Por Zeca Riben

O uso do WhatsApp no Brasil tornou-se tão difundido que o programa ganhou inclusive o apelido pelo qual é mais conhecido: Zap. Apesar de a expressão ser um brasileirismo, a bem da fluidez do estilo optamos por manter a grafia.

Após uma noite de insônia, procurando mentalmente uma resposta para a apatia generalizada de algumas organizações (sic) de esquerda diante de problemas concretos com soluções plausíveis – vejam bem, não estou me referindo a arrecadar milhões em dinheiro, derrubar presidentes ou montar uma força armada! –, cheguei à fácil conclusão de que a culpa é do Zap.

Os grupos de Zap podem até servir para trocar nudes, descarregar a raiva contra o time de futebol, compartilhar stickers, cativar a briga entre os parentes, fingir que as amizades da infância continuam vivas e, por que não?, potencializar manifestações quando a revolta está generalizada, precisando apenas de uma fagulha para explodir. Mas eles não servem para construir organizações militantes.

Quais são os tipos que se juntam em um grupo de Zap com a finalidade de construir uma organização militante?

1) o opinoso que não faz porra nenhuma; 2) o voyeur das lutas; 3) o isolado do mundo que faz do grupo de Zap a sua ponte para o passado; 4) o gênio que apresenta “soluções” e depois some; 5) a galera do flerte; 6) o ingênuo que acha que o grupo de Zap é um lugar de aprendizado e, claro; 7) o que se estressa a todo o momento, pois nada de concreto acontece. Há muitos outros tipos, pois a lista não é exaustiva, e obviamente há intersecções entre eles, mas é o último tipo, talvez em conjunto com o ingênuo, que desperdiça tempo e energia em algo sem futuro.

Diante do imobilismo, esses dois tipos tendem a culpar o momento histórico, a mídia, o judiciário, o petê, o fascismo, às vezes até os coleguinhas… e cada coisa dessas deve ter mesmo uma parcela da responsabilidade. Porém eles são tão dependentes (quimicamente?) do Zap que não conseguem ver o óbvio: o desgaste é em vão. E, por não perceberem que estão no lugar errado, gastam ainda mais tempo e energia, e ficam ainda mais decepcionados quando tentam, através desta ferramenta, motivar os demais, pois quase sempre recebem em troca o silêncio, muito rapidamente rompido pelo fluxo de memes e desabafos.

Simplesmente, o fluxo do Zap não permite a construção coletiva, no máximo uma votação urgente, marcar uma reunião de última hora ou realizar encaminhamentos simples. Mas é ilusão pensar que se pode fazer um bom debate ali, assim como o grande número de pessoas online – e até mesmo participando dos “debates” – não significa nenhuma forma de engajamento, de compromisso ou de disponibilidade.

Na real, o Zap não é conveniente, e aqui está a maior ilusão. A sua praticidade, na verdade, nos tira a obrigação de reservar um tempo mínimo do dia (às vezes não precisamos de mais do que 30 minutos) para as atividades militantes, para a leitura ou para construir algo verdadeiramente coletivo. O Zap é, no máximo, um decantador de ideias, algumas até boas.

O sujeito está no ônibus participando ao mesmo tempo de três grupos, ou na sala de aula, ou no trabalho, ou sei lá onde, e isso o consome, logo, passa uma sensação de “missão cumprida”, pois tira-o espiritualmente por alguns minutos daquele presente imediato, entediante ou massacrante, mas jamais o coloca com a intensidade necessária na construção a que ele pensa estar se dedicando.

Mas qual o resultado de tanto tempo e energia desperdiçados, para além da tendinite? O que realmente importa vai se acomodar no fundo, ficará perdido às vezes para sempre, pois é o que tem peso, o que dá trabalho de carregar, é o que nos lembra que é preciso ir além. Faça o seguinte exercício: escolha um grupo de Zap, esfregue o dedo na tela do seu celular, faça uma retrospectiva dos debates que se passaram e veja quantas coisas foram propostas e até encaminhadas, porém quase nada foi realizado.

Ora, entre as organizações que participo, tenham elas caráter estritamente militante ou não, somente funcionam aquelas que abandonaram o Zap em definitivo e instituíram reuniões periódicas (podem ser virtuais, funcionam também, acreditem na tecnologia!), voltaram a usar os e-mails e adotaram outras plataformas para construir as atividades, textos e demais ações coletivas.

Por isso, imploro: dissolvam imediatamente os grupos de Zap! Fiquem apenas naqueles onde não há pretensões para além do prazer imediato. Sejam honestos consigo e com os demais. Ajudem aqueles que querem construir algo a ver o real tamanho do desafio: somos poucos e precisamos de nos encontrar urgentemente, antes que a apatia também nos domine, ou quem sabe outras coisas piores.

