Foto: Anna Julia
Foto: Anna Julia

Por Rafael Almeida

Ser estudante universitário no Brasil nunca foi fácil. Historicamente, em muitos momentos, em governos ditatoriais e ditos democráticos, foi necessário ir às ruas para defender a educação ou mesmo proteger e/ou conquistar direitos civis fundamentais da população, nos moldes da democracia burguesa.

Com carta branca das classes dominantes, nos quatro anos do governo Bolsonaro-Mourão-Guedes — a tríade que sintetiza os pilares ideológicos do governo — a educação se tornou um dos principais inimigos da presidência. Cortes no orçamento e falas contra as universidades públicas advindas de Bolsonaro, bem como de ministros da educação, deixaram bem claro que ser universitário seria praticamente inviável nesse período.

No contexto da Universidade Federal da Bahia, estudantes, sobretudo os de baixa renda, têm passado por inúmeras dificuldades que tornaram incertas a permanência na universidade e em alguns casos levam a risco de morte, uma vez que dependem da Assistência Estudantil para sobreviverem. Esse quadro se deve não apenas a sucessivos ataques do governo, mediante cortes orçamentários, mas também à ineficiência da UFBA (que se diz inclusiva) em garantir condições mínimas aos seus estudantes permanecerem frequentando as aulas.

No que pese a coragem da reitoria em defender a educação universitária diante do governo Bolsonaro, recentes posturas de representantes legais da UFBA revelam verdadeira negligência e descaso da instituição com seus estudantes. Estamos passando por situação de graves vulnerabilidades, sobretudo num contexto de crise econômica e sanitária que agravou as precárias condições de vida de maior parte dos estudantes. Nos restaurantes universitários, por exemplo, a prestação de serviço é de baixíssima qualidade, inclusive havendo casos cada vez mais frequentes de intoxicação alimentar. Além da demora excruciante para o atendimento, a quantidade de fichas para acesso à alimentação é insuficiente para a quantidade de estudantes. Já os ônibus universitários, chamados BUSUFBA, vivem lotados em decorrência da baixa frota. As residências universitárias estão com suas estruturas físicas precárias, dentre outros problemas que põem em risco à saúde e à vida do estudante.

O que realmente explica a instituição manter contratos com empresas que não fornecem serviços adequados e de boa qualidade? Quais os entraves para abrir o Restaurante Universitário do Canela, previsto para ser inaugurado nesse ano? O posicionamento da UFBA tem sido uma combinação de respostas burocráticas insustentáveis e chantagem velada de fechamento do restaurante universitário sem previsão de abertura. A universidade tarda em resolver efetivamente os problemas da Assistência Estudantil, enquanto seus estudantes sofrem.

Diante desse quadro, estudantes e representações estudantis dos cursos locados na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/Instituto de Psicologia, em São Lázaro, tais como Ciências sociais, História, Psicologia, Serviço Social, Gênero e Diversidade, Filosofia e Museologia, se reuniram, em 27 de setembro, para debater e traçar as primeiras propostas para serem levadas, debatidas e aprovadas no Fórum de São Lázaro, espaço que tradicionalmente é utilizado para mobilizar estudantes da unidade. Em 5 de outubro, foi deliberado neste Fórum uma agenda de luta para pressionar e exigir da UFBA soluções imediatas para os problemas enfrentados pelos estudantes.

Como primeira ação, estudantes e representantes dos cursos de São Lázaro, deliberaram por fortalecer e ocupar o ato convocado pelo Diretório Central dos Estudantes — DCE para o dia 6 de outubro com a pauta da Assistência Estudantil, tirada na Assembleia Geral dos Estudantes no dia 15 de setembro. Tudo indicaria que essa manifestação, marcada para acontecer na frente da Reitoria, seria pequena e sem recursos suficientes para mobilizar, ampliar a participação e garantir maior força de reivindicação das pautas.

Além do mais, na medida em que o objetivo do protesto passaria, necessariamente, pelo enfrentamento direto à direção da UFBA, o histórico de luta do movimento estudantil nos indica que o DCE adotaria uma postura de mediador do conflito, pendendo (como sempre) à defesa da gestão da UFBA, se eximindo objetivamente das obrigações como representação máxima dos estudantes, por consequência, desrespeitando as deliberações da Assembleia Geral dos Estudantes. Essa tem sido a política do DCE nesses últimos anos: política de total subserviência à Direção da UFBA.

Foto: Gabriel de Luca
Foto: Gabriel de Luca

Diante do anúncio de mais um corte no orçamento dos Institutos e Universidades Federais pelo Governo Federal, na virada do dia 4 para o dia 5 de outubro o DCE decidiu pela mudança da pauta do ato do dia seguinte, atropelando a deliberação da Assembleia Geral. Decisão tomada de forma unilateral, foi equivocada, pois não haveria nada que concretamente impedisse a unificação das pautas igualmente urgentes e legitimas. Ainda que a conjuntura pedisse um foco especial no combate ao corte orçamentário, era favorável e benéfico politicamente aproveitar a crescente aglutinação dos estudantes para exigir respostas imediatas da reitoria quanto à Assistência Estudantil. Estava desenhado que a pauta ficaria em suspenso, esquecida, banida da manifestação do dia seguinte.

