Por Angry Workers of the World

O texto abaixo foi publicado originalmente em novembro do ano passado, intitulado “FACTORY OCCUPATION! Temporary and permanent Honda workers in Manesar, India”, quando a ocupação em questão estava ainda em curso. Embora ela tenha já terminado, resolvemos ainda assim traduzi-lo e publicá-lo no Passa Palavra. Na próxima quarta-feira publicaremos outro texto sobre o mesmo processo de luta. Esse segundo texto tem uma perspectiva a posteriori da ocupação e permite ter uma visão de conjunto dos acontecimentos.

Os elos subterrâneos globais da luta de classes nem sempre são visíveis de imediato. Nós vemos ondas de protesto irrompendo no Chile, Honduras, Iraque e Líbano, que não se relacionam entre si de nenhuma forma óbvia. Ainda que não exista nenhuma comunicação massiva consciente entre esses movimentos (até agora), nós podemos assumir de forma razoável que eles sejam mais do que só o resultado das desacelerações econômicas, das oscilações globais que têm impactado negativamente o consumo da classe trabalhadora.

Essas lutas pegam dicas umas das outras, como exemplos passados já nos mostraram. Quem se lembra dos trabalhadores imigrantes do Norte da África em greve que bloquearam o depósito da TNT na Itália durante a assim chamada Primavera Árabe gritando “Abaixo Mubarak, abaixo os patrões”? Eles sentiam que se os pobres podem encarar um estado policial “em casa”, eles certamente poderiam encarar uma empresa global de logística. Quem se lembra dos trabalhadores da Maruti Suzuki em Manesar, que deixaram sua fábrica após cinco dias de uma greve de ocupação em 2011 e que, ao voltarem ao mundo externo viram que o Occupy havia acampado em Wall Street ao mesmo tempo, disseram: “Parece que a nossa luta se espalhou!”?

A atual ocupação da planta da Honda em Manesar tem sua própria história e pontos de referências locais. Os trabalhadores mais velhos da fábrica provavelmente se lembram do brutal ataque da polícia em 2005,[1] pouco tempo depois de a fábrica ser inaugurada. Eles talvez se lembrem da greve selvagem dos trabalhadores temporários em 2010[2] depois que o sindicato dos trabalhadores efetivos se estabeleceu. Os temporários deram um golpe contra um acordo entre a gestão e o sindicato que os excluía e baseava o bônus dos trabalhadores efetivos em aumentos de produtividade que eram espremidos dos temporários. Muitos devem ter tirado suas referências da ocupação conjunta de temporários e terceirizados em 2011 da planta Maruti Suzuki da vizinhança[3] ou da onda de ações selvagens em 2014.[4]

E mais uma vez há ligações para além da experiência local. A indústria automobilística está no coração de uma crise global, não apenas em termos de lucros ou vendas, mas também quanto à legitimidade de todo seu sistema de poluição e exploração. Portanto não é coincidência que haja uma ofensiva operária recente no setor dos dois lados do muro EUA-México. As zonas econômicas especiais do México foram chacoalhadas por greves selvagens na cadeia de suprimentos.[5] Essas lutas do lado “mal remunerado” do muro encorajariam os trabalhadores da General Motors nos EUA a atacar, poucos meses depois, o sistema divisivo de duas camadas ao qual seu sindicato havia aderido.[6]

Enquanto amplos setores da esquerda ainda se focam nos “representantes do mal”, personificados por Trump ou Modi, ou nos “salvadores” na forma de Corbyn ou Sanders, os trabalhadores devem dar passos para além da representação, e estão dando. Ao longo dos últimos meses, seus protestos questionaram tanto governos “esquerdistas” na Bolívia quanto governos “de direita” na Hungria. O que nos falta é uma reflexão coletiva das dinâmicas internas e da dimensão global dos protestos atuais. Nos falta uma visão de como ir além do enfrentamento com as forças do Estado e imaginar uma tomada coletiva dos meios para produzir uma vida melhor. É por isso que lutas como a ocupação em curso na fábrica da Honda pelos trabalhadores são de uma importância essencial. Eles estão literalmente ocupando os meios de produção e, ao fazê-lo, encontrando novas formas de desenvolver conhecimento coletivo.

Nossas informações envolvendo esses recursos são fragmentárias, nós dependemos de camaradas que visitaram os trabalhadores nos portões e que estão em contato com eles através do WhatsApp, e uns poucos artigos e vídeos publicados na imprensa.[7]

A luta

As vendas das scooters e motos da Honda estão em queda. Os gestores planejavam demitir os trabalhadores empregados por terceirizadas antes. Alguns deles haviam trabalhado lá por dez anos. A administração conversava sobre uma dispensa de três meses, após a qual eles considerariam readmitir os trabalhadores — ao evitar uma demissão formal, eles podiam se livrar de gastar com um pagamento redundante. Os primeiros trabalhadores foram demitidos em bloco. Alguns trabalhadores empregados através de terceirizadas reagiram com um boicote à cantina em outubro, o que teve um significativo peso simbólico.

Há ao todo 4 mil trabalhadores empregados, 2500 deles através de terceirizadas. A planta tem uma capacidade anual de 1,5 milhões de unidades. A produção foi recentemente cortada em 50 por cento. Os temporários recebem por volta de 14,000 rupias [moeda indiana] por mês, enquanto os efetivos recebem de quatro a cinco vezes mais. Ainda que o abismo salarial tenha provado ser uma ferramenta confiável para dividir e governar, atualmente os trabalhadores efetivos estão descontentes em função das negociações salariais atrasadas. Eles expressaram solidariedade com a ação dos temporários.

5 de Novembro

A gerência impede a entrada de 400 trabalhadores empregados por terceirizadas. Dentro, alguns trabalhadores tentam começar um protesto de sit-down [sentar-se no chão] em frente ao escritório do sindicato. Negociações entre o sindicato, a gestão e o governo não tiveram resultados. A empresa colocou no portão a cópia de uma decisão judicial dizendo que os trabalhadores devem ficar a 200 metros de distância do portão, mas eles não dão nenhuma atenção.

6 de Novembro

O turno do dia começa com uma greve de sit-down dentro da fábrica às 11h30. A polícia chega e ameaça trabalhadores individualmente. O turno da tarde é liberado para entrar na fábrica e junta-se ao sit-down, enquanto o da manhã recusa-se a sair. Milhares estão dentro e 300 trabalhadores se reúnem do lado de fora do portão. Há um total de 2500 trabalhadores terceirizados trabalhando na Honda.

7 de Novembro

A gerência circula entre os trabalhadores efetivos um aviso de que os terceirizados estão envolvidos em uma greve de sit-down ilegal e que por isso a produção está suspensa. Eles pedem aos efetivos que fiquem em casa. A gerência para de abastecer a comida das cantinas, os trabalhadores levam comida aos portões. O sit-down continua.

10 de Novembro

Há ainda 2 mil trabalhadores dentro. A gerência publica o seguinte anúncio:

Caros colaboradores,
Em função da situação trabalhista existente na fábrica, as operações foram suspensas e a planta permanecerá fechada até futura notificação.
Atenciosamente,
Naveen Sharma
AGM – Assuntos Gerais
Planta de Manesar

Ilustram este artigo obras do artista indiano Tyeb Mehta.

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