Por um grupo de estudantes e professores
“uma casa tem porta-retratos
é passado e é futuro
é memória e História feita a muitas mãos
(…)
só pode decidir acabar com uma casa
quem não sabe o que é uma casa
(…)
uma casa que era um prédio abandonado
é uma trincheira da luta de classes”
– para a Ocupação Independente Aqualtune –
(Lucas Bronzatto)[1]
A ocupação independente Aqualtune existe há três anos no bairro de Pinheiros em um prédio que vinha abandonado já há oito anos. Funcionando como moradia para 13 famílias, o espaço é também sede de eventos culturais como saraus, peças de teatro e ainda de um cursinho popular pré-universitário.
No último dia 3 de junho, foi expedido o mandado de reintegração de posse do prédio, que ainda não foi cumprido mas pode sê-lo a qualquer instante, devolvendo o edifício à condição de ociosidade em que ele esteve por tantos anos antes de se tornar uma moradia.
A tensão das famílias tem se agravado com a iminência do despejo, por se tratar de uma ocupação independente, ou seja, sem nenhum vínculo com grandes movimentos sociais ou partidos políticos, constituída por poucas famílias, em sua maioria formadas por mães solteiras, adolescentes e crianças, localizada em uma região altamente valorizada e em pleno processo de gentrificação.[2]
A região da ocupação vem sendo atravessada por um processo de elitização que se evidencia no aumento da renda média dos habitantes e está ligado à construção de novas estações do metrô e à grande reforma do Largo da Batata. Tudo isso torna a situação de todos os moradores de baixa renda da área ainda mais vulnerável e demonstra a necessidade de apoio e visibilidade para conseguirem resistir a esse processo.
Ao resistir todos esses anos em um bairro central, a Ocupação Independente Aqualtune possibilitou que mais de uma dezena de famílias tivesse acesso a serviços de saúde, educação e cultura próximos ao seu local de moradia, algo que é negado à grande maioria dos habitantes de São Paulo.
Um aluguel em uma região que cumpra minimamente requisitos como “disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos” e “localização adequada (…) que ofereça oportunidades de desenvolvimento econômico, cultural e social”,[3] tal como estabelece a Declaração dos Direitos Humanos, pode ultrapassar 1.500 reais. Já o salário mínimo (garantia que só se aplica aos trabalhadores com carteira de trabalho assinada) é de menos de 1.000 reais. Para uma família composta por uma mãe solteira e cinco filhos, como a de Aline, moradora da Aqualtune, não há qualquer possibilidade de morar em um lugar com aquelas condições.
Quando se torna impossível a uma família pagar por condições de moradia digna, a única opção é ocupar. As famílias que hoje residem na ocupação, se tiradas de lá, teriam de ir a regiões periféricas, nas quais a ameaça de despejo e a violência estão constantemente presentes e o acesso a serviços básicos para a vida é altamente restrito e precário, isso se não fossem diretamente para a rua por não conseguir pagar qualquer aluguel.
No caso de Rafael Teixeira, outro morador da Ocupação Aqualtune, o aluguel não é uma opção. “Ou eu dou comida para os meus filhos ou eu alugo uma casa”, coloca. A situação da família de Rafael é especialmente complicada em decorrência da saúde de seu filho Pablo, que é diabético. Para comprar alimentos dentro das restrições do filho, que acabam por ser mais caros, é impossível pagar um aluguel. Sua última casa alugada se encontrava no Jardim José Bonifácio, na Zona Leste, região distante do centro, e o aluguel custava 500 reais. Quando o filho adoeceu e a esposa engravidou, os dois no hospital, foi impossível abarcar todos os custos e perderam a casa. “Agora que a gente tá se organizando, arrumando tudo direitinho, vem essa reintegração de posse”.[4]
Em situação similar se encontra a moradora Janaíra, mãe da menina Júlia, de quatro anos, que possui uma doença grave no intestino, cuja cura exige uma longa sequência de cirurgias. Júlia está passando por várias cirurgias, e a mãe não sabe ao certo se haverá ou não uma casa para a qual possa voltar após os procedimentos.
A Ocupação Aqualtune tem sido um importante espaço de cultura e sociabilidade para seus moradores e para a região, promovendo seminários, debates, saraus, peças teatrais e um cursinho popular. Nos últimos meses, dois saraus reuniram apoiadores e amigos contra a ameaça de despejo. Moradores e parceiros da ocupação também foram às ruas no início de junho e caminharam da Praça da Sé à Secretaria Municipal de Habitação em protesto. Recebidos para uma reunião, até hoje não receberam nenhuma resposta concreta do governo.
Fotos de Alexandre Maciel
Notas
[1] Texto publicado na página de Facebook da Aqualtune, escrito por um apoiador da ocupação.
[2] De acordo com a Enciclopédia de Antropologia (FFLCH), gentrificação refere-se a “processos de mudança das paisagens urbanas, aos usos e significados de zonas antigas e/ou populares das cidades que apresentam sinais de degradação física, passando a atrair moradores de rendas mais elevadas.” A chegada desses moradores, cativados pela infraestrutura, equipamentos culturais e pela localização privilegiada desses lugares, passa a demandar e consumir outros tipos estabelecimentos e serviços mais caros, o que provoca a valorização econômica da região, implicando a expulsão dos antigos moradores, impossibilitados de acompanhar a alta dos custos.
[3] Para mais informações, acessar: http://www.direitoamoradia.fau.usp.br/?page_id=46&lang=pt.
[4] Ponte Jornalismo – Ocupação Aqualtune: a escola abandonada que virou lar na zona oeste de SP (https://ponte.org/ocupacao-aqualtune-a-escola-abandonada-que-virou-lar-na-zona-oeste-de-sp/).