Por José Abrahão Castillero

Foi divulgada aqui a situação dos trabalhadores terceirizados da limpeza da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Quando acabou o contrato da empresa APPA, que já havia atingido o limite de prorrogações previstas em lei, ficou uma indefinição sobre qual ficaria no lugar. Por conta de pendências em apresentar documentos, a empresa vencedora da licitação não assinou o contrato. Mesmo assim, ele foi finalizado. Como foi explicado no artigo citado, mais de 80 trabalhadores foram demitidos e ficaram trabalhando por diária, para receber pagamento no sistema próprio da universidade. Com essa situação, estudantes fizeram uma manifestação no dia 29 de Agosto. Segundo os organizadores, a mobilização foi maior do que previam. Quando desciam os andares, fazendo barulho e gritando palavras de ordem, mais pessoas se agregavam e perguntavam o que houve com os faxineiros. A finalização foi no Hall (salão da entrada) do campus Maracanã da UERJ. No megafone, fizeram falas de denúncia sobre a omissão da gestão universitária sobre o problema dos terceirizados e chamadas por solidariedade.

Na véspera da manifestação, os funcionários disseram que ouviram dizer de gestores da UERJ que o pagamento viria no próximo dia 10 e que o contrato com a empresa APPA seria renovado no dia 1º de Setembro. Logo quando chegou esse mês, foi possível ouvir os terceirizados comemorando nos corredores da universidade. A empresa renovou com um contrato emergencial de 6 meses. Porém, os dias trabalhados não foram pagos até hoje. “Eles disseram para a gente que ia cair o pagamento no dia 10 deste mês (Setembro), mas não caiu, não é?”, disse uma das funcionárias. As comemorações dos trabalhadores eram também pela manutenção dos empregos. Mas será que todos continuariam trabalhando?

Depois da confirmação do contrato emergencial com a empresa APPA, com a recontratação geral dos funcionários, ocorreram novas demissões. Segundo um artigo da ASDUERJ (Associação dos Docentes da UERJ), uma assessora da prefeitura da universidade havia dito que o caráter emergencial traria menos postos de trabalho. Porém, numa conversa, outro assessor disse:

“A gente que gerencia isso. Em total são 290 contratados em todas as unidades da UERJ. Contrato emergencial de 6 meses, que começou agora. A gente começou em 2016, com 350 ou 370. Aí teve um corte, foi pra 290, esse número ficou. Aqui no prédio (Maracanã) são 150. Exceto o (Hospital) Pedro Ernesto e (Clínica) Piquet Carneiro, porque lá é outro contrato. Todo o restante é conosco. Agora houve que as empresas entraram com recurso e estamos vendo como vai ser na justiça. Não tem nada a ver com o colaborador ou prestador não. Todos continuam. Uns regressaram, por várias razões. Mas agora a gente está recontratando todo mundo. Ficou um movimento aí: ‘demissão!’, sei lá o quê, ‘terceirizado!”. Nada a ver, toda vez em que acaba um contrato, as pessoas são demitidas. Sempre tem isso. Se eles não ficam aqui, eles regressam e vão para o escritório. Aí não se sabe mais o que vão fazer. A demissão na verdade é um ônus do cliente. Não é a UERJ que demite. Quem demite é a empresa. A UERJ é, tipo assim, se um funcionário não está prestando aquele serviço, por contrato, pede para regressar esse colaborador e a empresa tem de dar uma satisfação. Substitui, entendeu? Se mandam ele embora, a gente nunca sabe. Mas esse contrato, agora continuam os mesmos funcionários, os 290. A gente não interfere, nós somos os clientes. Então se substituiu uns funcionários, se mandou para outro lugar, a gente não sabe. A gente não interfere. Isso é um processo natural. Agora, às vezes tem uns funcionários que roubam, outros que trabalham mal, faltam um montão. Aí a gente tem de pedir para regressar para o escritório e ver o que fazem com ele. A rotatividade é muito grande aqui. Nada a ver aquele protesto, isso aí é desinformação.”

 

Se uma assessora da prefeitura da UERJ declarou que haveria menos postos de trabalho, portanto teria demissões, enquanto, num momento posterior, outro disse que o mesmo número de empregos se manteve, quem está fazendo desinformação é a universidade e não quem protestou em solidariedade com os terceirizados. Mas o que prevaleceu é o argumento técnico de justificação para trocar trabalhadores. Colocando esses como maus funcionários, faltosos ou até com acusações de furto. Dado esse contexto, fui conversar com um dos demitidos. Ele disse:

“Para começar, lá eles não querem quem trabalha bem. Só querem ‘pela saco’ [1]. Eu nunca faltei, nunca fiz mau serviço. Pelo contrário, fiz tudo muito bem e era até rigoroso. O problema é que eu não abaixo a cabeça, não me conformava com a gente trabalhando sem receber adicional de insalubridade. A gente mexe com lixo hospitalar, de laboratório, com vidro e cheio de ratos. As luvas e as botas que a APPA dá são horríveis. Rasgam toda hora. E quem tem de repor? Você acha que repõem? Porra nenhuma. Se a gente pede, eles falam ‘está bom’ e fica por isso mesmo. Eu reclamava com o encarregado (chefe), que nunca defendia nosso lado. Não queria pegar doença. Eu queria o melhor para todo mundo. Aí teve um dia que eles me chamaram para ir fazer um exame. Quando cheguei lá, eram mais de 20 pessoas. Aí falaram para todo mundo que iam ser demitidos. Depois, quando fui assinar o aviso prévio, já tinha outras pessoas diferentes lá, foi muita gente. E era gente boa, que trabalhava e não faltava. Teve um lá que eu sei que mora em favela, que ouvi dizer que demitiram ele porque ele falta em dia de tiroteio. Aí eu parei no dia 25 e não me chamaram mais. Eu soube que pediram para o encarregado escolher 10 funcionários para ficar. Eu fiquei de fora. Acho que é porque ele não gosta de mim. Aquilo ali é um ninho de cobra, ‘rapá’, vão fazendo amizade e criando clubinho. Mas ninguém está ali por ninguém, quando falam para apontar alguém, apontam quem bota a cara e fica queimado. Tipo o que aconteceu comigo”.

