Por Cridom

Tráfego considerável. Caminhada longa. Passada rápida na banca de jornal. Um maço de cigarros. Alguns chicletes. Acende um cigarro e caminha em direção à USP. Virando à direita numa praça, quase inicia um curto percurso em direção ao bar. Uma mulher lhe pede um cigarro e fogo. Ele a convida para trocar ideias e ela aceita. Ele se senta num degrau, na lateral de um estacionamento. Ela se senta ao seu lado e acende um dos dois cigarros que recolheu do maço dele. A conversa é boa e animada. Diante dos olhos dos dois, o movimento de clientes. Marinês, mãe de um jovem estudante de direito de uma faculdade privada. Dona de uma casa e um carro. 150 reais o programa de uma hora. Bela negra quarentona. Faz propaganda dos seus serviços ao longo de uns dez minutos. Depois, aparentemente, desiste. Ele imagina que ela vende bem os seus serviços por meio daquela propaganda toda. Deve falar verdades, quase sempre, e também mentir por misericórdia e interesse econômico. Eles se despedem. Ficou na companhia dela por mais de 30 minutos. Várias histórias curtas de ambos os lados. Várias risadas. Abraço e beijo fraternos. Segue a caminhada em direção ao bar. Atravessa a rua. Passa a andar em direção à Odebrecht. Vira à direita. À esquerda. Depois à direita novamente. Já havia visto umas 20 mulheres e travestis trabalhando. Trabalho sexual a todo vapor. Noite agitada. Um sábado qualquer. Passa próximo a umas 8 trabalhadoras. Acende outro cigarro. Alessandra também lhe pede um cigarro. Convida-a a se sentar no degrau de uma lanchonete de esquina, já fechada. Declinou do convite devido à roupa e ao calçado que estava usando. Ficaram os dois em pé. Travesti. Branca do cabelo preto. Um pouco alta. Mais alta sobre aqueles calçados. 150 reais o programa de uma hora como passiva. 300 se for para desempenhar os serviços ativo e passivo. Tudo tem um preço, afirmou rindo. Prefere ser passiva. Não gosta muito de ser ativa. Fala disso como ossos do ofício. Engatam numa conversa normal entre dois desconhecidos que começam a se conhecer. Gostaria de ser dona de uma franquia num shopping como o de Taboão da Serra. Quem sabe se casar com um milionário. Quem sabe uma loja da franquia “Quem Disse, Berenice”. Nesse sentido, ele percebe que ela sonha com as mesmas coisas que muitas de suas alunas também sonham. Todas elas, trabalhando na rua ou estudando na escola, sonham os mesmos sonhos que muitas parentes e colegas dele também sonham. Ela quer fazer faculdade de administração. Quer sair dessa profissão em 10 anos. Não quer fazer programa na velhice. Quer se casar. Já namorou. Está solteira. Sustenta a mãe no interior das Minas Gerais. Gosta de pedalar nas horas vagas. Mostrou fotos dessas pedaladas em grupo. Começou a fazer programa tem cerca de 16 anos. Está com 30. Na época, não precisava de muito dinheiro. Normalmente fazia programa com homens casados daquela cidadezinha do interior de Minas. Começou assim. Gastava praticamente tudo, daquele pouco, nas festinhas com os amigos. Depois foi trabalhar na Europa. Tem um carro Fit, da Honda. Despedida. Trocaram números de telefone e falaram de tomar um café um dia desses. Quem sabe um pedal em grupo. Aventaram. Saiu caminhando novamente. Passou em frente à Cultura Inglesa. Parou no Rei das Batidas. Mais dois cigarros, duas latas de Guaraná Antarctica com gelo e laranja fatiada. Clima agradável. Um vizinho de mesa agradou com dois cigarros um homem em situação de rua. A conversa do lado direito não lhe agradou. A do lado esquerdo ele não escutava. Se manteve bebendo, fumando, e se lembrou de curtíssimas conversas que ouviu pelo caminho. Uma conversa sobre cocaína e uma outra que envolvia disputa de espaço entre mulheres e travestis. Falavam de cafetões e expulsões. E mais uma outra na qual a mulher dizia ao cliente não fazer sexo sem camisinha, e o mesmo partiu. Em raros momentos de silêncio escutava um barulho, alto, de furadeira, sem conseguir identificar de onde vinha aquele barulho, às duas da manhã. Talvez viesse de um prédio próximo. Pagou a conta e voltou a caminhar. Parou numa zona, aquela quase em frente ao metrô Butantã, e tomou uma água tônica com gelo e limão. Seguiu a caminhada para casa. Dessa vez parou na metade do caminho para usar o serviço de um motorista de Uber. Não havia muito tempo que aquele jovem motorista abandonara o trabalho na fábrica. Trabalhava com uma empilhadeira. Contou que nem antes, e nem agora, sobra tempo para mais nada. Trocou seis por meia-dúzia. Praticamente só trabalha. Enquanto a viagem se desenrolava, lembrava das duas jovens mulheres, uma negra e outra branca, que vieram ter com ele uma conversa dentro da zona. Oferecimento de serviços. O clima lá dentro não era dos mais agradáveis. Comentou com elas que estava lá apenas para beber aquela água tônica e conhecer a casa. A negra perguntou de onde é que ele vinha aquela hora. Ele falou que estivera no show do Tom Zé. Elas pareciam não saber de quem se tratava. Se retiraram. Ele permaneceu no balcão. Duas lindas garotas trocaram olhares com ele. Continuou sozinho.

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