O artigo foi ilustrado com obras do pintor surrealista René Magritte

11 COMENTÁRIOS

  1. Hitler confidenciou, em privado, que «as massas só se deixam conduzir quando estão fanatizadas» e Perón explicou aos patrões reunidos na Bolsa do Comércio de Buenos Aires que «a massa mais perigosa é a massa inorgânica». Mas na segunda metade do século XX deixaram de ser necessários os comícios que reuniam as massas nos mesmos espaços de histeria, porque a importância assumida pela televisão na vida corrente tem como efeito mobilizar e fanatizar massas cujos elementos se mantêm fisicamente isolados. Este processo culminou na superação da televisão pelas redes sociais, que conseguem isolar fisicamente cada pessoa e, ao mesmo tempo, inseri-la em espaços ideológicos massificados. Aliás, as redes sociais reproduzem o sistema que nas últimas décadas se difundiu nas relações de trabalho, em que o recurso à electrónica permite a obtenção de economias de escala crescentes sem exigir a concentração dos trabalhadores nos mesmos espaços físicos. Da uberização do trabalho passou-se para a uberização mental e, por aí, para a uberização política.

  2. REVOLUÇÃO E CONTRARREVOLUÇÃO, QUANDO O FUTURO ACABOU:
    Che Guevara, o guerrilheiro fotogênico e algo menos boquirroto que Fidel Castro, jogou no ventilador: “O dever de todo revolucionário é fazer a revolução!”
    O p.b.r. (pequeno burguês radicalizado) jacobino terceiromundista daquele então sentiu-se pessoal e intransferivelmente convocado pela história (com H, s’il vous plaît).
    Leitores mais ou menos foquistas de Régis Debray, heróis e mártires autopresumíveis do mundo uniram-se: arma da crítica & crítica das armas davam-se as mãos. E – (re)começando na Bolívia, depois do fiasco da ‘insurreição’ congolesa – Guevara foi aprisionado e executado, para alívio de marxistas-leninistas de toda laia.
    Não havia álibis: redes sociais, uber etc. Mas o roteiro era o de sempre: revolução derrotada ou, quando ‘vitoriosa’, logo se descobria que aquela fantochada não era senão mais uma reestruturação capitalista…

  3. Boaaa!! Ainda vale ressaltar a enorme miséria mental que o zap causa.Dado que o Zap também executa a competição “desigual e combinada” entre os indivíduos nos grupos (um ranking real dos “influencers”), isso produz toda sorte de ressentimentos.

    No mundo das ideias, é difícil imaginar o pensar com tantas notificações chegando aos kilos, cascatas de mensagens, do nascimento de mais uma sobrinha a algum golpe de algum país mundo afora. Sem falar nas reais impossibilidades de privacidade e segurança.

    O Zap tem lá suas funções, conexões familiares funcionam bem. Ou não. Coletivos ou aglomerados de indivíduos que querem querem derrubar o capital, difícil mesmo dar certo no Zap.

  4. Provavelmente meu comentário não será aprovado, site proto-pós-moderno é difícil de se comentar. Já parou pra pensar nos minutos (espero que tenham sido minutos de fato) gastos pra escrever essa porcaria? olha aí gente, vocês não estão na Finlândia, finquem o pé na mandioca e pensem na hora de escrever. Há de se hierarquizar os assuntos, não temos tempo pra perder com futilidades e insignificâncias como essa, poderia ter escrito algo sobre acumulação, a transnacionalização galopante e estão mais uma vez se enveredando pelas imbecilidades pra, ironicamente, ganharem compartilhamentos em grupos de esquerda no zap, é por um que vim parar aqui, inclusive. Façam um favor a vocês mesmos, mantenham pautas irrelevantes escondidas no site e destaquem as relevantes, já é a terceira vez que apareço nesse site pra ler bobagem.

    “A sua praticidade, na verdade, nos tira a obrigação de reservar um tempo mínimo do dia (às vezes não precisamos de mais do que 30 minutos) para as atividades militantes, para a leitura ou para construir algo verdadeiramente coletivo.” ESPERO mais ainda que ele não ache que esse texto foi uma “militância”.

    Até mais…

  5. O comentarista que assina como “Alan” deve viver um curioso paradoxo. Ao tempo em que critica um texto que propõe retomar construções coletivas concretas, e acusa de “proto-pós-moderno” um site que publica um texto que, segundo o próprio comentarista, recebeu num grupo de WhatsApp, ele esperava algum texto com temas mais “duros” e, de certo modo, abstrusos para o tipo de público menos versado no jargão conceitual da economia marxista. Ora, sendo ele versado neste jargão, e tendo a cultura que demonstra ter, está em posição de produzir tal reflexão e encaminhar para o site. Mas não a faz. Prefere aguardar a produção de um texto, que certamente compartilhará nos grupos de WhatsApp de que participa. A que ponto chegamos!

