Por Wang Xiaolin

Desde 2012 é publicada a revista Relatos da Fábrica com reportagens sobre as condições e a luta dos trabalhadores no Delta do Rio das Pérolas (Zhujiang). O site Gong Chao selecionou e traduziu (para o INGLÊS e para o ESPANHOL) alguns desses relatos e agora o Passa Palavra apresenta-os em português. Todos os relatos poderão ser lidos CLICANDO AQUI.

(Relatos da Fábrica # 1, Janeiro de 2012)

No início [de 2011], Ah-Ling chegou à área industrial junto com a maré [anual de primavera] de trabalhadores. A entrada de uma aldeia perto de uma rodovia nacional estava cheia de bancas de recrutamento. Elas vieram de fábricas próximas para recrutar pessoas. Ah-Ling levou sua grande mala até as bancas para ver de quê se tratava todo o alarido. O pessoal de recursos humanos apresentava em voz alta os salários e benefícios de sua fábrica. Alguns diziam: “O pacote de pagamento da nossa fábrica sobe para 3.000 yuans e também temos dormitórios e uma cantina.” Outros prometeram: “Se você estiver interessado, podemos enviar um carro para levá-lo ao dormitório da fábrica imediatamente”. Alguém que estava recrutando seguranças começou a arrastar a pequena Ah-Ling, dizendo que se ela concordasse em aceitar o emprego, teria o trabalho mais fácil imaginável — um emprego em um hospital onde ela teria tanto divertimento quanto muito tempo livre. A cena toda parecia espetacular (como se um porco gordo houvesse acabado de escapar de seu chiqueiro), o que fazia com que as pessoas se sentissem como se sua posição social subitamente houvesse subido.

Não muito antes disso, quase todos os meios de comunicação estavam berrando sobre a “escassez de mão de obra” nas áreas industriais costeiras, exagerando a coisa toda sem restrições. Todo mundo estava dizendo que desta vez os salários subiriam com certeza. No entanto, Ah-Ling logo descobriu que, embora a equipe de recursos humanos nesta “feira de empregos” estivesse gritando que “o pacote de pagamento mensal é mais de 3.000 yuan” e assim por diante, quando você olhava as coisas mais de perto, percebia que o salário não era maior do que o salário mínimo legal, e o chamado “pacote salarial” já incluía uma compensação por mais de três horas de horas extras por dia.

Depois que ela passou algum tempo procurando trabalho, Ah-Ling lentamente começou a entender a chamada “escassez de mão de obra”. No passado, quando ainda não havia uma “superabundância” de chefes, havia muitos trabalhadores e chefes que podiam escolher quem quisessem à vontade: meninas jovens, solteiras, obedientes e de dedos ágeis. Lentamente, essas garotas começaram a se tornar mães. À medida que a indústria se desenvolveu, surgiram muitos chefes, o que dificultou a escolha dos trabalhadores que eles queriam. Anteriormente, os patrões não contratavam trabalhadores do sexo masculino, mas agora eram “forçados” a empregar um certo número de homens. Da mesma forma, a idade aceitável para os trabalhadores subiu gradualmente de 25 para 30, 35, 40 ou até mais. Chefes incapazes de contratar pessoas suficientes começaram a usar métodos mais inteligentes, como tentar impedir que os trabalhadores se demitissem. Então, quando os chefes reclamam da “escassez de mão de obra”, não se referem à falta de pessoas, mas à falta de trabalhadoras jovens, obedientes, que trabalham duro, ágeis e mulheres. Isso não significa que mães e homens estão se tornando mais valorizados. As pessoas que chamam a isso discriminação de gênero estão certas, mas esse tipo de discriminação não tem nada a ver com a chamada mentalidade feudal ou noções ultrapassadas, já que o que está em jogo aqui são os interesses concretos dos chefes. Eles querem que seus cavalos corram, mas eles não querem alimentá-los. Agora, quando não há cavalos saudáveis, fortes e mansos, os chefes reclamam. E isso vem ressoando há anos.

