Por Passa Palavra

Desde a criação do Passa Palavra somos reconhecidos pela produção de textos que trazem tanto relatos sobre lutas quanto discussões aprofundadas sobre diversos temas. Uma questão que sempre esteve presente para nós foi como transpor para outros formatos a qualidade do material que produzimos, ou ainda de que forma poderíamos diversificar a nossa produção e permitir que as reflexões atingissem mais pessoas. Os leitores mais antigos do site hão de se lembrar que várias iniciativas foram tentadas: com diferentes graus de sucesso, transmitimos uma série de debates ao vivo, criamos um site para vídeos, gravamos e disponibilizamos entrevistas.

Essas iniciativas estiveram relacionadas a dinâmicas internas do coletivo, mas também a uma busca de como encontrar um formato que se aproxime do cotidiano dos trabalhadores. Sem dúvida as maneiras como os trabalhadores têm de se informar e formar-se sofreram alterações significativas. Nos últimos anos ficou marcada a ascensão dos podcasts, um formato que permite que o tempo dedicado às tarefas domésticas e o tempo gasto para ir ao trabalho sejam também uma oportunidade de formação. Têm ainda a vantagem de não precisar, como no caso de vídeos, de uma exposição pessoal de figuras com as quais o espectador irá se identificar, podendo assim a aproximação ser com a temática debatida. Resolvemos, por isso, apostar nesse formato.

A ação da classe trabalhadora é permanente, ela continua a buscar seus caminhos, a cavar seus túneis e elaborar suas estratégias de luta. Porém, em tempos de redes sociais as atenções dos militantes costumam estar mais voltadas para o que aparece na superfície, afinal o que está sob os holofotes repercute mais. O que nos propomos fazer em nosso podcast é olhar para os caminhos que trabalhadores e trabalhadoras construíram e constroem em suas lutas, mas também decifrar quais caminhos subterrâneos se abrem hoje. Para isso faremos temporadas que tratarão de temas pertinentes às mobilizações dos trabalhadores, passando por mobilizações atuais, bem como debates relacionados às lutas e reflexões sobre lutas de outros momentos. Os episódios serão disponibilizados em agregadores de podcasts e estarão linkados na seção Passa Palavra TV (PPTV) do site.

Nossa primeira temporada é sobre os trabalhadores de aplicativos e suas lutas. Serão quatro episódios, lançados a cada duas semanas. Convidamos você a passar a palavra, ouvindo, indicando e comentando os caminhos da velha toupeira.

11 COMENTÁRIOS

  1. Já faz algum tempo estávamos pensando em “replicar” o PP na rede Matrix,pensamos em criar Espaços por temática e ir subindo o conteúdou. Ainda não fechamos o formato,queremos evitar o cópia e cola,já tao usado por aí, sobretudo não queremos um mural afixado e sem vida própria. Estamos tateando sobre o formato do PP no matrix.org, e da própria rede,todas as sugestões são bem vindas.

  2. O aplicativo é o principal meio de produção na relação social de prestação de serviços concretizada pelos entregadores.

    O desenvolvimento de um aplicativo do tipo, em suas funcionalidades básicas operacionais, é de baixa dificuldade.

    Por que os entregadores não viabilizam cooperativas a partir de aplicativos desenvolvidos especificamente para este fim?

    O custo do desenvolvimento poderia ser arcado, como solidariedade política, por centrais sindicais, organizações, etc…

    No Rio houve a experiência dos Despatronados, qual o aprendizado?

    Mesmo as tradicionais cooperativas de táxi podem ser exemplo inspirador, aém de referencial de organização.

    Parabéns pelo podcast.

