Por Malvina Pretória Samuelson e Galileu Galalau

Servidor desligado

Durante o piquete de mobilização, em que trabalhadores de base do sindicato passaram de sala em sala na reitoria para chamar os colegas à paralisação da quinta-feira, um dos servidores técnico-administrativos disse que apoia muito o movimento, afinal a inflação está comendo nossos salários, o instituto está cada vez mais precarizado e esse Bolsonaro tem que sair do poder. O servidor ainda disse que não é desses que fazem “greve de pijama”, e garantiu que estaria presente no ato em frente à reitoria no dia da paralisação.

E no dia da paralisação a galera do piquete chegou quando já havia trabalhadores dentro da reitoria. O servidor que não faz greve de pijama era um que estava em seu computador trabalhando. Os piqueteiros ameaçaram desligar os cabos dos computadores caso os trabalhadores fura-paralisação não suspendessem as atividades imediatamente. Então, os grevistas foram ao servidor de internet e desligaram os sistemas: pane na reitoria e em todos os outros campi do Estado.

No dia seguinte ao ato, pelo WhatsApp, o servidor que não faz greve de pijama desabafou para um dos colegas que estavam no piquete: disse que apoiava o movimento achando que seria pacífico, mas desligarem o servidor e impedirem o trabalho no dia da paralisação já foi autoritarismo demais!

A aposta

O diretor é um tipo muito gente boa, simpático e está sempre lado a lado com seus colaboradores. Um dia, apostou com um trabalhador terceirizado se a cor de um produto de limpeza era roxo ou lilás. Cada um disse uma coisa, fizeram uma aposta e saíram de sala em sala, com o diretor à frente, para perguntar a cada trabalhador qual era a opinião deles, para chegarem a um veredicto sobre a cor do produto.

Em nossa sala eles chegaram perguntando a cor do produto. Éramos dois técnico-administrativos com opiniões divergentes. Empate. Eis que o diretor fala brincando:

— Apostei com o W. 100 libras esterlinas, porque 100 reais hoje em dia não é nada, né gente?

Muito consciente sobre a corrosão da inflação, mas muito insensível um gestor que recebe gratificação pelo cargo fazer uma brincadeira dessas na frente de um trabalhador precarizado que mal-mal passa o salário mínimo. Mas em um momentinho de silêncio, o diretor continuou:

— 100 Libras dá quantos reais? Mais de 800, quase 900 né? É quase o salário do W.! Hahahahahaha

A menina do freezer

Dois trabalhadores técnico-administrativos da área pedagógica estavam tomando um café quando chegou desesperada a docente, denunciando que uma estudante entrara dentro de um freezer desligado do laboratório, fizera um vídeo e publicara nos stories do Instagram. Os dois técnico-administrativos acharam engraçada e inocente a brincadeira da adolescente, mas para a professora aquilo era um absurdo. O chefe de departamento e o coordenador do curso também se desesperaram e cobraram dos técnico-administrativos que se inciasse o inquérito e a lavratura do boletim de ocorrência, afinal é preciso mostrar aos estudantes que não se pode fazer bagunça no instituto e que a tolerância deve ser zero. Depois de dois anos de ensino remoto emergencial, salas lotadas e sem ar-condicionado, ventilador ou uma ventilação adequada, com problemas de transporte para o campus e mais inúmeras falhas estruturais do novo prédio que criam condições insalubres para o trabalho e aprendizagem, uma adolescente entrar no freezer é a maior das preocupações entre certas pessoas.

O estacionamento

O campus novo conta com muitas vagas em seu estacionamento, mas a gestão decidiu fazer um apartheid: apenas servidores podem estacionar dentro do instituto. Os estudantes maiores de idade acharam um absurdo e reclamaram, e agora têm suas vagas para estacionar, separadas das vagas dos servidores. Ainda assim, pais e responsáveis por estudantes e motoristas de aplicativo não podem entrar no campus, nem qualquer pessoa que não seja servidora, autoridade ou polícia pode estacionar lá dentro da instituição pública. No dia em que a gestão organizou a reunião de pais… não deixaram os vigilantes autorizados permitirem a entrada dos carros dos pais. Foi preciso um estudante chamar atenção de uma das chefias para que a falha fosse corrigida.

Água: um recurso de todos?

Na copa do sindicato, um aviso na parede indicando práticas de bom uso dos refeitórios. Entre os avisos, estava um que dizia que as garrafas de água mineral na geladeira são de uso exclusivo dos diretores sindicais em eventos.

A tutela

Trabalhadores de base do sindicato encaminharam uma proposta, não considerada pela mesa da assembleia, de que o sindicato deveria fornecer o transporte ou combustível para trabalhadores dispostos a fazer o trabalho de mobilização em campi do interior. No WhatsApp um diretor acatou a ideia, mas exigiu que os trabalhadores de base não fossem sozinhos: era preciso a presença de pelo menos um diretor sindical. Será que não confiam na capacidade de agitação de seus trabalhadores de base? Será que desconfiam do que poderíamos falar na ausência deles?

