Por Leon Grunberg

O Estudo de Caso

Como já salientei, muito pouco trabalho empírico sistemático foi feito para testar essas relações. Grande parte do trabalho de pesquisa no campo da segurança no trabalho tendeu a se concentrar nas características físicas e psicológicas do trabalhador ou nas características físicas e tecnológicas das indústrias. No primeiro caso a análise é no nível do indivíduo e tende a buscar correlações que possam explicar variações em taxas de acidentes entre indivíduos. Resultados desses estudos indicam que alguns indivíduos têm propensão ao acidente e são responsáveis por alguma proporção (80% é o número mais citado frequentemente) de todos os acidentes industriais (12, pp. 108-115). A tese da “propensão ao acidente”, que sobreviveu na literatura por mais de cinquenta anos, afirma que é o comportamento dos trabalhadores, na forma de atos inseguros, que produz a maioria dos acidentes e lesões na indústria. Essa visão da causalidade de acidentes, com sua fortíssima ênfase psicológica e individualizante, foi atacada em bases conceituais, empíricas e ideológicas (12-15).

O outro tipo de estudo compara taxas de acidentes entre indústrias e ocupações. As variáveis causais nesse caso são as condições físicas e tecnológicas do ambiente de trabalho. Os resultados desses estudos não são surpreendentes e mostram, por exemplo, que indústrias de extração de madeira são mais perigosas do que fábricas de automóvel (16). Nenhuma dessas abordagens alcança os fatores que estamos interessados — nomeadamente, aqueles que compreendem as relações sociais de produção.

O nível apropriado de análise para testar nossa hipótese está no nível da empresa ou da fábrica. Idealmente, deve-se comparar várias empresas ou fábricas com diferentes relações sociais de produção, que operam no mesmo ramo industrial e que produzem produtos similares com métodos de produção e níveis tecnológicos similares. Além disso, deve-se tentar controlar o tamanho da fábrica e várias características da força de trabalho, como a idade e a experiência no trabalho, uma vez que esses fatores têm se mostrado correlacionados a taxas de acidentes (9). Um estudo empírico de larga escala empregando esses controles coloca o pesquisador diante de uma enorme tarefa de coleta de dados. Não estou sequer certo de que seja possível tal estudo no atual estado de informação disponível. Talvez tão útil quanto isso seja uma comparação rigorosa de duas fábricas que possuam relações sociais de produção diferentes mas que sejam iguais nos outros fatores (por exemplo, setor industrial, tecnologia, produto).

O estudo de caso que será reportado aqui vai de alguma forma ao encontro desses exatos requisitos. Ele envolve a comparação de duas antigas subsidiárias da Chrysler da Europa: a Chrysler do Reino Unido e a Chrysler da França[3]. A comparação é particularmente apropriada porque as duas subsidiárias faziam o mesmo produto, o carro C6, quando a equipe de engenharia de produção da Chrysler foi instruída a comparar a produtividade do trabalho das fábricas Ryton (Chrysler do Reino Unido) e Poissy (Chrysler da França) em 1976. A comparação das duas fábricas foi ainda mais facilitada porque a Chrysler do Reino Unido adotou um novo sistema de registro de lesões relacionadas ao trabalho em 1977, o qual, nas palavras de uma publicação oficial da Chrysler do Reino Unido, permitiria “uma comparação rigorosa da performance entre o Reino Unido e as operações da companhia”[4].

As descobertas relevantes da comparação mostram: 1) a fábrica de Ryton produzia o carro C6 em 36,42 homem-horas enquanto a fábrica de Poissy produzia o mesmo carro em 28,98 homem-horas, uma diferença de 7,44 homem-horas; e 2) a fábrica de Poissy tinha uma realidade de lesões do trabalho, medidas pela taxa de severidade, que era mais de sessenta vezes maior do que a da Chrysler do Reino Unido e era de uma ordem de magnitude ainda maior quando comparada com a fábrica de Ryton.

Antes de tentar explicar essas notáveis descobertas, precisamos examiná-las mais detalhadamente. Diferenças de produtividade entre empresas diferentes do mesmo setor industrial podem ser explicadas recorrendo a diferentes tipos de variáveis. O primeiro tipo se refere ao que chamo de condições tecnológicas de produção. Parte da diferença de produtividade entre empresas pode ser explicada por diferenças de fatores técnicos como escala, qualidade e quantidade de máquinas, tempo de produção contínua e métodos de operação (7, 19, 20). O outro tipo de explicação de diferenças de produtividade interempresas foca nas diferenças nas condições sociais de produção. Isso inclui número de trabalhadores, cadência e duração do trabalho e vários tipos de práticas de gestão do trabalho. Ambos os tipos de variáveis têm explicado as diferenças de produtividade interempresas (20).

