Por João Bernardo
Tanto na economia como na política a pandemia não criou nada de novo, apenas reforçou e apressou, ou tornou mais visíveis, tendências que estavam em curso. As boas almas indignam-se pelo facto de a covid-19 ter exposto as desigualdades sociais, como se essas desigualdades não fossem evidentes no dia a dia antes dos estragos do coronavírus. Quem descobre agora o que já antes existia, só revela a sua própria miopia, e é possível indicar algumas tendências que a pandemia reforçará.
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Desde a domesticação do fogo e a invenção da roda que não surgiu uma técnica tão plástica e com utilizações tão variadas como aquela constelação de inovações que tem por centro a internet e os computadores pessoais, incluindo os microcomputadores de bolso a que se chama anacronicamente telemóveis (celulares).
Antes de mais, esse complexo de técnicas há-de generalizar a compreensão do dinheiro como instrumento de transmissão de informações. A cibernética permite avançar neste sentido, enquanto ciência da informação e, ao mesmo tempo, ciência dos novos processos de produção. É através da cibernética que podemos ver a íntima ligação entre o dinheiro, na sua função de transmissor de informações e organizador de sistemas de troca, e as relações sociais de produção. A internet possibilita a fusão ou a conexão entre os meios de pagamento e as redes interbancárias, incluindo a criação bancária de dinheiro. «Os sistemas de pagamento», observou recentemente Matthieu Favas «destinam-se mais a transferir informação do que dinheiro» [1]. Eu diria antes que o dinheiro consiste precisamente nessa informação, e este complexo está unido, pela internet, ao uso da electrónica nos processos de produção. Ora, a pandemia, aumentando a frequência e a importância do trabalho à distância e o volume de compras pela internet, estimulou a utilização e a versatilidade dos meios de comunicação electrónicos, com inevitáveis consequências sobre a infra-estrutura electrónica do dinheiro.
Num artigo que publiquei neste site em Setembro do ano passado expus sumariamente alguns dos traços mais marcantes deste modelo linguístico do dinheiro [2]. Se recordarmos que Roman Jakobson e Jean Pierre Faye conceberam a linguagem como articuladora das relações sociais, podemos considerar o dinheiro como uma linguagem, já que ele tem a mesma função articuladora. O dinheiro exprime as relações sociais e, ao mesmo tempo, exerce um efeito de feedback. Nisto consiste a sua função articuladora e, tal como a linguagem, o dinheiro serve ainda para perverter a informação. Talvez seja mesmo a função mais comum das palavras, a de ocultar em vez de indicar, a tal ponto que o primeiro passo da análise crítica é o de, mediante palavras, passar além das palavras. No capitalismo o dinheiro, se serve para veicular as informações que estruturam a sociedade, serve igualmente para ocultar as relações de exploração. Vejamos como isto sucede.
A mais-valia resulta do facto de o tempo de trabalho incorporado na força de trabalho ser menor do que o tempo de trabalho que a força de trabalho é capaz de despender no processo de produção. Os trabalhadores lutam para reduzir esse dispêndio, mas os capitalistas recuperam e absorvem essas lutas mediante um processo duplo.
– Por um lado, aumentam as qualificações dos trabalhadores e a intensidade do trabalho, de modo que numa jornada que, medida pelo relógio, pode durar menos horas, os trabalhadores desenvolvem uma actividade que representa mais tempo de trabalho. Para empregar termos técnicos, uma hora de trabalho complexo é um múltiplo de uma hora de trabalho simples.
– Por outro lado, o aumento da produtividade, resultante desse aumento das qualificações dos trabalhadores e da intensidade do trabalho, tem como efeito que os bens consumidos pelos trabalhadores representam menos tempo de trabalho do que representavam na fase de produtividade anterior. Em média, os trabalhadores vivem cada vez melhor, no sentido absoluto da palavra, porque podem consumir cada vez mais bens de consumo. Mas o aumento da produtividade no fabrico desses bens faz com que cada um deles resulte de um tempo de trabalho sempre mais reduzido.
Assim, devido ao aumento das qualificações e da intensidade da jornada, os trabalhadores despendem cada vez mais tempo de trabalho; e simultaneamente incorporam cada vez menos tempo de trabalho, devido à crescente produtividade no fabrico dos bens de consumo. A mais-valia resulta deste duplo processo.
Ora, uma das funções centrais do dinheiro no capitalismo consiste em ocultar esse processo, porque o dinheiro refere-se aos preços e não aos valores medidos em tempo de trabalho. O dinheiro é transparente para os preços, mas é opaco em tudo o que diga respeito aos tempos de trabalho, e assim dissimula o processo de exploração. Nesta função o dinheiro revela-se como linguagem, indicando e encobrindo. É lamentável que a esquerda de tradição marxista se deixe aprisionar no jogo de espelhos da linguagem e defenda que a taxa de lucro tenda permanentemente a baixar — se assim fosse, já estaria negativa há muito tempo. Essa gente lê valores nos preços, quando os preços só ocultam os valores enquanto tempo de trabalho.
O aumento da produtividade é o requisito básico do capitalismo, sem o qual o processo de extorsão de mais-valia não poderia prosseguir. Por isso o capitalismo é o primeiro modo de produção que pressupõe como condições indispensáveis — e inseparáveis — o crescimento económico e a mobilidade social. Assim, outra das funções do tipo de dinheiro próprio do capitalismo, função indissociável das restantes, é a de constituir uma ponte entre o presente e o futuro. No capitalismo, o dinheiro possibilita um tipo específico de informação, que é a previsão. O crédito é isto mesmo.
Mas é necessário diferenciar o crédito no capitalismo das formas de crédito anteriores. Relações sociais diferentes exigem tipos de dinheiro diferentes, com regras de funcionamento diferentes. Como pretendo manter alguns leitores até ao final do artigo, não vou entrar aqui nas dificuldades do Kula das Ilhas Trobriand nem noutras modalidades arcaicas não menos complexas, por exemplo nas Novas Hébridas (hoje Vanuatu), e limito-me a esboçar muito simplificadamente a forma de crédito que, com as letras de câmbio, se desenvolveu tardiamente no regime senhorial europeu, numa situação de escassez de moeda metálica. Num lugar X, o mercador-banqueiro A adiantava a outro mercador, B, uma certa soma em moeda local. B emitia então uma letra, a sacar sobre C, que era uma pessoa ou firma activa no lugar Y, em benefício de outra pessoa ou firma, D, indicada por A e também estabelecida em Y. Nos casos mais simples, C era um correspondente de B, e D era um correspondente de A. Na realidade o circuito tornou-se mais complicado e mais plástico, devido aos endossos e às diferenças cambiais existentes entre os diversos lugares [3], mas o que importa aqui destacar é o carácter circular desta forma de crédito, adaptada à ausência de crescimento económico. O capitalismo herdou as letras de câmbio, como herdou outros tipos de dinheiro, mas somente como técnicas, distintas do sistema em que se haviam antes inserido. No capitalismo o aumento da produtividade é uma exigência estrutural, por isso o crédito já não supõe a circularidade e, pelo contrário, supõe o crescimento.
