Por Grupo formado por professores de Educação Física da rede municipal de ensino de Jundiaí
A presente carta trata da recente demissão em massa dos professores contratados por tempo determinado (escala rotativa) pela Rede Pública Municipal de Ensino de Jundiaí, bem como do impacto dessa demissão na qualidade do ensino ofertado aos alunos.
Antes do término do mês de junho fomos surpreendidos com a notícia de que 90 professores da escala rotativa tinham sido demitidos, sem aviso prévio, antes do término dos seus contratos de trabalho, e com o calendário letivo em pleno andamento, antes mesmo da data oficialmente prevista para a realização do conselho de ciclo, momento de reunião coletiva no qual os alunos e o trabalho desenvolvido no trimestre são avaliados.
Em meio a uma crise sanitária e econômica sem precedentes, e sob a justificativa do déficit na arrecadação municipal e da consequente necessidade de reduzir gastos em todos os setores, administração pública se mostrou insensível à crise humanitária que também se instaura, agindo na contramão das políticas públicas que têm procurado minimizar os impactos nas vidas das pessoas, pois, a demissão da quase totalidade desses professores – com exceção daqueles que se encontram amparados pela legislação trabalhista, como gestantes, por exemplo – revela um desrespeito aos docentes da escala, até então imprescindíveis na organização pedagógica da rede, às diretrizes curriculares, negligenciadas pelas ações administrativas posteriores às demissões e, principalmente, aos educandos, lesados no que diz respeito ao direito constitucional à educação de qualidade.
Nos últimos cinco meses as escolas de maneira geral e, em especial, as escolas públicas municipais tiveram que se reinventar. Os professores, por conseguinte, foram obrigados a rever tanto os conteúdos quanto as formas de ensinar, no sentido de diminuir os impactos causados pelo distanciamento social compulsório. Adaptar as práticas de intervenção pedagógica à nova realidade imposta pela necessidade de distanciamento social não tem sido tarefa fácil, exigindo de todos os professores um grande dispêndio de tempo e energia. Da mesma maneira que os professores efetivos, os professores de escala rotativa investiram na formação digital, adquiriram equipamentos e pacotes de dados para garantir o trabalho remoto com qualidade, mas acabaram sendo descartados sob a justificativa da economicidade, privilegiada em detrimento da qualidade do trabalho educativo.
Há muito tempo a educação municipal é refém da contratação de professores por tempo determinado em função da própria organização da rede pública, que mantém um número razoável de professores efetivos em outros cargos ou funções que não a docência, tais como coordenação pedagógica, direção de escola e diversas outras designações burocráticas no âmbito da administração pública. É nesse sentido que estes são imprescindíveis, suprindo os espaços deixados provisoriamente pelos professores efetivos. Portanto, essa modalidade de contratação não constitui gasto pontual ou temporário. Pelo contrário, exige previsão e dotação orçamentárias, o que nos leva a crer na existência de um provisionamento para o pagamento desses professores até o final do contrato, inclusive no que diz respeito às renovações ou substituições para o período letivo subsequente.
Apesar de a rescisão de contrato de professores da escala rotativa ser fato corriqueiro na administração da educação pública municipal, quando isso ocorre ainda na vigência do contrato, por qualquer que seja o motivo, a substituição é praticamente imediata, a partir da convocação de professores classificados no último processo seletivo. Dessa vez, no entanto, a demissão em massa não teve a pretensão de substituir, mas de enxugar o quadro docente às custas do acúmulo e da centralização de funções, estratégia que mesmo sendo exitosa do ponto de vista econômico –– não parece ser o caso –– configura uma catástrofe pedagógica.
Conforme orientações da Unidade de Gestão de Educação (UGE), as atividades docentes dos 31 professores PEB–I (professores polivalentes, responsáveis pela classe) demitidos serão acumuladas pelo coordenador pedagógico da unidade escolar respectiva, cuja carga horária de trabalho e, consequentemente, seus rendimentos acabaram de ser reduzidos como medida de contenção de gastos. Considerando que o coordenador consiga acumular e desempenhar bem as funções deixadas pelo professor demitido –– em alguns casos há mais de um docente demitido na mesma escola ––, dificilmente conseguirá coordenar o trabalho pedagógico com a qualidade exigida pela dinâmica da escola e lidar com a imprevisibilidade das novas demandas em decorrência das condições incomuns vividas pela educação escolarizada.
No caso dos professores PEB–II (especialistas em arte, educação física ou inglês), particularmente dos professores de educação física, a situação se mostra ainda mais grave, uma vez que as atribuições dos professores demitidos serão acumuladas por apenas duas servidoras que coordenam a área. Em outros termos, além da coordenação pedagógica da educação física, que reúne o acompanhamento das atividades dos professores especialistas, a formação continuada desses profissionais e toda a burocracia administrativa, as coordenadoras acumularão o trabalho de 25 docentes, desenvolvido em 41 escolas, da creche ao fundamental, o que perfaz um total de 430 aulas semanais. Imaginamos que as realidades dos coordenadores das áreas de arte e inglês não sejam muito diferentes, uma vez que essas duas disciplinas somam 34 professores de escala rotativa demitidos.
É importante reconhecer o empenho da UGE no sentido da construção de um currículo engajado, comprometido com uma educação de qualidade e a partir das necessidades das crianças da rede pública municipal. Também é necessário valorizar as ideias preconizadas pela gestora de educação acerca da necessidade do acolhimento, da escuta sensível, da construção e manutenção de vínculos afetivos com os pequenos para além dos conteúdos escolares previstos no currículo, ainda que de maneira remota. E não há motivo para duvidar do empenho e do relativo êxito dos professores da rede, inclusive dos professores da escala rotativa, no que diz respeito à máxima “nenhum aluno fica para trás”. Porém, as referidas demissões e seus desdobramentos ferem de morte os discursos humanísticos e os princípios pedagógicos basilares defendidos pela gestão de educação. Portanto, não há “Escola Inovadora”, perspectiva “Reggio Emilia”, “Pedagogia Histórico–Crítica” ou “Base Nacional Comum Curricular” –– concepções que norteiam direta ou indiretamente a educação pública municipal –– que resistam à administração feita em função do “caixa”, quando prioridades outras secundarizam os valores, os princípios, a dinâmica e o direito à educação de qualidade.
Isso posto, em nome da manutenção e do avanço da qualidade da educação oferecida pelo Município de Jundiaí, gostaríamos de solicitar que as demissões dos professores da escala rotativa sejam revertidas, de modo que o corte não aconteça naquilo que há de mais essencial à qualidade da educação, ou seja, o professor. Também esperamos que a gestão municipal favoreça e valorize o diálogo permanente com os profissionais da educação, pois, sabemos que a crise de recursos é real, mas acreditamos que a abertura para a participação nas tomadas de decisões fortalecerá a transparência, o respeito e a construção de consensos, contribuindo para um atendimento cada vez mais qualificado e abrangente à população.
Aprovada em assembleia no dia 10 de julho de 2020.