Por Arthur Moura
“Isso aqui é uma casa de amigos. Não é casa de beligerância.” Assim definiu a CPI das Fake News o presidente, senador Angelo Coronel (PSD-BA), que imediatamente teve a anuência do deputado Filipe Barros (PSL-PR). E de fato, num dos poucos momentos em que a verdade esteve presente na CPI das Fake News, o presidente tem muita razão nessa afirmação. Ainda que seja constrangedor avaliar e mesmo tecer comentários sobre tal CPI, devemos pensar a natureza de sua existência para que o principal não passe batido.
Poderíamos facilmente definir este tipo de comissão parlamentar como um espetáculo no sentido definido por Debord em seu livro clássico. Não vou me alongar aqui sobre tal conceito já exaustivamente divulgado por diversas correntes de esquerda desde o surgimento dos situacionistas. O filme A Sociedade do Espetáculo está facilmente acessível no YouTube e, para quem ainda desconhece a obra, é de suma importância para avançar na compreensão da dinâmica do mundo do capital. O contato com as explanações certeiras de Debord, que também não poupa a “esquerda” de críticas ao seu modo vil de funcionamento, como a crítica aos partidos políticos, é apenas o primeiro caminho para compreender os modos de atuação dos nobres parlamentares que iludem os trabalhadores por meio de catarses e discordâncias enfáticas, mas que são parte do jogo sujo do poder institucional e que nem chegam a fazer grandes esforços para transparecer qualquer credibilidade.
Por um lado, os reacionários e fascistas que não passam de criminosos e mafiosos (gente perigosa) e que não têm qualquer pudor em continuar defendendo a produção de teorias absurdas normalizando o fascismo a ponto de se tornar algo aceitável. Por outro, uma esquerda absolutamente xucra, impotente e cínica. É o chorume político se manifestando. Por isso, ainda assim tal definição (a do espetáculo) seria uma forma precária de avaliar tal questão; confortável e — por que não? — óbvia! É claro que nada ali é feito para ser resolvido, pois não é esta a função de uma CPI que apenas formalmente recorre a uma função investigativa, publiciza, gera notícias e debates (que é o ponto favorável e que pode apontar para uma resolução de fato dessa contradição social se apropriada pelo campo popular de forma crítica). Os sorrisos e a tranquilidade dos parlamentares são sintomáticos e apontam para a fragilidade do jogo que estão ali convenientemente jogando e, ainda que aos berros em alguns momentos (pois o espetáculo precisa dessa dinâmica para acontecer), estão muito satisfeitos por estarem aos modos da lei e das regras da burguesia.
Este tipo de manifestação responde a uma necessidade meramente institucional e, por ser gritante a atuação de milícias virtuais, os parlamentares se veem na obrigação de gerar algum tipo de posicionamento e resposta ainda que ineficaz no combate à proliferação de notícias falsas. Por isso, a afirmação do presidente da CPI é uma das poucas manifestações de fato verídicas no show de horrores manifesto nas quase seis horas de vídeo disponível no canal da Câmara dos Deputados. Allan dos Santos, da condição de “investigado”, incrivelmente foi o mais beneficiado pela CPI. Ganhou ainda mais visibilidade capitalizando as polêmicas para continuar seu serviço porco de ridicularizar os outros e falar o que realmente pensa sobre tudo e, sempre que possível, fez habilmente a propaganda do seu canal Terça Livre, o que automaticamente aumenta seus rendimentos e repercussão. O seu modo cínico e cretino de atuar é uma forma de potencializar suas ações meticulosamente programadas. Allan dos Santos ganhou notoriedade pela virulência do seu discurso de ódio aos setores de esquerda, sem qualquer apego à ética e valores razoáveis no que diz respeito a tratar dos problemas sociais que pretensamente visa relatar em seu “jornalismo”. Se pudéssemos definir aqui rapidamente, Allan é um criminoso, mas mais que isso. Allan é um típico fascista midiático sem qualquer pudor em seus posicionamentos. O mero fato da sua existência e, claro, da sua militância ativa pró-fascismo é o suficiente para um combate frontal contra o seu “jornalismo”, pois numa sociedade que se pretende justa e horizontal o fascismo é força a ser eliminada com o uso direto da força sem qualquer apelo emotivo ou a negociações.
Allan, como Bolsonaro e todos os nobres deputados de direita ali presentes, são inimigos de classe. Mas o debate sobre classes, história ou qualquer crítica sociológica séria é completamente ausente na CPI, por óbvios motivos. Nesse sentido, os parlamentares de esquerda ou centro ou seja lá o que for estão ali para completar o recheio do bolo, dar consistência e legitimidade ao espetáculo, pois são absolutamente inofensivos aos fascistas ali presentes. Pelo contrário, são amigos e desejam algum tipo de negociação possível para fazer valer a assertiva certeira do presidente da CPI. A natureza da CPI, portanto, é confundir ainda mais o que é verdadeiro ou falso sem qualquer pretensão da busca pela verdade, pois não está presente nos debates nada que aponte para isso.
“Casa de amigos”, da conciliação, do entendimento e da traição. Interessante é como esse “espetáculo” continua a exercer atração fatal aos oportunistas e a a enganar incautos. O fascínio dos oportunistas, como situam-se no terreno da luta interburguesa, dá para entender mas, é triste ver jovens se mobilizando em torno desse teatro de hipocrisias. E vejam que Marx já denunciava a “doença peculiar que desde 1848 vem grassando em todo o continente, o cretinismo parlamentar, que mantém os elementos contagiados firmemente presos a um mundo imaginário, privando-os de todo senso comum, de qualquer recordação de toda compreensão do grosseiro mundo exterior – foi necessário passar por esse cretinismo parlamentar para que aqueles que haviam, com suas próprias mãos, destruído todas as condições do poder parlamentar, e que tinham necessariamente que destruí-las em sua luta com as outras classes, considerassem ainda como vitórias as suas vitórias parlamentares e acreditassem ferir o presidente quando investiam contra seus ministros. Deram-lhe apenas a oportunidade de humilhar novamente a Assembléia Nacional aos olhos da nação.” (O 18 de Brumário de Louis Bonaparte)