Direção

Viajamos para um campus em cidade de interior para fazer a agitação e mobilização de trabalhadores para a paralisação. O motorista do sindicato nos levou. Cada um de nós recebeu uma diária de R$ 50,00, o que já é uma ajudinha em tempos em que o salário se esvazia tão cedo. No dia seguinte, o motorista estava animado para nos levar em outro campus, afinal veria mulheres bonitas de outras cidades e ainda ganharia a diária. Havia até lavado o carro. O diretor sindical, porém, quis economizar: tomou as chaves do motorista e disse: “Hoje você fica no sindicato. Quem vai dirigir o carro sou eu”. E embolsou a diária do motorista.

QAP dobrado

A vigilante terceirizada é muito disciplinada e leva a sério as ordens que recebe, afinal não quer perder o emprego. Mas quando pode, ela se senta para descansar e gosta de conversar e rir com outros trabalhadores e estudantes. Mas quando o gerente chega, ela se levanta imediatamente e fica em posição de sentido; muda a expressão facial, o tom de voz e o clima no ambiente. O gerente é mesmo um cara muito respeitado!

Parte lateral do prédio da Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro/ colaborador anônimo

É preciso economizar

Com o teto de gastos, cada vez são mais escassos os recursos repassados para o instituto. O gerente é o responsável pelas contas, materiais de consumo e patrimônio, e preza pela economia dos recursos. Um dia, ele passou por uma sala e, sem dizer nada, desligou a luz enquanto uma trabalhadora técnico-administrativa estava lá. Afinal era dia e não precisava de luz acesa. Será que ele já fez isso na sala do diretor?

Função social

Novo campus na periferia de uma capital é uma oportunidade econômica para os negócios locais, sobretudo para trabalhadores desempregados ou que precisam de uma renda extra. A própria gestão gosta de se gabar dizendo que traremos desenvolvimento para bairros próximos à região, cumprindo assim uma função social. Assim que se retomaram as aulas presenciais, muitos informais apareceram pedindo autorização da gestão para venderem lanches e almoço na escola. Um dia uma idosa perguntou ao gerente se era possível ela vender lanches na escola, e ele bem rude e grosseiramente respondeu:

— Do portão pra cá é instituto e você não pode; do portão pra lá é responsabilidade da prefeitura, aí você se vira!

Magnífica de luta

Durante o piquete na reitoria, mesmo com os sistemas fora do ar, muitos trabalhadores se recusaram a estar presentes no ato que acontecia na frente do prédio. Foi assim que o grupo de trabalhadores do piquete foi até a janela do gabinete da reitora e com um susto gritaram para ela aderir à paralisação. Ela, muito simpática à causa dos oprimidos, e muito constrangida, disse que ia. E foi, levando o séquito de trabalhadores que até então se recusavam a sair da frente de seus computadores. Ela foi e escutou muitas falas, porém algumas já extrapolavam o simples ódio pelo governo Bolsonaro e começaram a tocar em coisas sensíveis à gestão: a existência de assédio moral e perseguições no instituto por parte de chefias abusivas, a precarização do trabalho e das estruturas de vários campi e a situação mais precarizada ainda dos trabalhadores terceirizados. O diretor do sindicato, em mais um susto para a reitora, colocou nas mãos dela o microfone. Eis que ela de improviso fez uma péssima fala, sempre tentando se mostrar contra o governo e favorável às reivindicações dos trabalhadores. Porém as falas seguintes ignoravam o óbvio sobre a causa salarial durante esse governo e insistiam em falar sobre problemas internos ao instituto. A reitora pegou o microfone novamente e se desculpou porque teria que se ausentar, pois teria uma reunião externa que começaria em poucos minutos. Ela virou as costas durante uma fala de trabalhador e foi embora com seu séquito. Reunião por videoconferência sem internet funcionando, reitora?

O auxílio transporte

Trabalhadores de um campus de cidade do interior relataram um curioso fato: com luta conseguiram o auxílio transporte, que é baseado no preço do bilhete de transporte coletivo, porém com a pandemia a prefeitura da cidade suspendeu o transporte coletivo, que até hoje não voltou a funcionar. A reitoria tomou uma decisão, no mínimo, bizarra: não tem mais transporte coletivo? Que se corte o auxílio transporte! Agora os trabalhadores querem lutar para que o auxílio volte e baseado no preço do táxi.

Veja as outras peças do mosaico aqui e aqui.

1 COMENTÁRIO

  1. ZEROWORK
    Pretória & Galalau arregaçaram no agitprop.
    Muito bom o anedotário cotidiano.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here