Dinheiro

Por Antônio Celso

Foi divulgado, no dia 9 de agosto, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental da Mudança Climática – o mais alto órgão da ONU responsável pelo assunto. O tom mais incisivo e menos dúbio da publicação chamou a atenção da imprensa, mas a maior manchete foi a constatação de que não há mais como evitar o aumento de temperatura de 1,5° C. Tal inevitabilidade nos leva naturalmente à pergunta de como esse cenário impactará a economia brasileira. E a resposta, nos parece, inclui tanto os impactos do clima mais extremo quanto os das medidas de mitigação climática que, a despeito do nosso negacionista-em-chefe, mais cedo ou mais tarde virão.

Comecemos pelas consequências climáticas em si. Por sua dependência dos regimes de chuva e temperatura, a agricultura será evidentemente a maior atingida. As quebras de safra devido às temperaturas incomumente baixas em 2021 serão antes regra do que exceção. O primeiro efeito, direto, é o de encarecer os alimentos que, justamente com a estagnação da renda do trabalho, levará milhões de brasileiros à situação de insegurança alimentar. Ademais, este é o setor mais dinâmico do país que, se por sua natureza não consegue impulsionar o PIB nem o número de empregos, ainda assim é um dos grandes responsáveis pela superavitária balança comercial. O setor, portanto, é chave para a obtenção de divisas e o equilíbrio cambial – em suma, dele depende a estratégia brasileira de inserção externa.

Estes efeitos sobre a agricultura são redobrados pela outra previsão alarmante que traz o IPCC: as oscilações mais frequentes e extremas de regimes de chuva. Esta, porém, traz consigo uma questão adicional. Pela nossa matriz energética majoritariamente hídrica, as crises energéticas serão recorrentes (pela qual também estamos passando em 2021). Redirecionar a nossa matriz, contudo, traz alguns problemas. O primeiro é que outras opções energéticas são ou caras, ou poluentes, ou os dois. O alto custo monetário e em emissões torna, portanto, a tarefa complexa. O segundo é mais sutil. No contexto da regressão industrial em que estamos desde 1990, uma das apostas do Brasil para obter competitividade internacional foi justamente sua matriz energética barata. Esta foi uma das justificativas por trás de Belo Monte. A insustentabilidade da produção hidrelétrica, justamente com o abandono de incentivos à pesquisa e educação pública de qualidade, deixará o Brasil apenas com uma alternativa para competir nos mercados internacionais – salários baixos e supressão de encargos e direitos trabalhistas (na qual o país caminha desde o governo Temer).

O cenário que se desenha, portanto, engloba pressão inflacionária, aumento da pobreza e crise externa. Ele só é reforçado pelas medidas de mitigação climática – políticas públicas que estão ou deverão ser implementadas pelos países desenvolvidos. A medida mais popular entre os economistas e a que tem sido mais colocada em prática é a taxação de carbono: um imposto adicional específico para produtos altamente poluentes, como combustível fóssil, siderúrgicas e cimento. Esta solução, contudo, acarreta dois problemas graves ao Brasil. O primeiro, a ser sentido imediatamente, é que ele é altamente regressivo – como pobres gastam uma proporção maior de sua renda com esses bens comparado aos ricos, eles são também os mais atingidos. Na realidade brasileira de inflação desafiadora para as camadas baixas, bem como desemprego e queda na renda, esse impacto adicional é particularmente perverso.

Em segundo lugar, setores associados à acumulação de capital são significativamente poluentes. Aço e cimento citados acima são insumos incontornáveis para a construção civil, de habitações até saneamento e infraestrutura de transportes. Se a China dos últimos 20 anos é o exemplo prático disso, o desafio é o mesmo para todas as economias emergentes que ainda precisam percorrer o caminho do desenvolvimento: Brasil, Índia, Vietnam etc. Taxação adicional nestes bens tornarão mais caros os investimentos, causando desaceleração de projetos, obras e, no fim, do próprio crescimento econômico e perpetuando, por tabela, o subdesenvolvimento.

É recorrente, nas elaborações de textos relacionados à mudança climática, incluir ao final alguma mensagem de que ainda há tempo para mudança. Para o Brasil, essa mensagem seria pura ficção. O ano de 2021, tem sido uma mescla de desafios climáticos aos quais, segundo o mais recente IPCC, devemos nos acostumar, com desafios econômicos – inflação, fome e crise cambial – em que temos séculos de experiência. Nossa situação é delicada porque tanto a enfermidade quanto o remédio agem conjuntamente para colocar em xeque o modelo econômico brasileiro – asfixiando igualmente as possíveis alternativas. Olhar para as soluções propostas pelo centro do capitalismo, mais uma vez, será de pouca serventia, mas olhar para o que vem sido discutido em Brasília tampouco tem sido alentador. Fadados a enfrentar os desafios climáticos do século XXI, ainda o Brasil ainda se debate com os obstáculos do XX.

