, se quisermos uma experiência profissional na faculdade, provavelmente virá regada de decepções.