No capitalismo o dinheiro é um instrumento de transmissão — ou encobrimento — de informações projectado no tempo, operando a ponte entre o presente e o futuro. Sem a antecipação de lucros futuros, esses lucros seriam impossíveis, e nesta perspectiva uma crise, tanto de toda a economia como de uma única empresa, não resulta de uma disfunção no presente, mas de um colapso num processo temporal. Todo o palavreado, hoje corrente na esquerda, em torno de noções como «capital fictício», «financeirização do capital», «especulação», etc., é absurdo, porque ignora a função antecipadora do dinheiro, enquanto previsão do crescimento. Mas são absurdos que essa esquerda não pode dispensar, porque o «capital fictício» é o contraponto lógico da «baixa da taxa de lucro», como se o capitalismo vivesse da sombra do fumo.
Quando se refere ao dinheiro no capitalismo a esquerda adopta uma perspectiva arcaica. Já Marx fizera o mesmo, e a noção de dinheiro em O Capital é estritamente mercantilista. Se não o fosse, Marx não se teria envolvido em tantos erros como lhe sucedeu ao tratar da transformação de valores em preços. A esquerda mantém-se prisioneira destes limites e, no fundo, indigna-se pelo facto de o capitalismo não funcionar com a modalidade mercantilista de dinheiro. Embora muitos destes ideólogos vivam confortavelmente nos campi universitários, mentalmente vivem nas sociedades do passado. A esquerda é com frequência anacrónica, e infelizmente não só no que diz respeito ao dinheiro.
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O complexo de técnicas que tem como centro a internet e os computadores pessoais permitiu também dar um passo além do toyotismo, que tornara as economias de escala independentes da concentração dos trabalhadores no mesmo espaço físico. Agora, é o próprio espaço físico que em grande medida pode ser abolido e substituído pelo espaço virtual. O trabalho à distância, incluindo o ensino à distância, não é mais do que a consequência óbvia da crescente omnipresença do espaço virtual, que tem sido impulsionada pelo distanciamento social imposto pela pandemia. Este é um domínio que o capitalismo mal começou a explorar, e que desde já parece ilimitado. Assim, em vez de se anunciar como uma catástrofe, a covid-19 abrirá ao capitalismo possibilidades de acumulação e de reprodução sem precedentes.
A questão tem um alcance muitíssimo mais vasto, já que aquele novo complexo de técnicas propiciará uma modernização intelectual, pela superação da ideia oitocentista de matéria. Modelos de pensamento que foram inaugurados na física no início do século vinte irão agora difundir-se na economia e na vida política. Aliás, quando a cibernética esclarece a função do dinheiro no capitalismo e quando a electrónica serve de suporte ao dinheiro, é já a concepção oitocentista de matéria a ficar ultrapassada. O apego à noção mercantilista de dinheiro não é mais do que um resquício da noção arcaica de matéria.
Prosseguindo nesta perspectiva, verificamos que perdeu o fundamento a clássica divisão da economia em três sectores. A agro-indústria veio conferir eficácia ao sonho stalinista dos kolkhozes, reorganizando os sistemas de trabalho no campo e aplicando à agricultura técnicas fabris que antes haviam sido exclusivas da indústria. A separação entre agricultura e indústria só mantém razão de ser para a pequena agricultura familiar, que ou é sustentada artificialmente por razões políticas ou representa um estigma do subdesenvolvimento. Desapareceu igualmente a separação entre indústria e serviços. Por um lado, a electrónica e os computadores, que se incluíam nos serviços, tornaram-se indispensáveis não só à maquinaria fabril como igualmente aos processos sociais de trabalho na indústria, e assim os serviços passaram para o interior da indústria. Por outro lado, o fabrico mediante a impressão 3D opera o percurso inverso, passando a indústria para o interior dos serviços. A superação dos três sectores clássicos não parou aqui, porque a electrónica e os computadores são necessários à agro-indústria, tanto no que diz respeito à maquinaria como à monotorização por drones da aplicação de pesticidas.
Gera-se assim uma completa recomposição da classe trabalhadora, obedecendo a duas dinâmicas simultâneas. Uma é a superação dos três sectores económicos tradicionais e a sua fusão numa esfera única. A outra é a importância crescente assumida pelo trabalho no espaço virtual. Isto significa que de uma ponta a outra da economia é uma mesma classe trabalhadora que está em actividade, unificada por uma infra-estrutura tecnológica comum e, portanto, com processos de trabalho tendencialmente convergentes. A recomposição da classe trabalhadora não é inédita, embora os marxistas, apesar de invocarem sempre a história e a dialéctica, esqueçam com frequência a dialéctica histórica posterior a Março de 1883. Os trabalhadores retratados por Dickens não são os mesmos que ocupam os romances de John Dos Passos, nem os trabalhadores de Roger Vailland frequentam as páginas de Bukowski.
A nova recomposição da classe trabalhadora deixa patente algo que escapa à compreensão de muitos marxistas, o carácter imaterial das relações sociais e o facto de o trabalho produtivo ser determinado pela posição ocupada nos processos de exploração e não pelo fabrico de objectos que caiam no chão em virtude da força da gravidade. São as relações sociais, e não a força da gravidade, a definir o trabalho produtivo. E os trabalhadores que laboram em espaços virtuais e produzem bens virtuais estão agora na ponta do processo de extorsão da mais-valia relativa, quer dizer, ocupam as fronteiras últimas do capital em expansão.
Assim, enquanto o capitalismo recupera e absorve os conflitos sociais e cria campos tecnológicos novos, onde a exploração da força de trabalho assume uma amplitude sem precedentes, porque não lhes conhecemos sequer os limites, muitos na esquerda julgam que a pandemia está a acelerar a morte do capitalismo. Funesta ilusão.
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Valerá a pena perder tempo com essa gente? Em parte, sim. Tal como sem se prestar atenção às Igrejas evangélicas e neopentecostais não se pode entender a ascensão de políticos como Trump ou Bolsonaro, e sem levar a sério o salafismo e o wahhabismo não se pode entender o Estado Islâmico nem o Boko Haram, também sem considerarmos a religiosidade laica dos devotos de São Marx não poderemos entender alguns dos aspectos nefastos daquilo a que tenho chamado fascismo pós-fascista.
Quando a covid-19 começou a alastrar, as primeiras reclamações com que deparei contra as medidas de quarentena e distanciamento social provinham de algumas franjas do esquerdismo, ocupadas por anarquistas ou libertários. «Comparativamente, a gripe sazonal é muito mais mortífera», afirmou no dia 3 de Março o órgão da Federação Anarquista francesa, classificando também «as medidas tomadas para limitar a propagação da covid-19» como «decisões liberticidas» [4]. Confundindo a liberdade com o egoísmo e a disciplina com a opressão, era natural que reclamassem contra uma intromissão abusiva no direito pessoal de serem contaminados e de contaminarem.
Pelo contrário, poderíamos imaginar que a extrema-direita e os fascistas, partidários de um Estado forte, aplaudissem medidas governamentais geradoras de novas obrigações. No entanto, em mais de metade das capitais de estados dos Estados Unidos as manifestações contra as medidas de quarentena têm-se devido a certas correntes de extrema-direita que naquele país se chamam confusamente libertarians, libertárias, o que significa que recusam toda a extensão do poder de Estado. Reúnem supremacistas brancos e anti-semitas, e alguns acusam mesmo os judeus de espalharem deliberadamente o vírus [5].