Os engenheiros de produção da Chrysler tentaram desagregar as diferenças de homem-horas por carro entre as duas fábricas, nesses dois tipos de variáveis. Como pode ser visto na Tabela 1, eles dividiram as homem-horas por carro em “tempo básico” e “tempos extras”. Como aproximação, podemos assumir que os fatores computados no tempo básico representam as condições tecnológicas de produção, e os vários extras representam as condições sociais de produção. O tempo básico foi calculado medindo a performance padrão com um cronômetro em ambas as fábricas. A diferença no tempo básico entre as duas fábricas foi então ajustada para compensar as diferenças nas instalações (por exemplo, a maquinaria), nos métodos de trabalho e no produto[5]. Em outras palavras, uma tentativa foi feita para controlar a maioria das diferenças de condições de produção tecnológicas. Os vários tempos extras refletem as homem-horas adicionais que são calculadas, e/ou negociadas, no tempo total. Representam tanto um reconhecimento pela gestão de que eventos não previsíveis podem aumentar o tempo para produzir um produto quanto o poder dos trabalhadores de desafiar com sucesso as metas de trabalho definidas pela gestão. Porém, devo salientar que essa divisão em tempo básico (isto é, condições tecnológicas) e tempos extras (isto é, condições sociais) não é sempre clara ou rígida, primeiramente porque o processo de fabricação é um sistema total no qual há interações complexas entre os componentes técnicos e humanos. Assim, por exemplo, enquanto a gestão da Chrysler do Reino Unido tendia a atribuir o maior tempo extra de balanceamento de linha e de reparos na Ryton às práticas restritivas da força de trabalho, os trabalhadores tendiam a afirmar que ele era um reflexo justo do menor tempo de produção contínua e de máquinas mais antigas. As dificuldades de atribuir corretamente diferenças de produtividade a um ou a outro tipo de variável são, a meu ver, inerentes a qualquer comparação de fábricas que não são idênticas, para além de algumas variáveis.

Tabela 1

Comparação da produtividade do trabalho entre Ryton (Chrysler do Reino Unido) e Poissy (Chrysler da França) em homem-horas por carro (C6 Modelo Básico), 1976[a].

Fatores calculados em tempo total

Fábrica Tempo básico Tempo extra de balanceamento de linha Tempo extra de reparo Tempo extra de descanso Tempo extra por excesso de velocidade Tempo total
Ryton (Chrysler do Reino Unido) 20,44 4,52 5,40 4.65 1,41 36,42
Poissy (Chrysler da França) 20,70 2,73 2,22 2,42 0,91 28,98
Diferença entre Ryton e Poissy[b] 00,26 (1,79) (3,18) (2,23) (0,50) (7,44)

[a] Fonte: Adaptado dos registros internos da Chrysler do Reino Unido; dados preparados pela equipe de engenheiros de produção.
[b] Números em parênteses indicam que a Ryton leva aquele tempo a mais do que Poissy.

Mesmo assim, penso que a evidência na Tabela 1 é bastante consistente para indicar que a intensidade do trabalho era menor em Ryton que em Poissy. Por exemplo, Poissy tinha tempo extra por excesso de velocidade menor porque a gestão da Chrysler da França tinha a capacidade de aumentar a velocidade da linha de produção para recuperar perdas por panes. Os trabalhadores da Chrysler do Reino Unido não permitiam que isso acontecesse, aumentando assim as homem-horas requeridas para dar conta da produção perdida. Além disso, os engenheiros de produção afirmavam que a equipe de reparo em Ryton era subutilizada devido à baixa velocidade da linha de produção (o que reduzia a taxa de panes). Em contraste, a equipe de reparo na França não fazia apenas reparos como também ajudava na operação da linha de produção. Os trabalhadores em Ryton não teriam nada disso. Mesmo quando não havia reparo a ser feito, a equipe de reparo não trabalhava na linha de produção. De acordo com a gestão, isso criava uma situação em que havia oitenta homens a mais do que previa o orçamento de recursos humanos designado para o setor de reparos.