6 COMENTÁRIOS

  1. Ambientalismo a nova religião ? por si só o tal ” consenso ” em torno desse alarmismo climático é de longe cientifico . Para ser aceito pelos grandes lideres e empresas mundial precisa de um grande apoio midiatico como estamos vendo . Há um tempo atrás ainda apareciam os chamados céticos ( não eram e não são poucos , como a midia e a ONU gosta de repetir ) do clima revelando muitos buracos nessa teoria do aquecimento global . Fato que a esquerda hoje atolada pelo ambientalismo de jardim não debate esses temas , e ai vem uma galera mais direitosa e abraça a ideia misturando tudo num negacionismo complicado .
    Fica claro que na agenda politica que vem ai , o mercado da sobrevida ao um novo modelo verde capitalista e que as contas e a culpa sera jogada em cima dos mais vulneráveis. A culpa é jogada para cima do consumidor , que através da mudança de consumo e atitudes individuais podem salvar o planeta .
    E de longe aponta-se para a resolução de inúmeros problemas ambientais a nível local e até regional que nada tem a ver necessariamente com a emissão dos novos vilões ( co2 e metano ) .

  2. Na sequência do comentário anterior, não há dúvida de que está a haver alterações climáticas. Isso prova-se com estatísticas. Onde a questão começa a ser interessante é que sempre houve alterações climáticas. Qualquer pessoa que se tenha dedicado à história económica antes do advento do capitalismo, em qualquer região do mundo, sabe que mesmo no período de um século ocorreram ciclos de aquecimento e de arrefecimento. E, numa perspectiva a muito mais longo prazo, sabe-se que o globo terrestre atravessou ciclos acentuados de arrefecimento e aquecimento, que aliás são usados para designar períodos geológicos de longa duração. Portanto, nem a indústria é uma causa exclusiva das variações climáticas nem o ser o humano o é.

    Os fenómenos climáticos nunca são provocados por um único factor, mas sempre por um conjunto complexo e variável de factores. Aliás, convém recordar que aquele ramo da matemática denominado teoria do caos foi fundado precisamente por um meteorologista, Edward Lorenz, que todos conhecem graças à metáfora do efeito borboleta.

    Atribuir o actual ciclo de aquecimento a um único factor, as emissões de CO2, decorrente de uma única causa, a indústria, é uma operação demagógica que serve dois tipos de interesses:

    Do lado do movimento ecológico serve, como é habitual, para sustentar a tese de que a humanidade vive acima das possibilidades e que é necessário diminuir o ritmo da produção é apertar o cinto. O movimento ecológico é um movimento promotor da mais-valia absoluta.

    Do lado dos capitalistas destina-se a proceder em ampla escala a uma operação muitíssimo rentável, tornando prematuramente obsoletos factores de produção e sistemas de fabrico e substituindo-os por outros. E esta operação, que antes era deixada a cargo das grandes crises económicas e das guerras mundiais, é hoje feita de forma tranquila e paga pela população com tanto mais boa vontade quanto julga que está a salvar o planeta. Não foram os capitalistas quem inventou o movimento ecológico, mas sabem aproveitar-se dele. Aliás, o capitalismo é capaz de converter qualquer coisa em lucro e esta é uma das razões do seu dinamismo. Recomendo a leitura deste artigo publicado em The Economist, com data de 16 de Agosto. Trata-se de uma análise muito documentada do aumento de investimentos nas tecnologias do clima, e termina dizendo que «nas palavras de Carmichael Roberts da BEV [Breakthrough Energy Ventures], “na tecnologia do clima, tudo é difícil”». E logo em seguida The Economist comenta: «Tudo, excepto angariar capital».

    Mesmo no que diz respeito às emissões de CO2 os cientistas descobriram formas de lhes limitar os efeitos sem para isso ser necessária qualquer remodelação profunda dos sistemas industriais, mas os ecológicos, com a histeria anticientífica que os caracteriza, têm-se oposto a essas experiências. A este respeito, e para terminar o meu comentário, reproduzo em seguida um extracto de uma newsletter de The Economist de 11 de Agosto deste ano. O texto é de Alok Jha. (Peço desculpa de o reproduzir em inglês, mas estou sem tempo para o traduzir.)