Se pode parecer paradoxal que a extrema-direita reclame contra a autoridade do Estado, as surpresas não terminam aqui, porque em Londres manifestantes antiquarentena e antivacina protestaram contra as medidas sanitárias, erguendo cartazes que exigiam «liberdade» [6], e também em França a maior hostilidade às vacinas se encontra entre a esquerda que segue Mélenchon e entre a extrema-direita seguidora de Marine Le Pen [7].
Mas é na Alemanha que mais longe chega a convergência entre extremos, e em várias grandes cidades, desde meados de Abril, os protestos contra o confinamento reuniram aos fins de semana um número crescente de pessoas, entre dez mil e quinze mil. Por um lado atraíram algumas correntes hoje conotadas com a esquerda, como ecologistas devotos da menina Greta Thunberg e outros ecologistas, ou os mesmos, contrários às vacinas, e ainda vegans seguidores de Attila Hildmann, mas por outro lado atraíram também partidários da extrema-direita populista e anti-imigrantes, incluindo os dirigentes da AfD e, mais radicalmente, neo-nazis e anti-semitas e a sua expressão vociferante, os hooligans do futebol [8]. Embora uma organização da esquerda anti-racista tivesse criticado essas manifestações, inclusivamente organizando contramanifestações [9], o certo é que uma sondagem feita para a revista Der Spiegel revelou que quase 1/4 dos alemães as tolerava [10], e mesmo que elas mobilizassem apenas «uma minoria diminuta», uma jornalista destacou o facto de «formarem uma amálgama ideológica que supera muito a divisão esquerda / direita» [11]. Historicamente, é esta a sua importância.
Em Espanha a situação parece diferente da alemã, já que os protestos de rua contra o confinamento se iniciaram em Madrid num bairro habitado pela camada que os sociólogos denominam classe média alta. Mas, se analisarmos com cuidado, o substrato político é idêntico. O partido fascista Vox, que recentemente beneficiou de uma notável ascensão, tem recordado nos últimos dias que a sua génese se deveu aos grandes movimentos informais de cólera que suscitaram o partido de esquerda Podemos, um pouco como — para os leitores brasileiros que tenham dificuldade em situar o Brasil no mundo — o Movimento Brasil Livre pode reivindicar-se do mesmo tipo de insatisfação que alguns anos antes conferira uma expressão nacional ao Movimento Passe Livre. «Mas o perigo dos movimentos transversais é escaparem-se das mãos», comentou um jornalista. «Enquanto Santiago Abascal [presidente do Vox] aplaude a “revolta das máscaras”, outros falam de “revolução das máscaras”, convertendo assim em revolucionário o movimento de protesto dos bairros mais abastados»[12].
Em Itália o apelo a uma dessas revoluções das máscaras foi lançado no dia 30 de Maio, numa das principais praças de Milão, por um ex-general dos carabinieri que defende que a pandemia é uma burla dos políticos para acabarem com a liberdade. Centenas de pessoas envergando coletes cor-de-laranja, sem máscaras e violando as normas de distanciamento social, repercutiram numa manifestação fascista palavras de ordem geradas na esquerda, nomeadamente contra a indústria farmacêutica e, a reboque, contra as vacinas. A circulação política e ideológica entre direita e esquerda, que sempre forma o campo gerador do fascismo, foi neste caso tanto mais notória quanto entre os manifestantes se contavam numerosos desempregados. Novas concentrações ocorreram no dia 2 de Junho em várias cidades italianas, nomeadamente em Roma, mobilizando organizações da extrema-direita, da ultra-direita e fascistas, com relevo para os fascistas radicais da CasaPound, num contexto em que se verifica uma perda de popularidade da Liga Norte, um partido populista e fascizante, em benefício de um partido claramente fascista, os Irmãos de Itália. E, tal como era previsível, os manifestantes opuseram-se à legalização de 250.000 imigrantes decidida pelo governo em 13 de Maio [13].
Aparentemente não existe uma correlação entre estes protestos e a taxa de mortalidade resultante da covid-19, pois nos primeiros dias de Junho essa taxa era baixa na Alemanha, com 10 mortes por cem mil pessoas, mas era quase seis vezes superior em Espanha e na Grã-Bretanha, com 58 mortes por cem mil pessoas, e era de 55 mortes por cem mil pessoas em Itália, 44 mortes por cem mil pessoas em França e 32 mortes por cem mil pessoas nos Estados Unidos [14]. Tal como sucede usualmente neste tipo de movimentos, o motivo visível é apenas um pretexto, e devemos cavar mais fundo.
Aproximamo-nos dos motivos subjacentes ao verificarmos que a convergência política e social manifestada nestes protestos de rua é também visível no plano ideológico, e a expressão «ditadura médica» ou «lei marcial médica» passou a ser usada por todos os que reclamam contra a quarentena. Na hostilidade a certas elites, definidas como alvo exclusivo, o populismo mobiliza as pessoas independentemente das classes sociais em que se integram, e cabe aqui recordar que o terreno estava preparado quando a esquerda, deixando de invocar os trabalhadores, passou a falar de pessoas, um termo a que a direita rapidamente fez eco. O populismo consiste nisto, em virar pessoas indeterminadas contra certas elites, agora especialmente as elites científicas.
As teorias da conspiração inserem-se neste quadro, porque supõem a manipulação de massas amorfas por elites perversas. Desde as lucubrações de alguns monárquicos emigrados aquando da revolução francesa, passando pelos Protocolos dos Sábios do Sion, até às suas versões mais modernas, como a QAnon, a extrema-direita e depois os fascistas têm estimulado o ressentimento dos ignorantes, convencendo-os de que são enganados por uma elite detentora de saberes ocultos. Não irei aqui esmiuçar as fabulações das teorias da conspiração, mas será que são mais delirantes do que o «capital fictício» e a «financeirização da economia»? O certo é que têm muitíssimo mais seguidores.
O elemento comum àquela variedade de meios sociais e de correntes ideológicas que animam as manifestações contra o confinamento é a noção de que a pandemia precipitará a ruína da sociedade actual — qualquer que seja a imagem que tenham dela — e acelerará a vinda de um sistema social melhor — quaisquer que sejam as características que lhe atribuam. Esta noção de aceleracionismo está a ser usada, nos dois extremos do espectro político, tanto por anticapitalistas como por supremacistas brancos [15]. «O aceleracionismo é um estranho casamento de marxismo e neonazismo», leio em The Economist. «A ideia é que as contradições internas da ordem económica e política provocarão o seu colapso» [16]. A revolução está ali, ao virar da esquina, ao alcance da mão. Mas, qual revolução?