  3. Arkx, a reflexão que você traz é importante. Sem dúvida as cooperativas podem cobrir o buraco que os aplicativos deixam na ocasião de bloqueios ou redução das taxas, servindo como uma espécie de respaldo econômico, ou em contextos de luta como um fundo de greve. Mas como a cooperativa requer uma dedicação e compromisso por parte de seus protagonistas, ficam alguns dilemas:

    1) Como operar lutas comuns com entregadores vinculados às grandes plataformas, sejam eles nuvem ou OL?
    2) Criar uma periferia de entregadores não os distanciaria daqueles que lutam por melhorias nos grandes aplicativos com muito mais estrutura e possibilidade de ganhos?
    3) Não estariam os entregadores, enquanto trabalham para um aplicativo de menor espaço na concorrência, se engajando na própria exploração? Digo isso porque a tendência natural é os trabalhadores se engajarem na sua própria mais-valia absoluta.
    4) Como as cooperativas “vendem o peixe” para entregadores acostumados com a oferta de pagamento das grandes plataformas e competem com os descontos, vales e estrutura que os aplicativos fornecem?

    Tudo isso parece estar na ordem do dia. Ressaltando, não se trata de um problema moral com as cooperativas — não à toa os entregadores dificilmente servem exclusivamente a uma só plataforma —, mas em pensar em como elas contribuem para o advento de lutas coletivas. Ou se, ao contrário, elas procuram engajar os trabalhadores em piores condições de trabalho, apesar de seu caráter horizontal nas decisões. A autonomia como princípio político não parece resolver isso, mas sim a autonomia quando ela parte da composição dos trabalhadores em seus processos de luta.

  4. Alan,

    Compreendo perfeitamente todos os pontos.

    Vou seguir por um outro rumo, mas na perspectiva da mesma questão de fundo: a autonomia como meio e fim.

    O que é um podcast?

    Nada além de um arquivo de áudio, seja em qual formato de arquivo (m4a, aiff) ou modo de acesso (streaming, off-line).

    As plataformas (Anchor, Spotify) agregam valor ao produto básico (o arquivo de áudio), principalmente por lhe conferir visibilidade através de uma imensa capacidade de divulgação na Web.

    O podcast se torna assim também instrumento de valorização das plataformas onde se hospedam.

    Como de modo geral nas redes sociais, a monetização vem não pelo serviço em si mas através da própria comunicação, quanto maior o uso mais valor se agrega à plataforma.

    No passado o padrão era a cobrança pelos serviços postais (carta, telegrama), enquanto hoje o uso das plataformas de comunicação sempre tem uma opção “gratuita”.

    Exemplo do Anchor:《Create, distribute, and monetize your podcast—all for free.》

    Qual a visibilidade, portanto a quantidade de acessos, de um podcast não disponibilizado nas principais plataformas? Certamente muito pouca.

    Este seria também um grande obstáculo para uma plataforma autônoma de entregas por aplicativos.

    Como ter parcela de mercado suficiente para se viabilizar economicamente?

    Por outro lado, se trata de competir no mercado por cada vez mais mercado, numa lógica capitalista?

    Ou o fundamental é viabilizar geração de renda e qualidade de vida num processo de lutas em sentido ao pós-capitalismo?

    Em outras palavras: o que os entregadores querem? Seu lugar no mercado? Autonomia e flexibilidade?

    Em busca da autonomia como meio e fim, a velha toupeira deve cavar buracos de minhoca, sempre se deslocando nas dobras, fissuras e interstícios do capitalismo, para tecer uma complexa e inusitada rede de conexão entre os movimentos em luta.

  5. Não entendo nada de app de podcast, mas seria interessante colocar nas plataformas do Google também. Procurei no app de podcast do Google e não achei o canal. E, como eu, imagino que muitos usam essa plataforma.

  6. Caro Paulo Henrique,
    Por questões técnicas o podcast está primeiro disponível no Spotify e no Anchor, posteriormente ele entrará em outros agregadores de podcasts.

    Saudações,
    Coletivo Passa Palavra

  7. arkx Brasil,

    Cooperativas de entrega de comida estão fadadas a ficarem em pequenos nichos de mercado, no máximo, a menos que haja intervenção estatal mudando o mercado.

    Impossível uma cooperativa competir com o aporte de capital que essas empresas possuem. Mesmo as que tem muito capital mas chegam depois tem imensa dificuldade de conseguir espaço no mercado.
    Existem cooperativas de motoboys, e nem é algo novo.
    Recomendo sobre o assunto o livro Delivery Fight – a luta contra os patrões sem rosto, do Callum Cant.