Talvez o indicador mais revelador da diferença de intensidade do trabalho nas duas fábricas possa ser visto através da comparação dos tempos extras de descanso. Olhando mais de perto os tempos extras de descanso comparativos (Tabela 2), podemos ver que os operários em Ryton tinham mais de duas vezes mais tempo de descanso por semana do que os operários em Poissy. Os operários em Ryton tinham permissão para pausas para o chá e para inícios mais tarde e términos mais cedo, o que os operários em Poissy não tinham. Os operários em Ryton tinham mais tempo para descansar do que era formalmente reconhecido no contrato (246-257 minutos por semana em vez de 226), enquanto que os operários em Poissy tinham menos (107,7 em vez de 177,7 minutos). Os operários em Poissy tinham tempo (uma média de 70 minutos por homem por semana) gasto inutilmente durante panes contado como tempo de descanso e subtraído dos seus tempos de descanso reconhecidos. Em Ryton o tempo de pane era contado como tempo de não trabalho, extra, para os operários. Eles insistiam na obediência da totalidade dos seus tempos de descanso reconhecidos.

Tabela 2

Comparação do tempo extra de descanso entre a Ryton (Chrysler do Reino Unido) e a Poissy (Chrysler da França), 1976[a].

Descanso por homem Ryton Poissy
Minutos de trabalho por semana 2400 2400
Tempos extras reconhecidos 226 177,7
Descanso real 246,6-257,7 107,7
Descanso obtido durante panes 70

[a] Fonte: Adaptado dos registros da Chrysler do Reino Unido; dados preparados pela equipe de engenheiros de produção.

Em suma, os operários em Ryton passavam menos tempo trabalhando do que os de Poissy, e o trabalho era realizado numa cadência mais lenta. Além disso, eles possuíam uma capacidade bem maior de influenciar as condições de trabalho do que os operários em Poissy. Um engenheiro de produção que entrevistei me deu alguns exemplos concretos dessa capacidade:

Se precisamos de dez homens de um setor que tem vinte e cinco para fazer hora extra, o pessoal responde que temos que pegar todos os vinte e cinco ou nenhum. Se quisermos um turno de fim de semana, eles pedirão uma garantia de longo prazo para o trabalho aos fins de semana antes de concordarem. Se um engenheiro de produção calcula que cinco homens são necessários para fazer um trabalho, o sindicato dirá seis. E eles frequentemente ganham. Em praticamente todos os casos em que o processo de trabalho está sendo mudado, os sindicatos britânicos demandam negociações; na Chrysler da França eles apenas obedecem.

O que quer que esse tipo de poder indique, ele demonstra o envolvimento ativo dos trabalhadores no estabelecimento das condições das suas vidas no trabalho. É, portanto, difícil imaginar que a mesma proatividade e envolvimento não se manifestariam sobre questões de segurança. Uma análise dos registros das disputas da Chrysler do Reino Unido (à qual voltarei) mostra um número notável delas dizendo respeito às condições de trabalho, e especificamente às preocupações com a segurança. Nada disso aparentemente acontecia na Chrysler da França. A menor intensidade do trabalho e a maior vigilância sobre questões de segurança na Chrysler do Reino Unido ajudam em muito a explicar a notável disparidade nas taxas de acidentes entre a Chrysler do Reino Unido e a Chrysler da França.

As estatísticas comparativas de acidentes se repetem. Pegando 1977, o ano no qual a Chrysler do Reino Unido adotou o sistema de registro de acidentes do grupo Chrysler, encontramos que a taxa de gravidade foi 4,5 para a Chrysler do Reino Unido, 72 para o grupo Chrysler como um todo (16 vezes maior) e 292 para a fábrica de Poissy (mais de 60 vezes maior). A taxa em Ryton era tão baixa, menos de um, que a diferença entre ela e Poissy é astronômica (18, 21). Não forneço quadros exatos para os outros anos por conta de pequenas diferenças nos procedimentos de registros e de definições entre as fábricas, mas é seguro dizer a partir das estatísticas que os padrões seguem o de 1976, o ano da comparação da produtividade[6].