Num livro que tem sido bastante lido, aliás, em que três palavras têm sido bastante citadas, classifiquei o fascismo como uma revolta na ordem. Isto significa, no plano político, que alguns temas de contestação gerados na esquerda se repercutem no interior da direita. Para que esta repercussão seja possível é necessário que, no plano social, vastas franjas da classe trabalhadora convirjam com certos sectores capitalistas. O fascismo não tem uma base social específica, mas resulta sempre de uma conjugação social muito diversificada, unida numa cólera comum. Ora, para que o fascismo subsista é indispensável que o cruzamento entre esquerda e direita não se limite a um acto inaugural único, mas se reproduza incessantemente. Por isso o fascismo não é uma corrente ideológica bem definida, mas um processo dinâmico. E é a partilha de uma mesma cólera que assegura a reprodução do processo. É cedo para dizer se as revoltas de rua contra as medidas de quarentena e de distanciamento social se converterão ou não num movimento fascista. Mas o que pode desde já afirmar-se é que o fascismo se gera neste tipo de protestos. Não será a primeira vez que os profetas da revolução deparam com uma realidade muito diferente.
Aquela extrema-esquerda obtusa que aplaude tudo o que seja pular na rua e não conseguiu ter uma visão crítica perante as manifestações dos Gilets Jaunes, os Coletes Amarelos, será agora mais lúcida? Duvido.
O artigo São Marx, rogai por nós é composto por três partes:
1) Os apocalípticos
2) Os aceleracionistas
3) Ámen
Notas
[1] Matthieu Favas, «Geopolitics and technology threaten America’s financial dominance. The financial world’s nervous system is being rewired», The Economist, 7 de Maio de 2020.
[2] João Bernardo, «Anticapitalismo. Anti o quê? 5. Tudo se esvai em fumo», Passa Palavra, 18 de Setembro de 2019.
[3] Se houver leitores interessados em conhecer as formas de crédito desenvolvidas no regime senhorial europeu, remeto para a minha obra Poder e Dinheiro. Do Poder Pessoal ao Estado Impessoal no Regime Senhorial, Séculos V-XV, 3 vols., Parte III: Sincronia. Família, Dinheiro e Estado do Século XI ao Século XIV (Porto: Afrontamento, 2002). Sobre a questão do crédito ver sobretudo as págs. 380-420; sobre as letras de câmbio ver especificamente as págs. 413-420. Nas notas de rodapé cito numerosíssimas referências.
[4] «Coronavirus ou l’autoritarisme hygiéniste», Le Monde Libertaire, 3 de Março de 2020. Note-se que, onze dias depois, outro jornal anarquista francês classificava como «grande mentira» «a ideia de que isto não seria senão uma “grande gripe”», mas atribuiu essa mentira ao «Estado francês». Ver «Un autre futur. Spécial coronavirus», suplemento de Anarchosyndicalisme, nº 167 bis, 14 de Março de 2020, pág. 4.
[5] «A political virus. America’s far right is energised by covid-19 lockdowns», The Economist, 17 de Maio de 2020. Ver também «A boog’s life. Why some protesters in America wear Hawaiian shirts», The Economist, 23 de Maio de 2020.
[6] «Cidades europeias têm protestos contra medidas de contenção», Deutsche Welle, 16 de Maio de 2020.
[7] Javier Salas, «¿Y si llega la vacuna, pero millones de personas se niegan a ponérsela?», El País, 3 de Junho de 2020.
[8] Cathrin Schaer, «Neo-Nazis, QAnon nuts, and hardcore vegans unite to protest Germany’s lockdown», The Daily Beast, 13 de Maio de 2020; Ana Carbajosa, «Un cóctel extremista y conspirador contra un supuesto nuevo orden mundial», El País, 14 de Maio de 2020; «Alarm in Germany as “corona demos” take off», Agence France-Presse, 16 de Maio de 2020; «Cidades europeias têm protestos contra medidas de contenção», Deutsche Welle, 16 de Maio de 2020; «Germany’s virus “guru” in crosshairs of lockdown critics», Agence France-Presse, 29 de Maio de 2020.
[9] Cathrin Schaer, «Neo-Nazis, QAnon nuts, and hardcore vegans unite to protest Germany’s lockdown», The Daily Beast, 13 de Maio de 2020.
[10] «Alarm in Germany as “corona demos” take off», Agence France-Presse, 16 de Maio de 2020.
[11] Ana Carbajosa, «Un cóctel extremista y conspirador contra un supuesto nuevo orden mundial», El País, 14 de Maio de 2020.
[12] Miguel González, «La extrema derecha busca su 15-M», El País, 20 de Maio de 2020. Traduzi acomodado por abastado, mas tem igualmente o sentido de conformista.
[13] Daniel Verdú, «Los “chalecos naranjas”, la nueva encarnación de la ultraderecha italiana en la era de la covid-19», El País, 1 de Junho de 2020; «Extrema-direita italiana protesta contra o governo apesar da pandemia», Observador, 2 de Junho de 2020; Daniel Verdú, «La nueva vieja derecha de Italia», El País, 6 de Junho de 2020.
[14] «A global pandemic. The Economist’s coverage of the coronavirus», The Economist, 3 de Junho de 2020.
[15] Cathrin Schaer, «Neo-Nazis, QAnon nuts, and hardcore vegans unite to protest Germany’s lockdown», The Daily Beast, 13 de Maio de 2020.
[16] «A political virus. America’s far right is energised by covid-19 lockdowns», The Economist, 17 de Maio de 2020.
Este artigo está ilustrado com esculturas cinéticas de Jean Tinguely (1925-1991).
nichtiges des nichts [als ob] etwas
se alguém : ninguém
então algo : ningo
a montanha segue parindo ratos
sigo fracassando melhor – tiqqun
“A separação entre agricultura e indústria só mantém razão de ser para a pequena agricultura familiar, que ou é sustentada artificialmente por razões políticas ou representa um estigma do subdesenvolvimento.”
E a agricultura não familiar não se sustenta por razões políticas? Ou ela é da ordem da natureza? Ou é a lei natural do desenvolvimento das forças produtivas que dita a existência do chamado agronegócio como ditou supostamente o surgimento das fábricas?
Gosto do Stephen Maglin, que mostrou que a fábrica não se fundamentava numa superioridade técnica ou produtiva, mas num interesse de dominação de classe. Razão política.
Caro João Bernardo, gostaria de perguntar algumas coisas, e algumas indicações já me seriam valiosas:
1) A segunda determinação da lei do valor está equivocada, ou sim explica a dinâmica do capitalismo de estruturalmente buscar o aumento da produtividade? A queda tendencial da taxa de lucro, como tendência, nega o aumento da produtividade? Não é justamente por reagir contra-tendência que o capitalismo é estruturalmente dinâmico? Digo, a dialética do conflito social: os trabalhadores vão sempre buscar os inputs (das formas mais sutis, inclusive); não é isso, fundamentalmente, que leva à queda tendencial, de forma a confirmá-la?
2) Nosso momento atual é de expansão de mais-valia relativa ou absoluta? Ou é uma complexidade que articula a expansão das duas (isso é possível, não é? Não há uma geografia-circunscrição nessa expansão?)? Quando você escreve que é o “próprio espaço físico que em grande medida pode ser abolido e substituído pelo espaço virtual”, eis aqui a expansão da mais-valia relativa. Só que isso comprime o salário (não sei se em todos os setores; o dinheiro-nominal, digo, sendo mais complexo o dinheiro-tempo-de-trabalho-informação – de todo jeito, aumento do output, em detrimento dos trabalhadores) e diminui a porosidade do tempo do trabalhador, o que é mais próprio da mais-valia absoluta, salvo algum equívoco de minha parte (e, se é o equívoco que me faz perguntar, mais um motivo para eu perguntar, para sanar meu equívoco).