  8. Leo V,

    Compreendo as limitações das cooperativas, como de toda a economia solidária: como nichos de mercado, acabam não passando de um complemento deste e reproduzem uma atuação empresarial.

    Contudo isto é inevitável, pois não há exterioridade ao modo de produção capitalista.

    Além disto, a “economia solidária” acaba tendo a função política de amortecer a luta contra as relações econômicas dominantes.

    Procurei me referir a outra questão: o que os entregadores querem?

    Num artigo publicado por vc, a partir de pesquisa realizada com os entregadores, se evidencia o desejo deles por flexibilidade e autonomia.

    Já no podcast o entregador cita ter recebido num mês R$ 6 mil, para justificar ter abandonado emprego com carteira assinada e optado pelas plataformas de aplicativos.

    Pela via da uberização o precariado chegará ao paraíso?

    Claro que não! Como o mesmo entregador comenta mais adiante na entrevista, as regras mudaram. E continuaram mudando.

    Mesmo se não mudassem, haveria sempre o limite físico e de saúde como impeditivo para uma sequência de rendimentos no mesmo nível.

    Portanto, qual a importância para os entregadores das cooperativas e de outras formas de associação?

    Primeiro, para terem um mínimo de autogestão de suas condições de trabalho.

    E mais importante: por serem formas de organização, que podem avançar e se aprofundar politicamente.

    E isto vale não só para os entregadores como para todos nós: as lutas são meio de organização para se lutar mais e melhor, desde que colocadas numa perspectiva pós-capitalista.

  9. arkx Brasil,

    Se concordamos que essas cooperativas de entrega de comida preencheram apenas nichos de mercados e serão marginais perto das empresas que existem, não entendo a discussão? Mesmo que 10% (ou 20 ou 30) dos entregadores montem cooperativas, a luta vai continuar naqueles que trabalham para as atuais empresas. Os entregadores querem autonomia e flexibilidade, e isso terá que ser conquistado na luta contra a organização do trabalho que essas empresas tentam impor.

  10. Leo V,

    Compreendo que você não entenda a discussão.

    Compreendo que em vários artigos publicados pelo PassaPalavra também pareça haver, paradoxalmente, um não entendimento da discussão sobre autonomia.

    Alguns caros amigos sempre me afirmam não entenderem porque participo dessas discussões, mesmo que o faça de modo bastante restrito e pontual.

    Eu os compreendo.

    E nunca deixo de responder, sempre destacando a importância política de entender os motivos pelos quais não é compreendida a questão de fundo envolvendo a autonomia como meio e fim.

    A considerar: jamais haverá autonomia e flexibilidade para os trabalhadores sob o Capitalismo, porque isto exige propriedade coletiva dos meios de produção.

    Também por estarem sob o Capitalismo, cooperativas sempre se circunscreverão a nichos de mercado.

    A limitação não está na forma de organização em si, mas na lógica intrínseca ao mercado, este entendido enquanto capitalista.

    Portanto é uma limitação impossível de ser superada economicamente, só podendo ser rompida através da luta política.

    As formas de associação econômicas dos trabalhadores são a configuração concreta, e possivel dentro da correlação de forças, de outro modo de relações de produção.

    Mais importante: desde que colocadas numa perspectiva pós-capitalista, as cooperativas são formas de luta através da quais se avança e aprofunda a consciência de classe, e assim a própria luta e a organização.

    Como os escravos deveriam agir? Reivindicar dentro das fazendas melhores condições de trabalho aos senhores?

    Ou fugirem para erigir quilombos?

    Mesmo nos quilombos estando sempre sujeitos aos ataques de seus ex-senhores, não é difícil entender tratar-se de condição de vida muito superior aquela das senzalas.

    Qual a forma dos quilombos contemporâneos? Seriam TAZ ou ZAD? O que podemos aprender com os zapatistas e curdos? Quais a inúmeras experiências atuais de comunidades autônomas?

    Afinal, o que é a autonomia? Como caminhar para ela?

    Uma das respostas possíveis: compreendida como meio e fim, a autonomia é a forma pela qual se materializa como processo a Revolução.

    Obrigado pela oportunidade de dialogar. Grande abraço.

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