Qual é então a explicação para tais diferenças na produtividade e na segurança entre duas fábricas produzindo o mesmo produto e pertencentes à mesma multinacional? Penso que podemos descartar várias explicações possíveis. Embora houvesse diferenças significativas nas condições tecnológicas de produção, com Poissy possuindo instalações e máquinas mais avançadas, esse fato não dava conta de toda a diferença de produtividade. Mesmo após os engenheiros de produção controlarem essas diferenças, eles ainda encontraram diferenças grandes e identificáveis na intensidade do trabalho das duas fábricas. Além disso, do que se sabe sobre causalidade de acidentes, deveríamos esperar que fábricas com razões maiores de capital em relação ao trabalho tivessem uma taxa de acidentes mais baixa, uma vez todo o resto sendo igual. Outra explicação possível tem a ver com a diferença de tamanho entre Poissy e Ryton. A Poissy é uma fábrica muito maior, empregando perto de trinta mil trabalhadores, em comparação com os mais de mil da Ryton em meados dos anos 1970. Acho que a maior escala em Poissy pode ajudar a explicar em parte a maior produtividade, mas novamente isso só explicaria uma parte da diferença de produtividade. No que diz respeito à relação entre o tamanho da fábrica e a taxa de acidentes, as evidências são inconclusivas mas parecem mostrar que os estabelecimentos maiores tendem a ser mais seguros (9, pp. 687-688).

Outro tipo de explicação poderia focar nas diferenças de características da força de trabalho nas duas fábricas. A idade tem revelado ser inversamente correlacionada com a incidência de acidentes na indústria. Porém, a média de idade dos trabalhadores das duas fábricas é de cerca de 40 anos. Permanece no entanto uma diferença real e significativa entre os trabalhadores das duas fábricas: em Poissy cerca de 40% da força de trabalho e 80% dos operários da linha de produção são estrangeiros. Muitos dos quais eram imigrantes. Nada comparável existia em Ryton. A importância desse fato é que muitos desses trabalhadores poderiam ser inexperientes no trabalho de fábrica e, portanto, mais propensos a sofrer acidentes na indústria (9, p. 686; 12, p. 110). Porém, os dados não mostram uma diferença significativa na média de permanência no serviço entre os trabalhadores em Poissy e em Ryton. Embora os trabalhadores imigrantes em Poissy tendessem a ser recrutados com contratos de um ano, esses contratos geralmente eram renovados todo ano. Como argumentarei mais adiante neste artigo, a importância da alta proporção de trabalhadores estrangeiros e imigrantes pode ser melhor compreendida quando examinada no contexto das relações sociais de produção em Poissy.

A meu ver a evidência fortalece muito a proposição de que a diferença na intensidade de trabalho e no registro de acidentes nas duas fábricas é amplamente explicada pela diferença nas relações entre a gestão e os operários no chão de fábrica. O contraste entre as duas fábricas (e subsidiárias) não podia ser mais forte. Um indicador claro da natureza da relação entre trabalhadores e gestão é o registro de disputas. A gestão da Chrysler da França e o grupo Chrysler afirmavam com certo orgulho que sequer uma única disputa havia ocorrido na Chrysler da França desde 1947 (22). Trata-se de um fato notável dada a natureza da indústria e a história das relações industriais. Em contraste, a Chrysler do Reino Unido possuía uma longa história de disputas. Particularmente significante nesse contexto era a alta frequência de paralisações de trabalho de curta duração (abaixo de quatro horas) que envolviam um punhado de homens. A Tabela 3 resume os resultados de dois estudos internos sistemáticos conduzidos na Chrysler do Reino Unido. Os dados mostram claramente a dificuldade que a gestão tinha para controlar a força de trabalho. A força de trabalho, no chão de fábrica, contestava constantemente a gestão a respeito das condições de trabalho (incluindo a segurança), da disciplina (era preciso 18 advertências antes que um trabalhador pudesse ser demitido), do número de pessoas nas equipes e da cadência de trabalho. Paralisações curtas são consideradas muito prejudiciais à produtividade e lucratividade porque interrompem o fluxo de produção, aumentam os custos de inicialização do processo e às vezes requerem hora extra para dar conta da produção perdida (23). Assumindo um ano de trabalho de 260 dias, a Chrysler do Reino Unido tinha uma média de cerca de duas pequenas paralisações por dia. Na Chrysler da França a gestão tinha o comando livre no chão de fábrica. Os operários podiam ser facilmente movidos de uma atividade para outra, as negociações sobre as atribuições de cada trabalhador raramente ocorriam, a ação disciplinar encontrava pouca resistência sindical (era preciso apenas três advertências para demitir um trabalhador) e a gestão estava livre para alterar a velocidade da linha de produção (22). Essa diferença no poder relativo dos trabalhadores é, afirmo, a razão fundamental da diferença nas intensidades de trabalho (e, portanto, de parte da diferença de produtividade geral) nas duas fábricas.