3) O espaço virtual abolir o espaço físico tem sérias implicações nos chamados trabalho produtivo e improdutivo, não é? Afinal, onde está a fonte da mais-valia na imaterialidade? Pode dar algumas indicações sobre isso?
Fato é que você, o Léo Vinicius, o ulisses, o PassaPalavra, costumam acabar com a ingenuidade, e eu os agradeço por isso. Preferível perguntar a ser ingênuo. A lucidez é uma dura conquista. Gratidão.
Abraço,
Marcos.
Caro Marcos,
O marxismo considera que todo o crescimento económico é gerado, em última instância, pela exploração da força de trabalho. Outros factores são indispensáveis, quer factores naturais quer a gestão, mas apenas enquanto propiciam as condições em que ocorre o processo de exploração.
Ora, no sistema capitalista o processo de exploração consiste num desfasamento entre tempos de trabalho. O tempo de trabalho que os trabalhadores são capazes de despender no processo de produção é superior ao tempo de trabalho que os trabalhadores incorporam na produção e reprodução da sua própria força de trabalho. Traduzindo esta fórmula em termos menos abstractos, o tempo de trabalho que os trabalhadores dedicam ao fabrico de objectos palpáveis ou à prestação de serviços ou a produções virtuais ou ao cultivo dos campos ou à extracção de minérios e fontes de energia é superior ao tempo de trabalho gasto em cada um dos bens e serviços que os trabalhadores usam ou consomem para habitar, vestir-se, alimentar-se, deslocar-se, instruir-se ou cuidar-se. A diferença entre estes tempos de trabalho denomina-se, em termos marxistas, mais-valia.
Em termos marxistas, trabalho produtivo é o trabalho produtor de mais-valia. Portanto, é produtivo todo o tipo de trabalho que se insira neste desfasamento de tempos de trabalho. É a questão dos tempos de trabalho que é definidora, e não as características físicas do produto. Aliás, é confrangedor que, mais de um século depois de se ter iniciado o desenvolvimento da física quântica, continue a empregar-se uma noção ingénua e arcaica de matéria.
A condição para que o capitalismo se expanda é que a mais-valia aumente, e isso pode suceder de duas maneiras:
1) Os trabalhadores podem ser obrigados a trabalhar um maior número de horas e a consumir um menor número de bens, aumentando aquilo a que, em termos marxistas, se chama mais-valia absoluta. Mas este processo tem dois limites, já que ninguém pode trabalhar mais de vinte e quatro horas por dia e ninguém pode trabalhar sem comer. A miséria extrema marca o limite da mais-valia absoluta, e por isso o capitalismo não pode expandir-se através da mais-valia absoluta. A mais-valia absoluta representa sempre situações arcaicas ou retrógradas.
2) O capitalismo foge do arcaico e do retrógrado. Isto significa que, no processo de exploração, o capitalismo aproveita as potencialidades do desfasamento entre tempos de trabalho. Essas potencialidades são ilimitadas e o seu aproveitamento denomina-se, em termos marxistas, mais-valia relativa.
2 a) Por um lado, aumentando a intensidade do trabalho, o trabalhador, durante o mesmo período de uma hora, medido pelo relógio, despende um tempo de trabalho maior. A intensidade do trabalho aumenta quer redobrando a atenção necessária à execução de um dado gesto de trabalho quer diminuindo o lapso que medeia entre os gestos de trabalho.
2 b) Por outro lado, aumentando as qualificações dos trabalhadores, quer dizer, aumentando a sua destreza física e as suas capacidades intelectuais, eles são capazes, durante uma hora, de executar tarefas que numa fase anterior de qualificação exigiriam um número de horas muito superior, multiplicado por uma força de trabalho muito mais numerosa.
Em termos técnicos, diz-se que uma hora de trabalho mais intenso e mais complexo equivale a mais de uma hora de trabalho simples. E o mecanismo desencadeado por este desfasamento de tempos de trabalho chama-se produtividade.
A produtividade opera num círculo — sob o ponto de vista dos capitalistas, não um círculo vicioso, mas um círculo virtuoso. Numa direcção, com o aumento da produtividade os trabalhadores, durante o mesmo período medido pelo relógio, produzem um maior número de bens e de serviços. Ora, estes bens e serviços podem ser directamente consumidos pelos trabalhadores, no caso de servirem para a habitação, o vestuário, a alimentação, o transporte de pessoas, a aprendizagem e a saúde. Ou podem ser indirectamente consumidos, no caso de serem meios de produção que sirvam, directa ou indirectamente, para a produção daqueles bens e serviços de consumo. Isto significa que o círculo se completa e, numa direcção inversa da anterior, os trabalhadores consomem um maior número de bens e serviços, mas cada um deles produzido num tempo de trabalho menor do que o requerido na fase de produtividade anterior.
Aliás, para o capitalismo nem sequer se trata de um círculo virtuoso, mas de uma espiral crescente, porque se, numa direcção, o aumento da produtividade faz com que os trabalhadores possam despender um tempo de trabalho cada vez maior (mais intenso e mais complexo), na direcção inversa o aumento da produtividade faz com que os trabalhadores adquiram um maior número de bens e serviços, mas cada um deles representando um tempo de trabalho menor (produzido em menos tempo).
No capitalismo, porém, o aumento da produtividade opera numa situação de concorrência, o que significa que há empresas ou regiões que se antecipam às outras na abertura de um novo patamar de produtividade, iniciando uma nova fase na mais-valia relativa. Isto faz com que as empresas ou regiões que não conseguem acompanhar o processo se encontrem, por comparação, remetidas para uma situação de mais-valia absoluta. As noções de mais-valia absoluta e mais-valia relativa só podem, portanto, ser definidas dinamicamente.
É nesta perspectiva que deve entender-se a questão da baixa tendencial da taxa de lucro, acerca da qual se têm estabelecido tantas confusões. Uma lei tendencial não significa que uma dada situação tenha necessariamente de ocorrer. Pelo contrário, uma lei tendencial marca as condições necessárias para que uma dada situação não ocorra. No caso que aqui nos ocupa, a lei tendencial estabelece que a taxa de lucro baixa se os mecanismos da produtividade deixarem de funcionar. Portanto, a lei da baixa tendencial da taxa de lucro indica simplesmente aquilo que o capitalismo deve fazer para que essa taxa não baixe.
É frequente o argumento de que, como só o capital variável (destinado aos salários) é gerador de trabalho explorado, o facto de este tipo de capital aumentar menos do que o capital constante (destinado às instalações e aos meios de produção) implica necessariamente a baixa da taxa de lucro. O erro deste raciocínio resulta de não tomar em consideração a circularidade de direcções em que opera a produtividade, actuando tanto sobre a produção e a formação da força de trabalho (elemento do capital variável) como sobre a produção dos meios de produção (elementos do capital constante). Mas subjacente a este erro está outro mais grave, a confusão entre valores e preços, ou seja, como indiquei no artigo, o facto de não se ver que no capitalismo o dinheiro, enquanto linguagem, serve para indicar os preços e ocultar os valores. Afinal, o erro consiste em não entender o processo de exploração.