  6. Zeca Riben, dando seguimento ao tema postado por ti, e escorregando para outros lados, solto texto de uma boa polêmica entre o time matrix/Riot e o Moxie (desenvolvedor e lorde supremo do fechado Signal). Como meu inglês é pra lá de sofrível não traduzi, li usando deepl, compartilho aqui pois o tema proposto por ti é pra lá de relevante.

    No mais, grato Zeca pela abordagem pedagógica…acabei “usando” também para certos compas que imaginam o Telegram como refúgio para lutadores,mas enfim, cada um enfia o pé no formigueiro que escolhe.

    Link para On Privacy versus Freedom https://matrix.org/blog/2020/01/02/on-privacy-versus-freedom/

  7. O zap é um otimo app. A questão é que ele não é seguro ou adequado para comportar organizações políticas. A sua dinâmica em si já impede esquematicidade. Por isso assino embaixo de Zeca Riben. ABANDONEM O ZAP! Há recursos melhores para se organizar com camaradas de luta. Sugiro também que leiam as colunas sobre cuidados digitais que o PassaPalavra tem publicado.

  8. passei mais tempo pensando em um nome do que refletindo sobre o texto,acho que isso diz muito sobre meu comentario.

    Em qual rede social se constrói algo “verdadeiramente coletivo” ?
    Tentando seguir sua logica de raciocínio,as “atividades militantes” (?) não se constrói com a “intensidade necessária” em um ambiente virtual.
    O telegram,por exemplo, só se diferencia do zap na logica de segurança (bem duvidosa) das informações.
    O zap serve para aquilo que ele se propõem,que certamente não é construir nada de fato concreto. A praticidade tem disso,né

  9. Caro colega com o nome extenso, participei de uma mobilização de estagiários no Rio de Janeiro. Não teríamos dado um sequer passo em direção a uma organização de estagiários se não tivessemos feito um chamado via grupos de zap, cuja finalidade era decidir onde faríamos ato para cobrar nossos salários, quem levaria faixa, cartazes, além de conversar sobre nossas tretas com a burocracia da secretaria de educação. O limite de nossa organização estava dado uma vez que mesmo o zap tendo sido um fator que nos uniu, estagiários de várias escolas, ao mesmo tempo a sua dinâmica dificultou em muito conseguirmos mobilizar reuniões para pensar em pautas de médio e longo prazo. Resumindo, o zap deu conta de uma necessidade imediata, mas não foi através dele que conseguimos nos aproximar para além do ato específico sobre o nosso salário. Hoje o grupo ainda existe mas é tão disperso que parece grupo de família. E essa dinâmica é muito própria do zap mesmo. Receio que não tenhamos como escapar da necessidade do zap, mas continuaremos errando se acreditarmos que algo de bom resultará de uma organização que se estabelece nele.

  10. O whatsApp é uma maravilha da narureza tecnológica que está quebrando conceitos, preconceitos, multinacionais de telecominicações, a cara de políticos canalhas etc etc… Por isso, “a ordem agora” é desconstruir, obstruir e impedir o pobre a ter acesso barato à comunicação, notícias, entretenimento a custo zero! Vamos desconstruir o Zap.

  11. “Custo zero”, em telecomunicações, se chama zero rating. É a política que Google, Facebook e outros estão usando para fazer a internet “chegar aos mais pobres”: a empresa banca o custo de conexão, às vezes também a infraestrutura física (cabos, centrais de comutação e controle, servidores etc.). O resultado de curto prazo: “Youtube de graça”, “WhatsApp ilimitado”, “Instagram sem gastar crédito” etc. O resultado de médio prazo: gigantes da internet que bancam certos conteúdos chegarem aos mais pobres oligopolizam a produção de conteúdo na internet, ou transformam-se no(s) único(s) meio(s) de fazer conteúdos (quaisquer conteúdos) chegarem aos “mais pobres’. O resultado de longo prazo: na medida em que os mais pobres, graças ao “acesso barato à comunicação, notícias, entretenimento”, trafegam por dentro das redes destas gigantes da internet, deixando registrados com elas seus dados de navegação, que terminam sendo usados para criar perfis de usuário a serem usados por estas empresas na venda de propagandas direcionadas. Tudo isso, claro, a “custo zero” para o usuário. Lembrem-se sempre: na internet, se há um serviço sendo prestado a “custo zero”, a mercadoria não é o serviço prestado — a mercadoria é você.

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