Tabela 3

Registro de disputas com pequenas paralisações da Chrysler do Reino Unido[a].

Porcentagem de horas perdidas[b] Número de paralisações
Causa 1973 / 1974 1973 / 1974
Alocação de trabalho e pessoas 15,5 / 42,0 124 / 183
Condições de trabalho e supervisão 14,7 / 14,2 151 / 131
Questões sindicais 17,9 / 17,2 65 / 101
Disciplina e demissão 19,5 / 6,8 47 / 38
Duração e distribuição da jornada 5,7 / 5,6 32 / 70
Salário e ganhos extras 16,2 / 13,1 36 / 58
Salário extra e benefícios adicionais 3,6 / 0,4 24 / 5
Outras 6,8 / 0,7 21 / 14
Total 100,0 / 100,0 500 / 600

[a] Fonte: Registros internos da Chrysler do Reino Unido preparados pelo Departamento de Motivação e Produtividade.
[b] Representa 125.078 horas de um total de 1.750.403 horas em 1973 e 194.069 horas de 581.259 em 1974.

Para entender as razões das relações gestão-trabalhadores altamente incomuns na Chrysler da França e como elas afetavam a segurança, preciso discutir brevemente as características do sindicato que existia lá. A Chrysler da França era dominada pela Confederation Française du Travail (CFT), um sindicato amarelo considerado de direita (24-26). O sindicato tinha poucos filiados nacionalmente, mas aparecia com força na Chrysler da França, na Peugeot e na Citröen. Considerado uma criação patronal, seu status representativo é recusado pelo governo francês (27). A CFT é acusada de irregularidades em votações e fraudes em eleições de fábrica, de receber instrução e dinheiro das empresas, de usar a intimidação física de gangues para reprimir qualquer oposição entre os trabalhadores, de demitir trabalhadores por motivos inapropriados e de usar ameaças de demissão para pressionar os trabalhadores a aumentarem a produtividade, em suma, essencialmente de proteger os interesses da gestão em vez dos interesses dos trabalhadores (25-28). Um gestor da Chrysler da França concordou que o clima favorável de relações industriais se devia à CFT, a qual, em suas palavras, adotava uma “atitude de cooperação. Eles participam e não contestam todo dia”. É no contexto de uma organização dos trabalhadores muito fraca que devemos entender a presença de um grande contingente de trabalhadores estrangeiros e imigrantes. Muitos são recrutados no norte da África com contratos de um ou dois anos. A Chrysler da França pode ela mesma decidir a requisição ou não do prolongamento dos vistos. Diante de uma gestão que tem tal poder sobre eles, e impossibilitados de buscar proteção de uma genuína organização de trabalhadores, não é surpreendente que, nas palavras de um gestor que entrevistei, “há poucos problemas de comportamento no trabalho”. Não é por serem estrangeiros ou inexperientes que se explica fundamentalmente o registro de acidentes ruim, mas sim sua fraqueza e a alta intensidade de trabalho que resulta disso.

Essa interpretação é apoiada também por evidências coletadas por um grande sindicato comunista, a Confederation General du Travail, e pelos comentários do engenheiro de produção que participou na comparação de produtividade. Alguns dos casos que a Confederation General du Travail documentou incluem: trabalhadores sendo advertidos ou demitidos por se recusarem a serem movidos de uma atividade para outra ou por incompetência no trabalho (isto é, por serem incapazes de seguir a velocidade da linha de produção); retorno à atividade antes do trabalhador estar completamente recuperado de uma lesão; recusa da gestão em transferir pessoas para atividades menos árduas após lesão ou adoecimento; e alteração pela gestão do balanceamento da linha de produção e das atribuições de cada um para confundir a força de trabalho e intensificar o trabalho (28). Nas palavras de um médico que foi demitido da Chrysler da França por falar abertamente, a instrução da gestão à equipe médica era “não interfira na produção” (26, p. 10). O engenheiro de produção também deu exemplos de práticas de trabalho perigosas em Poissy: “Em Ryton um trabalhador não pode operar uma prensa sem uma série de controles, por exemplo, uma grade de proteção. Na Poissy vimos operadores sentando ao lado das prensas sem absolutamente nenhuma proteção e com as prensas descendo a centímetros de suas cabeças”. Como ele apontou, eufemisticamente, “na França eles conseguem muito mais” (29).