Ah-Ling decidiu encontrar um emprego no escritório porque o trabalho no escritório tende a ser mais fácil do que o trabalho manual e permite mais tempo livre. Ela se candidatou a esse tipo de trabalho em muitas fábricas, mas todos a rejeitaram porque ela “não tinha experiência”. Finalmente, Ah-Ling conseguiu ser contratada [para um trabalho de escritório] por alguma fábrica. Não era que eles fossem tão bondosos que a aceitassem, mas porque ela enviou um currículo alegando que tinha experiência, e, embora nunca tivesse trabalhado em um escritório antes, em meio mês ela já havia dominado suas tarefas. Na verdade, a maior parte do trabalho é bem fácil — embora possa ser um pouco complicado, você só precisa fingir por um tempo, e quando se familiarizar com os produtos e o processo de trabalho, não é grande coisa. O problema é que, mesmo nas condições de “escassez de mão de obra”, os chefes não estão dispostos a gastar dinheiro adicional em treinamento. Eles odeiam a formação de trabalhadores não qualificados e preferem contratar pessoas qualificadas ou até mesmo ir a outras fábricas para roubar seus trabalhadores qualificados.

 Houve muito barulho sobre a “falta de mão de obra” na fábrica de Ah-Ling. Que mão de obra faltava? Pulverizadores de tinta, trabalhadores não qualificados e trabalhadores de escritório estavam sendo contratados o ano todo. Tinta de pulverização é venenosa, cheira mal e é um trabalho árduo; o trabalho não qualificado requer muita força física. Demorou muito tempo para encontrar pessoas para esses trabalhos e nunca havia pessoas suficientes para fazê-las. O trabalho de escritório não era tão exigente, mas os salários eram mais baixos (um novo funcionário receberia um salário mensal de 1.600 yuans e teria que fazer uma hora e meia de horas extras não pagas por dia), então todos os antigos empregados saíram de lá e não havia pessoas novas suficientes para preencher seus postos. O que fazia o departamento de recursos humanos ficar nervoso o tempo todo.

No entanto, pouco depois de entrar na fábrica, Ah-Ling enfrentou uma “onda de demissões”. No final do ano, depois que os produtos de Natal foram exportados, de repente não houve mais negócios para a fábrica de Ah-Ling, então eles cancelaram as horas extras. Para a maioria dos trabalhadores que dependem de horas extras para ganhar a vida, isso, sem dúvida, é o mesmo que forçá-los a se demitir. Muitos trabalhadores comuns eventualmente decidiram sair. Seria de se esperar que isso fizesse o patrão feliz, já que ele economizava muito dinheiro que, de outra forma, teria sido gasto em compensações para trabalhadores demitidos. Mas, pelo contrário, ele não estava feliz, já que a redução dos trabalhadores comuns significava um aumento na proporção de pessoal administrativo. O patrão ordenou que todos os departamentos emitissem uma lista do pessoal demitido, para que a “capacidade do pessoal administrativo não fosse posta em causa”. O departamento da Ah-Ling, que anteriormente tinha mais de cem funcionários, perdeu mais de dez pessoas, deixando pouco mais de 80, incluindo quatro supervisores, dois supervisores-chefes e um gerente. Para provar sua “capacidade gerencial”, o gerente apresentou duas listas de funcionários demitidos. Os demitidos alegadamente receberam uma indenização de três meses de salário. Vale a pena ressaltar que as pessoas que eles queriam demitir trabalharam na fábrica por mais do que alguns anos. Houve até mesmo uma conversa sobre um funcionário que trabalhava na fábrica há 25 anos que “decidiu” desistir e não recebeu um centavo de remuneração.

É assim que uma “escassez de mão de obra” e demissões apareceram milagrosamente dentro de uma mesma fábrica.

Alguns dizem que essas demissões foram devido a uma situação econômica ruim e que o chefe sofreu grandes perdas. Mas todos sabem que, durante o período em que estavam fazendo fortunas, os chefes nunca aumentavam os salários por conta própria. Agora que a economia está supostamente em uma recessão, isso não significa que as empresas estejam perdendo dinheiro, mas apenas que não estão ganhando tanto quanto antes.

Tendo falado muito, eu só queria explicar uma coisa: não importa se o chefe reclama de uma “falta de mão de obra” ou demite as pessoas; em todo caso, é tudo sobre lucro. O chefe é mais fraco quando há menos trabalhadores, então ele não pode escolher e manipular os funcionários à vontade. Quando o negócio está bom, o chefe fala em “boa vontade e solidariedade”, “tratar a fábrica como uma família” e trabalho árduo; quando o negócio está ruim, o chefe tem que “aguentar o inverno”, então ele certamente está certo em despedir trabalhadores, deixando-os com frio e com fome.

Essa é a lógica do chefe.

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