Quem quiser entender a forma como opera no capitalismo o processo de exploração tem de começar por prescindir dos raciocínios em termos de bens materiais e de se concentrar num aspecto — o dinamismo do desfasamento entre tempos de trabalho. Um exercício introdutório consiste em colocar a seguinte questão. Qual é o trabalhador mais explorado, o do Haiti ou o da Suécia? E se algum leitor responder candidamente que o mais explorado é o trabalhador haitiano, por que motivo então os investimentos externos directos (em termos simples, os investimentos que estão na base das companhias multinacionais), segundo o Banco Mundial, foram no Haiti (população de 11,12 milhões), em 2018, equivalentes a 105 mil dólares, enquanto na Suécia (população de 10,23 milhões), em 2019, foram superiores a 24 milhões de dólares? Será que os capitalistas não sabem quais são os trabalhadores mais explorados? Ou será que muitos fiéis de São Marx não entendem o processo de exploração?
Me parece que seria mais preciso remeter essa “defasagem de tempos” na gênese da mais-valia ao caráter duplo do trabalho (abstrato e concreto ao mesmo tempo), que, como toda mercadoria, tem valor e valor de uso. Mas ela é a única mercadoria cujo valor de uso (isso é, algo que surge no consumo dessa mercadoria) consiste na criação de valor.
A não identificação entre valor e preço (que aparece no livro terceiro d’O Capital), evocada pelo autor, na verdade serviria antes para contradizer sua tese defendida. Isso é, o que ocorre no processo de crise (e na ficcionalização da produção de valor) é justamente um desacoplamento entre valor e preço. E isso ocorre também com as coisas materiais (que, fetichistamente, dão a impressão de serem um lastro mais “seguro” para o valor – embora o valor, como lembra JB , é relação social, e não uma coisa em si, ou, nos termos de São Marx, é uma “objetividade fantasmagórica”). A crise de 2008 no contexto do boom imobiliário norte-americano não poderia ser mais explicativo desse processo.
Portanto, a crítica a um mau materialismo fisiocrata, que veria valor sendo produzido somente nas coisas que caem no chão pela força da gravidade (como no exemplo de JB) e não em um trabalho “imaterial” (serviços, por exemplo), também deve ser lida a contrapelo – também não se deduz a existência de produção real de mais-valia do fato de haver atividade sensível e produção de coisas, ou seja, também não é por essa mera materialidade que se decidiria sobre o caráter produtivo ou improdutivo do trabalho. Isso só poderia ser avaliado do ponto de vista do capital global.
São João Bernardo,
venho incomodá-lo para pedir indicações de leitura introdutória para entender a seguinte passagem:
” Qual é o trabalhador mais explorado, o do Haiti ou o da Suécia? E se algum leitor responder candidamente que o mais explorado é o trabalhador haitiano, por que motivo então os investimentos externos directos (em termos simples, os investimentos que estão na base das companhias multinacionais), segundo o Banco Mundial, foram no Haiti (população de 11,12 milhões), em 2018, equivalentes a 105 mil dólares, enquanto na Suécia (população de 10,23 milhões), em 2019, foram superiores a 24 milhões de dólares? Será que os capitalistas não sabem quais são os trabalhadores mais explorados? Ou será que muitos fiéis de São Marx não entendem o processo de exploração?”
Amém
Devota,
O problema com as leituras introdutórias é que me dão mais vontade de sair do que de entrar. São leituras que se destinam a fornecer soluções, enquanto eu prefiro cultivar dúvidas. Um dia hei-de escrever um elogio ao meu preferido, São Tomé, o fundador do empirismo.
Para me limitar às duas questões entrelaçadas na passagem que você cita, quanto aos investimentos externos directos sugiro que comece pelos World Investment Reports, publicados anualmente pela UNCTAD, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Encontram-se facilmente na internet, o acesso é gratuito e estão recheados de dados e de análises fundamentadas.
Quanto à questão da produtividade, sugiro-lhe que passeie regularmente pelo site da McKinsey, que também é de acesso gratuito. Como a McKinsey é a principal empresa mundial de consultoria empresarial, as suas análises indicam aquilo que os gestores consideram mais rentável para o capitalismo. Alguns devotos de São Marx abriram os olhos a ler artigos no site da McKinsey, e sucede-me muitas vezes encontrar-me lá com São Tomé. Este curto artigo, publicado há já uma dezena de anos, é especialmente interessante porque se dedica a destruir cinco lugares comuns sobre a produtividade. Espero que depois de o ler você fique com mais dúvidas do que aquelas que já tinha.
João,
Essa interpretação apocalíptica da queda tendencial da taxa de lucro é uma expressão do fascismo, não é? Ao modo de Sorel? Vc sabe se foi em cima da queda tendencial da taxa de lucro que Sorel desenvolveu as suas locubrações sobre a crise catastrófica da decadência econômica? Os fascistas hoje se apresentam tbm como marxistas, defensores da tradição ”revolucionária”, que tem como missão tornar forte a identidade proletária. Segundo alguns, entramos em uma nova era em que a luta de classes não é o fator decisivo para a superação do capitalismo, o que rege agora os nossos destinos é o capitalismo em sua fase terminal, sendo assim, cabe agora esperarmos o destino ditar a vida da classe trabalhadora que ao invés de lutar e se organizar deve parar tudo para pensar que o mundo tá acabando. João, vc acha que é o isolamento e a falta de atividade política que levam a esse tipo de interpretação ou é só burrice mesmo, ou os dois ao mesmo tempo?
Ex devoto,
Não sei se se deu conta disso, mas o seu comentário é a sugestão de todo um livro. Fosse eu mais novo, e lançar-me-ia de imediato ao trabalho. O livro teria duas vertentes.
Numa dessas vertentes eu mostraria como Sorel e a corrente por ele inspirada provieram da recusa da economia. A economia era para eles uma ciência burguesa, a ciência de ganhar dinheiro, e a revolução não se faria pela economia e através dela, mas contra a economia. Alguns autores assinalaram que enquanto a greve geral era para Rosa Luxemburg um problema de organização dos trabalhadores, com todas as tarefas práticas que isso implicava, para Sorel ela era apenas um tema de agitação. Nas palavras de Sorel e dos seus seguidores, a greve geral era «um mito».
Ora, foi precisamente nos termos de um mito que o fascismo se gerou e desenvolveu. «Nós criámos o nosso mito», proclamou Mussolini em Nápoles quatro dias antes de outro mito, a Marcha sobre Roma, que lhe daria o poder. E continuou: «O mito é uma fé, uma paixão. Não é necessário que seja uma realidade. Ele é uma realidade pelo facto de ser um punho, de ser uma esperança, de ser fé, de ser coragem». Quantos devotos apocalípticos de São Marx se reconheceriam hoje naquelas palavras! E não só os apocalípticos, porque não andam muito longe alguns movimentos sociais quando procedem aos rituais de grupo.