Imediatamente falamos com os Centros e Diretórios Acadêmicos de São Lázaro, alertando que devíamos ir preparados para não deixarmos que a pauta principal, anteriormente estabelecida, fosse ofuscada ou simplesmente ignorada pelo DCE. Para nossa infelicidade, não conseguimos nos organizar de um dia para o outro. A mudança de pauta repentinamente realizada pelo DCE serviu também como estratégia para dificultar a mobilização dos estudantes na defesa das pautas originais do ato.

Com a plenária cheia de estudantes na Reitoria, onde o DCE e outras organizações aliadas discursavam, mobilizei, improvisadamente, uma pessoa mais hábil com a fala em público e inteirada do assunto para falar na bancada e aproveitar a chance de apresentar uma agenda de luta combativa visando pressionar a UFBA. O DCE inscreveu o companheiro na ordem de fala, mas o impediu de falar, mesmo tendo sido chamado ao microfone.

Então, perto do fim da plenária, antes da passeata, eu e alguns poucos estudantes de São Lázaro, atentos e atentas às manobras do DCE na condução e organização das falas, fomos cobrá-los e exigir direito de fala. Sem sucesso. No decorrer da manifestação, ainda tentamos aproveitar a oportunidade de um carro de som de servidores públicos em manifestação, para falar sobre o assunto, porém também fomos impedidos, com desdém do DCE, ainda que já estivéssemos em cima do carro de som. Para nossa sorte, ou melhor, graças a nossa insistência e compromisso, o companheiro citado subiu numa grade e conseguiu introduzir um jogral com a presença de, mais ou menos, 100 estudantes no meio da passeata, informando aos presentes e atentos da agenda de luta definida no Fórum de São Lázaro.

A pauta foi ignorada durante toda a manifestação. Optando o DCE pelo discurso fácil do Fora Bolsonaro e Lula Presidente, a pauta eleitoral foi priorizada em detrimento das necessidades mais urgentes dos estudantes, que, se quisessem realmente investir esforços para promover campanha eleitoral acima do debate da Assistência Estudantil, assim teriam decidido na Assembleia Geral. O DCE, apesar do discurso, age sem apresentar um programa claro de combate não apenas a Bolsonaro, mas do neofascismo que avança sem freios nos aparelhos de estado e no tecido social. A gestão recuada do DCE é tamanha que, para não criar inimizades com a Reitoria e perder qualquer benefício que porventura ganhem com a relação, adotam uma postura subserviente, escolhendo não tocar nas questões fundamentais dos estudantes, questões estas que, sem as devidas resoluções, comprometerão a presença de parte significativa dos estudantes na universidade pública.

Esse relato estampa como algumas lideranças, nesse caso estudantis, não apenas fazem adesão acrítica a Lula, como também impedem, desarticulam, silenciam, intencionalmente, as vozes e organizações que estão na luta pela mudança concreta dentro e fora da universidade, que emergem dos problemas fundamentais e legítimos da base. O argumento falacioso e falho é sempre o mesmo: “a correlação de forças não permite uma postura radical”. E assim, entre conciliações, troca de favores e vícios institucionais, perdemos para as forças que visam manter as coisas tal como são, empurrando os estudantes cada vez mais ao mísero dilema: ou se come ou se estuda! E precisamos comer, hoje inclusive, mas o DCE da UFBA parece já estar bem alimentado.

Rafael Almeida é estudante e representante estudantil do curso de Museologia da UFBA.

2 COMENTÁRIOS

  1. Desde que entrei na UFBA, nunca vi DCE mobilizar forças para as pautas reais dos estudantes como mobilizam forças de quatro em quatro anos para as eleiçôes. A assimetria de esforço é vulgar e à luz do dia. Na eleição do fascista do Rui Costa foi igual. A substituição das pautas urgentes dos estudantes convem à boa imagem do reitor (que não quer mídia com intoxicação alimentar, residência estudantil prestes a ruir etc.), convem à necessidade do marketing partidário que é coligado ao diretório e ao interesse do próprio DCE em usar do movimento estudantil como trampolim eleitoral (as cartas marcadas que falam sobre os carros de som anos depois estarão com seus rostos impressos nos santinhos de candidatos). Isso vale para a direita e para a esquerda. Vocês, estudantes, só entrarão no jogo quando bem organizados e com densidade suficiente por fora desse conveniente casamento! De resto, é atropelo em cima de atropelo. Pelo visto, pouca coisa mudou e esse pouco foi para pior. Dias piores virão.

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