Por Invisíveis Rio de Janeiro

O Ensino Remoto Emergencial [ERE] tem sido uma demanda para todas as instituições de nível superior que optaram por manter as portas fechadas antes do desenvolvimento de uma vacina eficiente para combater a COVID-19. A fim de entender como será a aplicação da medida na UERJ, entrevistamos uma servidora do corpo docente para tratar do impacto dessa forma de ensino, sobretudo sobre as lutas em que está envolvida como dirigente da Associação dos Docentes da UERJ (ASDUERJ).

Invisíveis (In): Como o ERE afetará sua carga de trabalho diretamente?

Cleier (C): Ele altera a carga horária não apenas minha, mas de todas e todos nós, professores, pois há diferenças significativas entre o ensino presencial e o ensino remoto, tanto em termos de preparação quanto de execução do trabalho. Por essa razão, em um dos pontos da Proposta da ASDUERJ de Garantias e Direitos dos Docentes na Situação de Ensino Remoto Emergencial, nós incluímos o respeito à Carga Horária de Trabalho, da seguinte maneira: “….as atividades pedagógicas com plataformas virtuais devem considerar períodos de capacitação, adaptação, preparação do material que será utilizado, atividades realizadas, avaliações das atividades, do rendimento dos estudantes, de modo a não permitir jornadas de trabalho excessivas, que sobrecarreguem os profissionais, acarretando desgastes físicos e mentais à sua saúde”. Na UERJ, “a jornada de trabalho não pode ser superior a quarenta ou vinte horas semanais, conforme constante no edital do concurso e/ou deliberação da Unidade Acadêmica, facultada a compensação de horários. Devem ser consideradas não apenas as exigências de tempo, mas também a determinação do conteúdo de tempo, o ritmo de trabalho e conteúdo das tarefas”.

In: Você acha que a categoria está preparada para a transição?

C: Estamos debatendo todos os aspectos da questão. Nas plenárias que realizamos em 12 Unidades Acadêmicas, abarcando os quatro Centros Setoriais, percebemos que há muita preocupação entre professoras e professores com o processo, pois se trata de uma mudança de formato de ensino; não é o ensino presencial, para o qual temos formação, uma longa experiência e para o qual prestamos concurso. Por isso, da mesma forma como colocamos na pergunta anterior, a nossa proposta de Garantias e Direitos dos Docentes na Situação de Ensino Remoto Emergencial coloca que deverão ser respeitados aqueles e aquelas que não tiverem condições tecnológicas ou dificuldades para manipular equipamentos virtuais, mas, também, “processos complexos de criação de novos modelos de ensino-aprendizagem, não conseguindo atender aos objetivos desse novo formato de ensino”.

In: Como vocês [professores] pretendem se adaptar a esse modelo emergencial?

C: Não há uma posição única dos professores e professoras da Universidade. Para nós, da direção da ASDUERJ, o importante é que esse processo seja muito debatido e compreendido, por isso, construímos nossas exigências na proposta, já referida, de Garantias e Direitos dos Docentes para a realização de qualquer eventual tipo de trabalho remoto.

In: A UERJ tem condições de arcar com essa medida [ERE]?

C: Sabemos que, historicamente, a UERJ não tem uma infraestrutura de internet e informática adequada, mas se há, por parte da Administração Central, a intenção de realizar esse formato de ensino, é necessário que a Universidade crie condições, tanto para o conjunto dos estudantes quanto para técnico-administrativos e para docentes, através de financiamento pelo Estado.

In: Você acha que o ERE será pior para os professores, técnicos ou para os estudantes? Está havendo diálogo com os três segmentos?

C: São situações bem distintas. Nós da ASDUERJ somos contrários, politicamente, a esse formato de ensino remoto porque parcela muito significativa de estudantes da UERJ podem ficar excluídos dele. A desigualdade social existente em nosso país é imensa e se expressa em nossa universidade, inclusive, pelo sistema de cotas. Temos 45% de vagas para estudantes que claramente não pertencem, principalmente, aos segmentos abastados da sociedade. Veja, embora a matéria da página da UERJ sobre o levantamento feito pelo IESP relativo à exclusão/inclusão de estudantes da graduação tenha o título “Levantamento com alunos de graduação aponta que quase 90% dos respondentes têm acesso à banda larga” , quando a lemos, o dado sobre os respondentes aparece escrito assim: “Até o dia 21 de julho, foram preenchidos 8.519 questionários, que correspondem a cerca de 30% do total de matrículas ativas”. Então, entendemos que a pergunta importante nesse momento é: por que 70% não responderam? Para os professores a situação também é muito grave e, por essa razão, construímos a proposta de garantias e direitos dos docentes nessa situação, como colocamos anteriormente, e encaminhamos à reitoria com o objetivo que seja debatida no Consun (Conselho Universitário) e transformada em Resolução. Os Técnico-administrativos também estão debatendo direitos e garantias. Ou seja, entendemos que devem ser consideradas as condições efetivas de acesso tecnológico de toda a comunidade e eventuais medidas para reversão das limitações de acesso onde elas existam. Nós, da ASDUERJ defendemos que ninguém pode ficar para trás!

In: Quais as medidas que a UERJ está tomando para garantir a adesão ao ERE?

C: Nesse momento, a Administração da UERJ está fazendo um levantamento do perfil social e econômico dos servidores docentes e técnico-administrativos, sobre o acesso e uso das distintas tecnologias digitais, incluindo as incidências da pandemia em suas vidas. Para nós, trata-se de um dos resultados da luta da ASDUERJ em defesa dos direitos dos docentes. Entretanto, há um problema prático nesse processo relacionado ao tempo necessário para a realização desse levantamento e para a licitação objetivando a compra desses materiais. Esses dois procedimentos não serão realizados em tempo hábil para o início do período, previsto para setembro, segundo o Calendário aprovado pelo Csepe. Do mesmo modo, a aprovação da Resolução das Garantias e Direitos deveria ter antecedido a aprovação do Calendário. Na verdade, o processo foi atropelado, pois a decisão sobre o calendário ocorreu antes da criação de condições materiais para o ensino remoto.

In: Existe alguma ameaça de corte no salário decorrente de falhas no homeoffice?

C: O que nós temos acompanhado pelos noticiários dos jornais é que o Governo do Estado não teria como pagar os servidores públicos, em geral, a partir de setembro de 2020. De forma sintética, podemos dizer que isso se relaciona aos crimes cometidos pelos sucessivos governos do Rio de Janeiro, nos últimos anos, contra o erário, que colocaram o Estado em situação de calamidade financeira, submetido ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Como sempre acontece nessas situações, nós, trabalhadores públicos, juntamente com as políticas sociais públicas como saúde, educação, moradia, transporte, etc., sofremos as consequências. Nós, trabalhadores, ficamos sem salários e as políticas públicas ficam sem financiamento!

Cleier Marconsin é Professora da Faculdade de Serviço Social da UERJ. Presidente da Associação dos Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — ASDUERJ/Seção Sindical do Andes-SN.

As fotografias que ilustram este artigo são de Insung Yoon

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