Outro dia vi um artigo de um autor brasileiro, afirmando que o fascismo nunca criou uma obra de arte. Com que candura se exibe a própria ignorância! De imediato, o que seria a poesia do século XX sem Ezra Pound, o romance sem Céline, a pintura sem os futuristas, a escultura sem as Formas Únicas de Continuidade no Espaço, de Boccioni? E será que os milhões de pessoas que, mesmo indiferentes à música erudita, gostam de ouvir os Carmina Burana conhecem as posições políticas de Carl Orff durante o Terceiro Reich?
Mas, mais profundamente, o próprio fascismo foi uma estética por necessidade, como eu procurei mostrar no Labirintos do Fascismo. A política considerada como arte constituiu a modalidade específica do irracionalismo fascista, escrevi eu nesse livro, e é aqui que encontram lugar os mitos e os rituais, as cerimónias de exaltação colectiva que hoje abundam. Com efeito, é mais conveniente ignorarem o fascismo do que conhecê-lo, porque assim podem, sem complexos de culpa, levar de novo o fascismo à cena.
Essa seria uma das vertentes do livro, inspirada por Sorel e os mitos, a vertente estética e anti-económica. A outra seria a vertente económica, a da famigerada baixa tendencial da taxa de lucro. Trataria da transformação da economia numa soma de erros.
Antes de mais, a confusão entre tendencial e necessária, que me recorda outra confusão, hoje muito em voga porque nela se fundamenta o catastrofismo ecologista, entre previsão e projecção.
Depois, o erro que reside na confusão entre valores (que devem ser medidos em tempo de trabalho) e preços (que são medidos monetariamente), acrescida pela confusão entre as várias formas como se exprimem monetariamente os preços — nominais, deflacionados, pela equivalência em dólares, etc.
Igualmente importante é a confusão entre mais-valia (calculada pelo diferencial de tempos de trabalho) e lucro (calculado contabilisticamente). E como o lucro é expresso em termos monetários, esta confusão relaciona-se de muito perto com as anteriores.
Mas como o capitalismo continua a prosperar, apesar das previsões em contrário, os adeptos da baixa da taxa de lucro afirmam que ela realmente baixa, mas finge que não baixa. Atribuem esta curiosa prestidigitação ao sistema financeiro. Ora, «sempre que os protestos contra a hegemonia do capital bancário permeiam os movimentos populares», observou Franz Neumann no Behemoth, «temos o indício mais claro da aproximação do fascismo». Neumann, um dos mais sagazes críticos do nacional-socialismo, era um dos membros da chamada Escola de Frankfurt, e é curioso que tantos adeptos de São Marx que costumam rezar-lhe na capela de Frankfurt se esqueçam ou mesmo ignorem o aviso do Arcanjo Neumann.
Com tudo isto, os adeptos da baixa da taxa de lucro mantêm-se alheios àquele que é o mecanismo central do capitalismo, o aumento da produtividade, que por si só implica o aumento da mais-valia relativa e, portanto, o aumento da exploração — em suma, o aumento da taxa de lucro.
E aqui, no tal livro que não irei escrever, eu juntaria as duas vertentes, a catástrofe mítica e a catástrofe dos erros de economia, no final épico do capitalismo, uma coda com as cordas em pleno, os sopros no máximo e, ao fundo, o rufar dos timbales. Que entusiasmo!
O pior é o prosaico quotidiano…
João,
Obrigado pela resposta. Seu livro que não irá escrever ficaria uma excelente composição. Empolgante!
Vou ler a parte que dedica a estética em seu livro sobre o fascismo. Conheço muito pouco sobre o tema, entre os apocalípticos coisas assim eram vistos com maus olhos, eram tratados como perfumarias, só se lia textos rigorosamente selecionados. Mas um viva a teimosia!
Ex-devoto,
Você está mesmo interessado na questão da estética? A estética, ao contrário do que essa gente pensa, não é algo que se possa pôr e tirar. A estética é inelutável. Repare que as sociedades humanas mais arcaicas de que encontrámos vestígios deixaram traços estéticos. Viviam no limite da sobrevivência, rodeadas por uma natureza hostil, que mal conseguiam dominar tecnicamente, no limite da fome, nas condições mais precárias, mas apesar disso encontraram tempo e forças para deixar em grutas e pedras obras artísticas.
Mas a estética é mais profunda ainda do que as obras em que se objectiva. A obra de arte é só um detalhe menor da estética. Eu defino a estética como a maneira de. Tudo o que nós fazemos, fazemo-lo de certa maneira, e essa maneira é a estética. A maneira como você anda é condicionada pela sua coluna vertebral e pelo formato dos seus pés. Se você tiver a coluna torta e os pés chatos, será que você andará de certa maneira? Não. Você não poderá andar de certas maneiras, mas você terá — como qualquer outra pessoa — um quadro ilimitado de maneiras de andar. O ritmo, as oscilações do corpo, tudo isso, que está ao seu dispor, é a estética.
Quem diz que não se interessa pela estética o que na verdade está a dizer é que não é consciente da sua própria estética. É este o cerne da questão. Ou somos conscientes da maneira como, ou não somos conscientes. Se não formos, então estaremos a absorver aquela estética de que a indústria cultural de massas nos rodeia. Você está permanentemente a ouvir músicas que tudo e todos se encarregam de difundir, a ver vitrines, jornais, diagramações na internet, a configuração das ruas das cidades, as pessoas tal como se vestem e se penteiam ou se despenteiam. E ou você tem disso uma consciência crítica ou não tem. Em ambos os casos, trata-se de uma relação sua com uma estética. Mas, se tiver consciência crítica, você controla essa relação. Se não a tiver, você absorve-a inconscientemente e ela passa a dominá-lo. Nesse momento você diz que não se importa com a estética, mas é o contrário que sucede, é a estética do lugar-comum que passou a dominar você.
Quando eu iniciei a minha actividade política eram os partidos comunistas que hegemonizavam a esquerda, e para eles a questão estética era muito importante. No caso do Partido Comunista português, o secretário-geral, Álvaro Cunhal, que foi uma grande figura da cultura portuguesa, era muito interessado pelas questões estéticas. Escreveu sobre história da arte e crítica de arte e ele mesmo desenhava, com qualidade, um pouco à maneira da arte flamenga da Renascença. Os desenhos que fez na prisão foram editados em livro, encontram-se facilmente na internet. Para nós, no Partido Comunista, as discussões estéticas eram tão urgentes como as discussões políticas. Foram os maoístas após 1968 quem introduziu a funesta ideia de que a estética era dispensável. Que imbecis! Foram os primeiros responsáveis pelo facto de a extrema-esquerda ter absorvido acriticamente a indústria cultural de massas. Os maoístas ficaram condenados à irrelevância, mas as piores coisas deles passaram para a geração seguinte, aquela que hoje prevalece. E entre essas piores coisas — a ignorância de que a estética é inelutável e que, ou se entende criticamente ou se absorve passivamente.
Aqueles esquerdistas que julgam desprezar a estética comportam-se como uma freira a quem você mostre uma fotografia pornográfica. Benze-se e olha para o lado. Mas a questão é que no lado para que ela olha existe estética também, tal como existe na maneira como ela olha, no gesto de cabeça, no ritmo do olhar. Não se foge da estética. A estética é a maneira como fazemos as coisas.
