Por Leon Grunberg
Este artigo considera as inter-relações entre as relações sociais de produção, a segurança dos trabalhadores e a produtividade do trabalho. O argumento é o de que as relações sociais de produção influenciam diretamente a intensidade do trabalho (uma faceta da produtividade do trabalho), o que por sua vez influencia a taxa de acidentes na indústria (um aspecto da segurança dos trabalhadores). Essas relações são ilustradas com dados de uma comparação cuidadosamente controlada entre duas fábricas da Chrysler na Europa em 1976 (Poissy na França e Ryton na Inglaterra). Os dados são de fontes internas da empresa e são considerados bastante confiáveis. Eles mostram que Poissy tinha uma produtividade do trabalho maior do que Ryton, embora ambas produzissem o mesmo carro. Isso é parcialmente explicado pelas diferenças na intensidade do trabalho nas duas fábricas. A evidência sugere fortemente que uma razão fundamental dessa diferença reside na natureza contrastante das relações sociais de produção nas duas fábricas. Em Ryton os trabalhadores são mais organizados e mais militantes no chão de fábrica do que os trabalhadores de Poissy. Por fim, foi descoberto que a taxa de acidentes era cerca de sessenta vezes maior em Poissy do quem em Ryton, o que fornece forte sustentação às inter-relações propostas.
As inter-relações entre a segurança dos trabalhadores, a produtividade e as relações sociais de produção há tempos têm sido reconhecidas na literatura das ciências sociais (I, pp. 86-90), mas raramente têm sido submetidas a um estudo empírico sistemático. O objetivo principal deste artigo é examinar a natureza dessas inter-relações através da análise das descobertas de um estudo de caso crítico. Especificamente, o artigo argumentará, com base nas descobertas apresentadas, que há uma forte sustentação às três proposições que seguem: 1) há uma contradição entre a segurança dos trabalhadores e a produtividade dos trabalhadores em quaisquer níveis tecnológicos dados; 2) a melhor proteção à segurança e saúde dos trabalhadores vem de uma organização dos trabalhadores forte e efetiva no chão de fábrica; e 3) a proteção proporcionada aos trabalhadores até mesmo pela organização de chão de fábrica mais forte é circunscrita pelas leis de operação de um sistema econômico capitalista.
O artigo tem um objetivo paralelo. Ele apresenta o que espero que seja uma mensagem preventiva. Pois no atual clima de preocupação compulsiva com as comparações internacionais de produtividade (um economista proeminente (II) fala de “corrida de produtividade dos anos 1980”), e com empresários e a mídia exortando os trabalhadores a aumentar seu esforço no trabalho, poucos pararam para considerar as implicações que podem ter para a segurança dos trabalhadores. Em vez disso, tanto no chão de fábrica quanto no campo da legislação governamental, a tendência é se aproveitar da debilidade do trabalho (causada pelas recentes altas taxas de desemprego), e diluir as legislações e normas de segurança com vistas ao aumento da produtividade (III-V). É triste que ao lado de todas as comparações de taxas de crescimento econômico e de performance de produtividade, não haja comparações em relação à segurança no trabalho e a indicadores de saúde.
Segurança, Produtividade e as Relações Sociais de Produção
A tese deste artigo é a de que as tentativas de aumentar a produtividade através da intensificação do trabalho reduzirão a segurança dos trabalhadores e aumentarão a taxa de acidentes. Além disso, uma vez que a capacidade de intensificar o esforço do trabalho é determinada pelo balanço de poder relativo entre trabalho e capital (as relações sociais de produção), podemos conjecturar que a intensidade do trabalho e a taxa de acidentes serão maiores em situações em que as relações de produção favoreçam fortemente a gestão, do que naquelas em que o balanço de poder estiver mais inclinado aos trabalhadores.