Depois das demissões citadas no relato acima, houve outras. Essa leva foi num momento posterior à retirada de um encarregado (chefe), quando depois da sua substituição, outros funcionários foram demitidos pelo substituto. Segundo uma funcionária, houve um desentendimento pessoal entre o novo chefe e os que foram mandados embora. Levando em consideração o que dizem esses trabalhadores, é possível perceber que os critérios para a manutenção dos empregos se disfarça de uma “boa vizinhança”, mas na verdade pode ser um controle político para o afastamento dos considerados “indesejados”. Não se trata de uma eficiência, com critérios técnicos somente. Como disse o assessor da prefeitura: “Não é a UERJ que demite. Quem demite é a empresa”. E se a UERJ vir alguém trabalhando mal, ela reclama com a empresa, que manda para o escritório para ser demitido ou transferido. Usam as relações pessoais para controlar os funcionários, enquanto a gestão técnica age para demitir ou cortar benefícios.

A disciplina do trabalho terceirizado é exatamente essa, a do controle técnico, com uma cadeia de gestão que monitora os trabalhadores num nível mais próximo. Sem precisar que o cliente, a UERJ, mova-se para fiscalizar o trabalho. Nisso, a flexibilização de direitos e de garantias de emprego serve como impulsionador do medo, que fortalece esses laços pessoais semelhantes a um clientelismo, que prioriza quem tiver melhor relação com o gestor. Ou seja, quem se submete e não reclama das condições de trabalho. Alguns funcionários falaram alto pelos corredores que estavam felizes por voltar ao trabalho e que quem foi demitido era porque eram “vagabundos”. Essa é a tática da gestão operando. Em contrapartida, estudantes que se agregaram na manifestação realizada ficaram em dúvidas sobre como apoiar os terceirizados. Será que ela trouxe um caminho eficiente para construir uma tática de luta e unidade entre esses trabalhadores? E os estudantes perceberam seu lugar como trabalhadores em formação, que podem se organizar de forma direta e sem se limitar aos gestores da UERJ? É um ponto de partida que essa luta pode trazer, independente dos resultados.

 

Entre conversas de corredor, funcionários falaram para deixar claro para a administração que quem mobilizou o ato foram os estudantes. Isso é uma tática de defesa para evitar perseguições. Mas fica uma dúvida sobre como se organizar para impedir demissões e garantir o pagamento de dias trabalhados. A solidariedade estudantil é muito importante, principalmente para mostrar um lado da política além de acordos com a burocracia universitária ou disputas eleitoreiras. Mas ela precisa se expandir com os terceirizados na elaboração estratégica para pressionar de fato as empresas e a UERJ. A greve de 2015 foi por uma pauta defensiva: pelo pagamento atrasado. O problema geral atingindo a todos, provocou uma resposta geral e não prevista. Agora, como a solidariedade com terceirizados pode assumir a força de uma luta imprevisível?

Muitos estudantes que apoiaram a manifestação são críticos ao imobilismo dos sindicatos pelegos e patronais. Mas, pouco depois do protesto estudantil, ocorreu uma reunião com Meireles, dirigente do Sindicato dos Empregados de Empresas de Asseio e Conservação do Município do Rio de Janeiro (SIEMACO-Rio). Foi com a APPA e a UERJ, onde se garantiu que os trabalhadores seriam recontratados. Se não fosse o exemplo de solidariedade, o apoio estudantil adquiriria a mesma neutralidade que os acordos que essas burocracias sindicais trazem. É possível, inclusive, que os gestores achem saudável que os funcionários reclamem de suas questões com os estudantes, desde que as manifestações se reduzam a divulgações públicas e não formem uma organização com a tática de paralisação do trabalho. Ou que silenciem a denúncia daquele demitido, que não se calava diante das péssimas condições de trabalho e reclamava que não queria pegar doença. Ou que esse artigo aqui mesmo se reduza a apreciação intelectual e seja puro espetáculo. Fica o desafio para a classe trabalhadora, trazido por um problema pontual numa universidade. Como superar o isolamento que a terceirização promove e como fazer para que as lutas de solidariedade não se incorporem nessa mesma impotência?

Nota do Passa Palavra

[1] Advertimos aos leitores portugueses que a expressão é usada para designar alguém que se comporta como o patrão deseja. Age de boa vontade com as chefias para obter ganhos pessoais ou prestígio, etc.

1 COMENTÁRIO

  1. Pela leitura do artigo tive a impressão que esses terceirizados da UERJ formam uma categoria bastante desorganizada e desunida, o que dificulta muito até a ação solidária dos estudantes. Afinal, a iniciativa da luta tem que partir de algum grupo de trabalhadores.

    O que me pareceu também é que o medo gerado pela gestão é um fator importante de divisão, desunião e do cada um por si. Talvez se a ação dos estudantes focasse em constranger e pressionar os gestores a tratarem bem e não retalharem os trabalhadores que exigem boas condições de trabalho e não são submissos, ajudaria a criar um ambiente mais propício à unidade numa luta coletiva.

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