Por Cridom

Dona Nair tem sete bisnetos e nenhum dente na boca. Sua cara mais parece maracujá seco do que rosto humano. O pouco de vida na cara vem dos olhos e de alguns pelos que ainda restam nas sobrancelhas. Os cabelos, de tão ralos, são apagados. O conjunto do seu corpo é de uma magreza que assusta. Tudo ali parece por um fio. Ela nasceu, foi criada, se criou e casou-se na área rural de um município do interior, do qual Fátima, sua filha, esqueceu o nome. Dona Nair morou por cinco anos nas bandas da cidade daquele mesmo município. Lá, naquela época, teve os filhos. Depois se mudou. Viveu cinquenta anos na capital do estado. Lá, perdeu o marido e uma das filhas. Há quatro anos mora no litoral. Solitária. Muito influenciada por uma filha e um filho, mudou-se para lá; ainda não se acostumou com o lugar e nem vai se acostumar. Esta filha está doente. Este filho, que há anos trabalhava na construção civil junto com o genro dela, está preso. Há dois anos a enteada do filho foi surpreendida por uma tia dela enquanto tomava banho e chorava. Contou à tia que tinha sido estuprada pelo padrasto, o filho da Dona Nair. O mesmo homem que criou a menina por nove anos. Essa tia, que quando ouviu da menina a história do estupro já havia três anos que era amante do suposto estuprador, levou a menina de 13 anos à delegacia. O filho de Dona Nair foi preso. Puxou doze dias de cadeia, fugiu, foi para o estado vizinho e depois voltou para a capital do estado; cidade onde supostamente cometeu o crime de estupro. Foi preso novamente. Ao todo, já puxou quase dois anos de cadeia. Como diz uma neta dela: “Dona Nair está tirando cadeia com o filho”. Só nos últimos dois meses, foi quatro vezes visitá-lo. Já se prepara para a nova visita. A cadeia que ele está fica meio longe de tudo. Ela não sabe em quem acreditar. O filho nega tudo. A neta — sim! ela considera a menina sua neta — confirma tudo. Ela quase não acredita que o filho, que criava a menina como filha dele, tenha conseguido fazer uma coisa dessas. Está em dúvida. Ela arrumou advogado para o filho. O advogado já levou tudo o que ela tinha e ainda quer mais vinte mil reais. Ela não os tem. O advogado disse-lhe que tudo vai depender da cabeça do juiz; que tudo está nas mãos dele. A filha que está doente quer que Dona Nair saia da praia onde ela mora e se mude para outra praia, na cidade vizinha, para ficar perto dela. Dona Nair até pensa nisso. Ela também tem uma filha que mora na capital do estado, que muito quer a mãe morando junto ou perto dela. Ela está mais tentada a retornar à capital. Dona Nair ainda não sabe se a neta passou por exames médicos antes que a polícia colocasse o seu filho na cadeia.

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A obra que ilustra o artigo é de Camille Pissarro (1830-1903)

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