No final de 1965 e começo de 1966, tinha eu dezanove anos, escrevi na prisão um texto sobre pintura, que foi publicado pela primeira vez, muito tempo depois, no Passa Palavra, aqui. No fundamental, esse texto marcou as minhas preocupações para o resto da vida, até hoje.
Enquanto a revolução política não se conjugar com a revolução artística, estaremos condenados à banalidade. «A banalidade é a contra-revolução», definiu Isaac Babel na juventude da Rússia soviética.
Oi João,
Me interesso sim! Pelo o que entendi das suas palavras a estética não é um bicho de sete cabeças, é a arte de se viver a vida, de contemplá-la e de transformar, é uma arte. Está nas ruas em que caminhamos, nos espaços, nas músicas que escutamos e nos ambientes em que desfrutamos e podemos ser engolidos, nas nossas escolhas, nas conduções, nos modos de… consciente, crítico e ativo ou inconscientemente passivo, estático e reacionário. Nos seus textos deverei encontrar inúmeras referências. Sorel fala muito em Renan, era uma referência para ele, uma católico conservador. Vc o conhece?
Ex-devoto,
Renan teve uma audiência colossal naquela época, como Bergson teria na geração seguinte e Sartre quando eu era jovem. Figuras que foram incontornáveis e depois ficaram praticamente esquecidas. Mas o caso de Renan é especialmente interessante porque os proto-fascistas e os fascistas o tomaram como mestre, e os anarquistas também, devido à perspectiva crítica que empregou na história das religiões. O fascismo resultou sempre de ecos da extrema-esquerda a fazerem-se ouvir na extrema-direita nacionalista, e inversamente. Ora, um dos indícios reveladores são os interesses e as leituras comuns. Mencionei o caso de Renan, cuja obra foi apreciada por fascistas e anarquistas, e de imediato me ocorre o paralelo de Haeckel, mas os exemplos não faltam. E que autores poderíamos citar, que cumpram hoje a função de acelerar a circulação ideológica entre certa extrema-direita e alguma extrema-esquerda, alimentando o fascismo?
João,
Além de São Marx que os seus devotos viraram-o de cabeça para baixo dentro de um copo d’água e o colocaram em cima da geladeira para que suas prece sejam atendidas, pervertendo-o, temos também a Nova Esquerda pós-moderna a alimentar ambos os lados. O belga Robert Steuckers é um dos ideólogos mais influentes da Nova Direita europeia, diretor da organização Synergies Européennes, é um heideggeriano contemporâneo. Em publicação na Nouvelle École-(bem soreliano)(n.37,1993), sobre o título “Heidegger e Seu Tempo”, ele diz: “Os filósofos franceses da pós-modernidade Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Michel Foucault, Michel Onfray e muitos outros são estudados e lidos na Alemanha, Inglaterra, Itália, América… e tornam possível o aparecimento de uma revolução conservadora muito sutil… Por isso acaba sendo surpreendente que a Nova Direita não tenha mobilizado esses pensadores, todos fortemente influenciados por Heidegger, para a luta contra as ideologias dominantes…” e complementa em Hagal(n.4/99, p.7) “A Nova Direita se limita a criticar o caráter antiestético do american way of life, mas não estuda sistematicamente a história e as estratégias contrárias” (FARÍAS, Victor – Heidegger e sua herança: o neonazismo, o neofascismo e o fundamentalismo islâmico, 2017).
No youtube, o roqueiro conservador, Lobão, que nas rodas olavistas é conhecido como Lobostão, disse que Roberto Alvim, o parafraseador de Gobbels, era um artista influenciado por Gilles Deleuze.
Nessa belezura de texto, não sei onde mais me esbaldo. Nós comentários ou no texto mesmo.
Este é o nosso bom e velho Douglas: mais feliz do que pinto no lixo.
Saúde & Alegria
Parabenizo pela série e pela temática. Parabenizo igualmente pelos comentários de alto nível. Heidegger é carimbo inelutável no passaporte das ideologias nazifascistas para a contemporaneidade, vai muito fácil da esquerda à direita como Carl Schmitt. Me preocupa ver nos comentários misturarem-se “aesthesis” e “eidos”, é uma confusão perigosa.
João,
Eu li o interessantíssimo capítulo sobre a estética do seu Labirintos do Fascismo, e é por aí que devemos encarar o assunto sobre o fascismo hoje me parece muito comum na esquerda. De fato, só uma crença mítica, uma fé, que pode justificar os erros e as insistências nesses erros nos assuntos teóricos. Não é a burrice, não é o simples descuido de uma leitura equivocada, é o mito do catastrastrofismo, da decadência que justifica ideias que do ponto de vista lógico e racional são inconcebíveis. Um estilo de vida relápcio e com pouco envolvimento nos assuntos teóricos, típico dos dandys boêmios, envolto a um ambiente violento(do frenezi das rodas punks e seus clubes de luta com murros e botinadas, todos disciplinadamente fardados com os seus jeans e camisas pretas camuflando e conciliamdo as classes sociais?)( O que vc trata sobre a estética fascista me fez associar ao que se chama de cultura rock n roll. Se não me engano, já vi em algum lugar vc cometar algo sobre o irracionalismo nessa cena.)
Para alguns a crise econômica é encarada como uma representação, que só pode ser uma encenação verborrágica, um ajuntamento delirante de analogias e preconceitos, é ”o predomínio atribuído a forma” de um mundo vazio de conteúdo.O que você fala sobre a forma me chamou muita atenção, os apocalipticos gostam dessa palavra, é forma disso, é forma daquilo, tudo muito fora da realidade. A forma que caracteriza a estética fascista seria um essencialismo do aparente? Tudo é muito essencial, a história é fatiada, adequada e distorcida, e tudo vira reles fatos, a moda interpretativa nietzscheana. Os doutrinários do fim dos tempos me lembra a ideia de ser-para-morte heideggeriano, a finitude temporal. A arte da vida dos fascistas tem uma pulsão de morte latente. E existem muitos outros pontos por vc abordado. João, gostei muito da indicação de leitura. Vou tentar me aprofundar mais a respeito.
Caríssimos,
Esta semana recebi uma atualização no celular no aplicativo do Youtube do canal do The Economist que imediatamente me lembrou deste texto. Recomendo a todos que assistam o vídeo, que tem um título muito sugestivo e confirma uma das ideias centrais deste muito bom escrito do João Bernardo: “A revolução do trabalho remoto: como acertar”.
A quem interessar, segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=n2NTmmcPDHk&t=1s
Um abraço
Rússia e China avaliam instalar usina nuclear na Lua, diz chefe de agência espacial
https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2024/03/russia-e-china-avaliam-instalar-usina-nuclear-na-lua-diz-chefe-de-agencia-espacial.shtml
Achei curioso como fatos são distintamente interpretados conforme a ideologia por detrás do rogai nosso: a notícia acima é tanto festejada como sinal de força e vitalidade do Capitalismo, em sua incessante quebra das barreiras naturais, quanto apontada como mais uma comprovação da crise estrutural, posto que o capital “precisa” buscar fora do planeta novas formas de valorização do valor.