Por Alan Fernandes, Juliana Antunes e Matheus Dias

Quando em 2021 nos dispusemos a elaborar um panorama da adesão da base que viria compor os atos inflamados pela extrema-direita brasileira no 7 de Setembro, visualizamos que, ao mesmo passo em que ocorria uma presença massiva da base ideológica bolsonarista, ligada às pautas do “Eu Autorizo, presidente!” – lema baseado na suposta consonância de um golpe de Estado promovido por Jair Bolsonaro –, era esperada a presença de algumas linhas de trabalhadores engajados nesses ideais, como era o caso de alguns entregadores de aplicativo, mas especialmente os caminhoneiros.

Na ocasião de análise, grafamos:

“A disputa da extrema-direita no movimento dos caminhoneiros alterou-se significativamente, sendo necessário observar como as ações do governo reverberam na categoria. […] Há quem poste-se em prol de uma paralisação, não unida às reivindicações elencadas pelos bolsonaristas, mas visando um destaque às pautas da categoria, sobretudo a alta dos combustíveis e a tabela do frete; há quem se manifeste contrário a unir-se nas mobilizações em virtude do posicionamento dos grupos atrelados ao agronegócio — fortes apoiadores das mobilizações bolsonaristas — em 2018, denunciando-os como “traidores” […]“

Ainda que este ano uma parte dos caminhoneiros tenha manifestado interesse na adesão ao ato, uma ala considerável dos mesmos, onde se destaca Wallace Landim (mais conhecido como Chorão), um dos líderes da greve dos caminhoneiros de 2018, demonstrou em julho indiferença quanto ao ato. A justificativa para o rompimento se dá, sobretudo, pela escassez de apoio por parte do Governo Federal à categoria. Vale mencionar que o auxílio combustível não conseguiu reverter essa má-vontade da categoria comparado com a receptividade dos mesmos nos últimos anos.

Entretanto, ainda que as previsões de julho pudessem sugerir uma não adesão às mobilizações do 7 de Setembro — hipótese esta que parece se cumprir quando pensamos nas suas entidades representativas —, na noite do dia 05/09, ainda na antevéspera dos atos, ocorria a chegada de caravanas e caminhões à Explanada dos Ministérios em Brasília. Tal presença, no entanto, não chegou a ser massiva.

Esse “banho de água fria” sugere que o momento pedia mais um apelo eleitoral do que radical, visto que os aliados de Bolsonaro e os atores mais notáveis se vêem pressionados pelo STF.

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Erick Carvalho, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ficou conhecido no ano passado por fazer a assessoria jurídica de Marcos Antônio Pereira Gomes (popularizado entre os caminhoneiros de direita como o “Zé Trovão”), conhecido por vociferar contra o STF e as decisões judiciais levadas a cabo pelo ministro e atual presidente do TSE Alexandre de Moraes. Ele hoje se apresenta como “advogado do 7 de setembro” e coordenou a passeata que ocorrerá no dia, além de ter protocolado pedido de impeachment contra Moraes. Além disso, o mesmo realizou um transporte de apoiadores de Bolsonaro para Brasília na ocasião, prometendo que outras candidaturas da direita estariam presentes.

Hoje, Zé Trovão recebe assessoria jurídica de Levi de Andrade, e não deve ser espantoso que não saibamos muito sobre ele até o momento. Ele, Sérgio Reis e Roberto Jefferson ficaram visados por se radicalizarem a favor do bolsonarismo quando o chefe do Executivo, dependente dos elementos moderados da política institucional, não pensou duas vezes antes de “tirar o seu da reta” para manter-se no cargo após a conturbada repercussão dos atos antidemocráticos.

Vale lembrar uma vez mais que Sara Giromini (Sara Winter), ativista de extrema-direita deixada como bucha, também foi sacrificada pelo presidente para testar o limite das instituições e a adesão basista à plataforma política de Bolsonaro. Assim como Zé Trovão e Daniel Silveira, Giromini ficou um tempo em prisão doméstica por ter sido uma das que mais colocou a cara a tapa por Bolsonaro… que não voltou a se solidarizar com a ativista. Já Silveira pôde ser agraciado com um indulto que especialistas dizem ser impertinente, mas que o deu liberdade o suficiente para desafiar o STF em mais um ano em que as cartas estão sendo lançadas sobre o cenário político do país.