    «In 1991 Mount Pinatubo, in the northern Philippines, erupted. The blast sent a cloud of ash 25 miles into the air and released around 20m tonnes of sulphur dioxide into the Earth’s stratosphere. There the gas turned into tiny droplets of sulphuric acid that soon circulated among the clouds of the northern hemisphere. These tiny particles blocked some of the light coming from the sun and, the following year, the world’s average global temperature dropped by around 0.5°C.
    «That event gave Paul Crutzen, an atmospheric scientist who won the Nobel prize for chemistry in 1995 for his work on understanding the hole in the Earth’s ozone layer, an idea. In 2006, he proposed that one way to slow down global warming would be to inject tiny particles of sulphate into the upper atmosphere, which would act like tiny mirrors and reflect some of the sun’s light and heat back into space.
    «It was not the first time someone had floated the idea of engineering the climate. In his essay for the journal Climatic Change, however, Dr Crutzen went further than anyone before by describing how to build such a system and also calculating timescales and costs, based partly on the impacts measured after the eruption at Mount Pinatubo. He described his radical idea as “an escape route” against increasing temperatures, given what he called the “grossly disappointing international political response” to the obviously better idea of reducing greenhouse-gas emissions.
    «Fifteen years later, Dr Crutzen’s lament on political inertia on greenhouse-gas emissions still seems worryingly apt. But his radical idea to change the climate has also come in from the cold. It is just one of many conceptual technologies—collectively known as “solar geoengineering”—aiming to slow global warming by reflecting sunlight away from the Earth’s surface. (Probably the wackiest, but by far my favourite, is to send mirrors up into space.)
    «Another set of ideas to slow climate change are known as “negative emissions”. These technologies seek to remove carbon dioxide out of the air and are implicit in the many “net zero” targets announced by governments and companies around the world. They include carbon capture and storage, machines that act like artificial trees and schemes to dump iron into the oceans to encourage blooms of carbon-consuming algae.
    «Geoengineering—the catch-all term for these big, Earth-scale ideas to stop or slow down climate change—used to be at the fringes of serious science. But it has been gaining serious traction in the past decade.
    «[…]
    «Some form of geoengineering technology, therefore, would seem inevitable if the world has any hope of meeting the Paris targets.
    «Despite the uptick in interest, the technologies themselves are nowhere near ready. Resistance from some scientists and environmentalists has made research in the field very difficult. In March, for example, a project in Sweden that would have tested scientific equipment to be used in future experiments to release particles into the atmosphere had to be cancelled after protests from local environmental groups. The locals argued—as have others who oppose geoengineering—that the technology being tested would distract from the more important task of reducing carbon emissions.»

  3. João Bernardo,

    Que existem ciclos climáticos no planeta Terra (inúmeros), os cientistas sabem. E por isso eliminam os ciclos dos gráficos (normalizam o gráfico levando em conta os inúmeros ciclos conhecidos). O resultado é que as mudanças climáticas atuais só são explicáveis pela ação humana. Isso é consenso no meio científico. Em termos numéricos é mais consensual do que tratamento precoce para covid e eficácia das vacinas.

    *** *** ***

    Sobre jogar poeira na atmosfera para baixar a temperatura: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/02/02/bill-gates-financia-projeto-para-escurecer-o-sol-e-reduzir-aquecimento-global. A questão é que jogar uma grande quantidade de qualquer substância na atmosfera pode gerar interações imprevistas e potencialmente catástrofes imprevistas. Fazer algo e escala global, na atmosfera, comporta um risco altíssimo.

  4. Se chama princípio da precaução, a ideia de defender-se contra efeitos desconhecidos de ações que a sociedade considera temerárias. Esse princípio pode ser usado para convencer da necessidade de invadir o Afeganistão (pois não sabemos o que poderá ocorrer se não eliminarmos Osama Bin Laden), pode também ser usado para impedir a aplicação em escala global de vacinas desenvolvidas em um tempo curtíssimo, que teria sido motivo de todo tipo de denuncia em períodos pré-pandêmicos.

  5. Consenso não é ciência ! cair em papo da mídia e não ter visão critica da ciência no modo de produção capitalista é ingenuidade !
    Antivaxx bem colocado ! não se pode fazer ciência se utilizando desse principio , pior ainda se esse principio é questionado por alguns sérios cientistas do clima .

  6. https://jornal.ufg.br/n/97527-aquecimento-global-existe-mesmo

    Nessa entrevista – em que alguns especialistas com visões opostas são confrontados – ao ser questionado sobre o surgimento da Teoria do Aquecimento Global, o prof. Paulo Sobreira responde:

    “- Tem uma vertente política que dá a seguinte explicação: isso veio a partir dos anos de 1980 com os governos de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Tatcher, no Reino Unido, porque eles enfrentaram crises que comprometeram o carvão e petróleo. Em termos políticos o que aconteceu foi que esses países bancaram uma ideia de que usar combustíveis fósseis seria prejudicial, causando o aquecimento global. Isso, do ponto de vista econômico e político, seria uma forma de boicotar o uso desses combustíveis que causaria tanta dependência nas situações pelas quais esses governos estavam passando. Precisamos considerar esse esboço político.”

    Outra climatologista, Prof. Juliana Ramalho, expõe: “- Até para pesquisar é difícil, porque os financiamentos já vêm para quem já trabalha com a certeza de que o aquecimento global é um fato.”

    Há algumas discordância e, ao menos entre os 3 pesquisadores entrevistado, não há consenso.

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