Antes de explicar os detalhes do argumento, é importante especificar sua abrangência. Não me reporto diretamente à relação entre a produtividade do trabalho e a segurança. Como é normalmente entendido na literatura acadêmica, a produtividade do trabalho se refere ao output produzido por um dado número de homem-horas. Na literatura marxista, a produtividade do trabalho, productivity, é referida como a productiveness (VI, pp. 519-520). Em ambos os usos a referência é a contribuição feita à produtividade geral pelas condições tecnológicas de produção. As condições tecnológicas de produção incluem a escala da produção, o tempo de produção contínua, a qualidade e quantidade da maquinaria e os métodos de produção empregados (VII). A produtividade do trabalho, portanto, não significa, em nenhum dos usos, quão duro as pessoas trabalham. Variações no output produzido em condições tecnológicas de produção similares são denominadas eficiência do trabalho (VII), ou intensidade do trabalho (VI, p. 524). Neste artigo a expressão intensidade do trabalho é usada para se referir ao esforço dos trabalhadores no chão de fábrica.
A distinção feita acima é importante porque parece provável que aumentos na produtividade do trabalho (particularmente se tem a forma de substituição de trabalho por capital) leve a uma redução da taxa de acidentes. A tendência histórica parece confirmar essa relação (VIII, IX). Porém, essa relação pode ser atenuada se examinarmos os efeitos do aumento de produtividade numa definição alargada de saúde dos trabalhadores. Pois um trabalho recente (X) sugere que muitos dos desenvolvimentos tecnológicos que geram um aumento de produtividade podem também produzir efeitos à saúde graves e de longo prazo (por exemplo, o estresse psicológico e vários tipos de doenças associadas com agentes químicos e biológicos). Neste artigo não lido com essa área crucial, limito o argumento a acidentes e lesões.
O argumento
O argumento é baseado em duas relações. Primeiro, proponho que a intensidade do trabalho é determinada pelas relações sociais de produção de modo que quanto mais as relações sociais de produção favoreçam a gestão, maior será a intensidade do trabalho. Segundo, proponho que quanto maior a intensidade do trabalho, maior será a incidência de acidentes. Essas relações advêm diretamente de princípios marxistas e, na verdade, do senso comum. Muitos autores de extrema-esquerda as mencionam, mas pelo que me consta elas não foram cuidadosamente testadas.
Devemos começar entendendo a natureza da relação entre trabalhadores e controladores dos meios de produção, em condições de trabalho alienado[1]. No capitalismo, os trabalhadores vendem sua força de trabalho por um salário. Não há nada na natureza desse contrato que especifique quanto trabalho os trabalhadores farão no tempo contratado. A capacidade dos trabalhadores para trabalhar, diferente de outras “mercadorias”, não pode ser comprada de um modo preciso, pois sua capacidade está vinculada a seres pensantes e sencientes que individualmente e coletivamente possuem a capacidade de decidir, a cada dia e hora, quanto esforço despender e sob quais condições. Evidentemente esse poder discricionário é severamente constrangido pela forma que o capitalista organiza as condições sociais e tecnológicas de produção. Máquinas podem cadenciar o esforço dos trabalhadores (porém, mesmo nesse caso os trabalhadores não são passivos e podem influenciar a cadência da máquina), e um sistema de incentivos e sanções pode canalizar e encorajar o esforço (por exemplo, o salário por peça).
Braverman tratou bem esse assunto. Ele primeiro nota (XI, p. 55) que o capitalista encontra no “caráter infinitamente maleável do trabalho humano a fonte essencial para a expansão do seu capital”, e depois aponta (XI, p. 57):
A moeda do trabalho tem seu outro lado: comprando força de trabalho que muito pode fazer, [o capitalista] está ao mesmo tempo comprando uma qualidade e quantidade indefinida. O que ele compra é infinito em potencial, mas sua realização é limitada pelo estado subjetivo dos trabalhadores, pelas suas histórias prévias, pelas condições sociais gerais do empreendimento e pela configuração técnica do trabalho. O trabalho de fato realizado será afetado por esse e muitos outros fatores, incluindo a organização do processo de trabalho e as formas de supervisão sobre ele, se houver.