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Ainda que a aprovação de Bolsonaro mantenha-se abaixo da de Lula, do 7 de setembro para cá a aprovação do presidente pulou de 32 para 34%. O IPEC, por outro lado, coloca o Bolsonaro com 31% e o Lula tendo subido dois pontos. Mas fato é que seu nível de capilaridade não parece ser semelhante àquele do ano passado. É preciso lembrar que este 7 de setembro aconteceu um mês após da leitura da Carta pela Democracia, que chegou a inúmeros signatários, muitos deles figuras públicas, alguns provenientes dos lugares comuns que outrora alavancaram o bolsonarismo. Insossa, a carta nada mais fez do que antecipar-se às aventuras golpistas, procurando fazer uma demonstração de força de que o ataque às urnas não seria tolerado pelo “campo democrático”. Se procurou frustrar a intenção dos bolsonaristas de efetivar um “capitólio à brasileira”, não surtiu o mesmo efeito quanto a desagregar aquilo que foi desconstruído institucionalmente e ficará de legado da gestão do ex-capitão.

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Quanto mais outubro se aproxima, mais o discurso de Bolsonaro se modifica. Esse processo se justifica, sobretudo, porque em ano de eleição instituições como a Justiça Eleitoral estão em alerta. Atrelado a isso, cabe destacar que a equipe de campanha vem desaconselhando ferrenhamente o candidato e atual presidente a proferir discursos contrários ao sistema de votação e à Justiça Eleitoral como um todo, especialmente com a discussão sobre uma possível impugnação, — improvável concretamente, mas possível juridicamente— da candidatura.

Surpreendentemente, o recuo do então presidente se concretizou e seu discurso em Copacabana possuiu um teor menos radical que o esperado. Dentre as questões vociferadas pelo presidente se destacaram o nacionalismo, sob os gritos exaltados de que “O Brasil é um país maravilhoso, ninguém tem o que nós temos”, ou que “É preciso retomar o patriotismo no Brasil”, mas, diferente do ano passado, não houve ataques sistemáticos ao sistema eleitoral, ou mesmo ameaça direta de intervenção no resultado das eleições.

Falou também de religião – afirmando que, embora o Estado brasileiro seja laico, o presidente em exercício é cristão – , fez autopromoção da imagem do governo – sobretudo no que diz respeito à gestão da pandemia, repetindo a máxima de que “lamenta-se todas as mortes, mas na economia o governo deu o seu exemplo” – e ovacionou o liberalismo – no sentido de defesa da propriedade privada.

Bolsonaro ainda se estendeu à exaltação de algumas imagens, como Tarcísio de Freitas, militar da reserva, candidato ao governo de São Paulo e conhecido por ter sido ministro da infraestrutura no governo e um dos braços fortes do presidente durante sua gestão.

Houve espaço para advertir seus eleitores de uma “batalha do bem contra o mal”, onde o “outro lado” (seu principal adversário) quer “voltar à cena do crime”[fazendo referência ao retorno de Lula, outrora preso, à presidência da república]. Foi flagrante sua intenção ao reafirmar o versículo “conhecereis a verdade, e ela vos libertará”, ao se reafirmar como messias (“defensor do bem”) contra os que querem lhe opor (“o mal”), sejam eles o STF, a imprensa, a comunidade internacional ou, se quiser se encurtar, a “velha política”.

Na encruzilhada em que se encontra, coube aos ideólogos e lideranças bolsonaristas trabalhar para incentivar ações e mobilizar as bases para um processo de radicalização — que conta apenas com a participação simbólica de Bolsonaro. O que queremos dizer é simples: Bolsonaro esteve mais atento aos discursos, buscando reduzir o tom em temas que podem lhe causar problemas com a justiça. Ao mesmo tempo, as bases têm sido incentivadas a adotar um tom mais ruidoso, principalmente em relação ao Poder Judiciário, ao Sistema Eletrônico de Votação e às “ameaças” de retorno do “comunismo”.