Esse estudo de caso possui muitas características que o tornam incomum. De certa forma, contudo, isso pode ser uma vantagem. As diferenças extremas nas relações sociais de produção e a semelhança entre as duas fábricas em termos de quem é o seu proprietário e qual é o produto produzido facilitaram enormemente a comparação e o exame das relações que conjecturamos no início deste artigo[7]. Porém, claramente há necessidade de mais pesquisas para testar sistematicamente essas relações. Uma estratégia frutífera é multiplicar o número dessas comparações de fábricas cuidadosamente equiparadas do mesmo setor industrial ou talvez pertencentes à mesma multinacional. No último caso, eu esperaria diferenças igualmente dramáticas nas relações trabalho-gestão, na intensidade do trabalho e no registro de acidentes entre fábricas que operam em países subdesenvolvidos e aquelas localizadas em economias capitalistas avançadas. O grande obstáculo para realizar esse tipo de estudo é conseguir acesso a informações detalhadas das empresas. Tive sorte a esse respeito. O problema do levantamento de dados também surge se se adota a estratégia de pesquisa alternativa de realizar um estudo empírico envolvendo um grande número de casos num setor industrial. Mesmo nesse caso, porém, acho que estudos úteis podem ser realizados. Já existem vários estudos que examinam a relação entre produtividade e a sindicalização (como sendo representativa das relações sociais de produção), com controle para a proporção capital-trabalho empregada e outras variáveis relevantes (30). Não deve ser muito difícil estender a análise para incluir taxas de acidente comparativas.

Notas

[3] A Chrysler da Europa foi comprada pela Peugeot-Citröen em 1978. Muito dos dados apresentados aqui vieram de fontes internas da empresa (documentos e indivíduos). A maior parte do trabalho de coleta de dados foi realizado para uma pesquisa maior (17).

[4] Veja a referência 18. Antes dessa época, embora as definições de taxas de acidentes não fossem idênticas, eram parecidas o bastante para se fazer comparações brutas.

[5] Exemplos de diferenças de instalações e métodos incluem a aplicação manual de adesivos para abafamento de ruídos na Chrysler do Reino Unido versus pulverização com máquina na Chrysler da França, e o uso de uma máquina multisolda para os chassis na Chrysler da França versus o uso de trabalho manual na Chrysler do Reino Unido. Deve-se destacar que existem cerca de 20 mil operações envolvidas na produção de um carro e os engenheiros de produção de modo algum examinam todas elas. Portanto, não é surpreendente que os representantes dos trabalhadores ficaram insatisfeitos com essa parte do estudo, afirmando que os ajustes feitos eram insuficientes. Porém, isso não invalida os resultados do resto do estudo uma vez que os engenheiros compararam cuidadosamente os extras categoria por categoria.

[6]Não forneço os quadros das taxas de frequência (que medem o número de lesões por 200 mil horas trabalhadas) porque não posso ter certeza de que definições idênticas foram usadas na Chrysler da França e na Chrysler do Reino Unido. Contudo, as taxas da Chrysler do Reino Unido e do grupo Chrysler eram comparáveis para 1977 e são as que seguem: Chrysler do Reino Unido 0,5, e grupo Chrysler 7,5 (18). Para informação dos leitores, a taxa de frequência da Chrysler da França foi de 194 em 1977. A taxa de severidade expressa o número de dias perdidos devido a lesões relacionadas ao trabalho por 200 mil homem-horas trabalhadas.

[7]Pretendo reexaminar essas relações levantadas como hipóteses nas duas fábricas num futuro próximo, devido às mudanças dramáticas no clima sociopolítico nos dois países desde meados dos anos 1970.

Referências

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4. Gordon, D. M., and Naples, M. I. More injuries on the job. New York Times, December 13, 1981, p. EY 31.

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Publicado originalmente em International Journal of Health Services, Volume 13, Número 4, 1983, Baywood Publishing Co., Inc., e traduzido por Leo Vinicius.

Leia aqui a primeira parte do artigo e a terceira parte aqui.

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