Uma vez que neste artigo foco principalmente na intensidade do trabalho e não nas condições tecnológicas de produção, o real esforço dispendido será determinado pela extensão com que os trabalhadores conseguem adentrar e limitar as prerrogativas e o poder do capital de determinar as condições sociais de produção. Em termos concretos a luta se dará em torno do grau que a gestão pode decidir de forma independente sobre o tamanho das equipes, a velocidade da linha, o nível de ruído e de calor, a duração dos intervalos de descanso, a distribuição de tarefas e a rotatividade dos trabalhadores nas tarefas, e na liberdade que a gestão tem de disciplinar e demitir os trabalhadores. No capitalismo, o balanço de poder sempre pende à gestão (os agentes de capital) por causa das características do modo de produção capitalista[2]. Claramente, organizações fortes de trabalhadores são capazes tanto de constranger esse poder quanto, como parceiros menores, determinar conjuntamente muitas das decisões listadas acima.
Porém, se o trabalhador estiver fraco no chão de fábrica, a gestão será mais facilmente capaz de aumentar a produtividade através da intensificação do trabalho. A intensificação pode envolver, por exemplo, uma aceleração da cadência de trabalho pelo aumento da velocidade das máquinas, ou um aumento do tempo trabalhado pela redução dos intervalos de descanso. Tais medidas tenderão a aumentar o número de acidentes. Além disso, em condições em que o poder da gestão não é confrontado, tenderá a haver menos atenção à segurança e maior exposição ao risco (por exemplo, trabalhadores serão movidos de uma atividade a outra sem o treinamento adequado). É esse, portanto, o argumento. Em que medida ele pode ser empiricamente embasado?
Notas
[1] Por trabalho alienado me refiro às condições nas quais os trabalhadores não controlam diretamente o processo e o objetivo da produção. As economias do tipo soviética também se qualificariam como tais, embora eu não trate delas neste artigo.
[2] Tanto as estruturas institucionais do sistema (por exemplo, a lei e o aparato estatal) quanto a primazia do investimento de capital em desencadear e perpetuar o desenvolvimento econômico, trabalham para assegurar o domínio geral do capital, o qual, é claro, contrata e demite os gestores.
Referências
I. Marx, K. Capital, volume 3. International Publishers, New York, 1967.
II. Thurrow, L. C. The Zero Sum Society. Penguin Books, Middlesex, 1981.
III. Nyden, P. J. Miners, MI. President, are not slag. New York Times, January 24, 1981, p. 21.
IV. Gordon, D. M., and Naples, M. I. More injuries on the job. New York Times, December 13, 1981, p. EY 31.
V. Maling, J. J. The cost of economies. Sunday Times (London), October 19, 1980, p. 21.
VI. Marx, K. Capital, volume 1. International Publishers, New York, 1967.
VII. Pratten, C. F. Labour Productivity Differentials within International Companies. Cambridge University Press, Cambridge, 1976.
VIII. Cordon, D. M. Capital vs. labor. In American Society, Inc., edited by M. Zeitlin. Rand McNally, Chicago, 1977.
IX. Oi, W. Y. On the economics of industrial safety. Law and Contemporary Problems 38(4): 669-699, 1974.
X. Coye, M. J. Crisis: Control in the workplace. A review of three major works in occupational health. Int. J. Health Serv. 9(1): 169-183, 1979.
XI. Braverman, H. Labor and Monopoly Capital: The Degradation of Work in the Twentieth Century, Monthly Review Press, New York, 1974.
Publicado originalmente em International Journal of Health Services, Volume 13, Número 4, 1983, Baywood Publishing Co., Inc., e traduzido por Leo Vinicius.
Devido a questões editoriais o Passa Palavra dividiu o artigo em três partes. Leia aqui a segunda parte e aqui terceira parte.