Essa mudança de estratégia, costurada por Bolsonaro e seus apoiadores mais engajados busca blindar o presidente e atual candidato de uma decisão desfavorável no TSE, o que poderia eventualmente levar à uma impugnação da sua candidatura. Desse modo, foi desenvolvida uma mobilização massiva de pessoal, recursos e materiais de divulgação dos atos no Rio de Janeiro e São Paulo.

Mas uma intensa mobilização de soldados, veículos militares, armas e ações militares para reforçar as comemorações dos 200 anos de independência. As cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília concentraram as maiores ações.

Do outro lado, nos atos de apoiadores de Bolsonaro, foram deslocadas caravanas de diversas cidades brasileiras para participarem dos atos nos locais mencionados. Houve também o emprego de recursos de empresários, organizações e movimentos ligados a Bolsonaro e ao bolsonarismo. Apesar de geograficamente distantes, fica nítida a articulação da data comemorativa (o bicentenário da independência) com a campanha “do bem contra o mal” de Bolsonaro.

Outrossim, pode-se observar como se comportaram os grupos bolsonaristas nas redes sociais, especialmente por ocasião dos atos de 7 de setembro. Num primeiro momento, foi intensa a ação de robôs e grupos de transmissão, onde se divulgou mensagens que conclamam o presidente para mobilizar as Forças Armadas em prol de um golpe militar que garanta a permanência de Bolsonaro no poder.

A mensagem que mais tem sido compartilhada é esta que segue abaixo:

Eu acho que já está mais do que claro o que o povo tem que fazer. O Presidente sabe o que e como fazer, mas para poder agir ele precisa que o povo faça a sua parte. Todos irem para as ruas e pedir para que o Presidente acione as forças armadas para atender o pedido do povo. Qualquer coisa que pedir, primeiro tem que estar escrito: Presidente Bolsonaro acione as forças armadas para……( colocar o pedido). Sem as forças armadas o Presidente não tem poder para fazer nada. E também não adianta ir para as ruas e não pedir nada. O Presidente precisa mostrar para o mundo o que o povo está pedindo para legitimar os seus atos. É a nossa última chance. Presidente Bolsonaro acione as forças armadas para libertar o povo brasileiro do comunismo e garantir a nossa liberdade.

Outro elemento importante para pensar a mobilização nas redes se trata dos elementos simbólicos deste 7 de setembro. Desse modo, pode-se destacar, por exemplo, as mensagens que pensam o ato como uma “nova independência”, um novo grito de liberdade contra o comunismo, o STF e o que supostamente o Partido dos Trabalhadores representa.

Esse discurso de “libertação” ou de “nova independência” que vem sendo entoado por Bolsonaro e suas lideranças culminam em uma radicalização das bases, que veem nesta data uma oportunidade de fortalecer o governo, o Exército e a sociedade para um golpe que permita evitar o retorno de Lula ao poder.

Por efeito disso, há de se concordar com o cientista político Luis Felipe Miguel quando se discutiam as possibilidades de êxito e de fracasso dos atos do dia 7. Entretanto, cabe salientar que Bolsonaro foi mais tímido neste ano, evitando partir para o confronto direto. Enquanto isso, é jogado para as lideranças mais proeminentes, para o empresariado e as bases a função de acirrar o conflito e radicalizar os discursos.

A esperança de turbinar sua candidatura com a fusão de sua campanha com o bicentenário da independência é frustrada pelas estatísticas: segundo o Datafolha, Bolsonaro subiu de 32 para 34% – ao passo em que Lula se apresenta com 45%. No que diz respeito à aprovação de sua gestão, por sua vez, os dados do Datafolha apontam para um número de 31%. Já o IPEC manteve o Bolsonaro estagnado em 31% enquanto Lula ampliou sua vantagem em mais dois pontos. Esse efeito “balde de água fria” vem sendo pretenciosamente contornado pela desconfiança nas instituições de pesquisa, ao passo que as imagens que mais circulam em grupos bolsonaristas e nas redes sociais de bolsonaristas natos é a dos gigantes atos contrastando com os dados das pesquisas. É possível perceber que isso lança mais uma vez desconfiança sobre as instituições, que supostamente procuram boicotar a aceitação de Bolsonaro na opinião pública.

As fotografias são de Alan Fernandes.

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