Por Daniel Manzione Giavarotti
Agradeço o espaço oferecido por Isadora Guerreiro nesta coluna para a publicação da reflexão que se segue sobre a presença do “bolsonarismo” nas periferias metropolitanas do município de São Paulo a partir dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial, de modo a contribuir para o debate sobre esse fenômeno recente da história brasileira.
Desde a apuração e divulgação dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial de 2022, grandes e pequenos veículos de comunicação vêm produzindo e publicando cartografias que georreferenciam os votos válidos à presidência da República por estados, municípios e distritos. Dentre as cartografias produzidas e publicadas até agora[1], aquela que me estimulou a escrever essas linhas apresenta a distribuição distrital de votos válidos para Lula e Bolsonaro no município de São Paulo (cf. mapa abaixo).
De acordo com este mapa, Lula venceu Bolsonaro na maior parte dos distritos periféricos do município, o que nos leva a pensar imediatamente que Lula permanece representando os interesses de um eleitorado majoritariamente trabalhador, periférico e negro de São Paulo e territorializado nos distritos periféricos do município. É inquestionável que no curto prazo e do ponto de vista dos rumos da política institucional, esta seja uma boa notícia, confirmada recentemente pelas atuais pesquisas de segundo turno[2], pois aponta para a ratificação da vitória final de Lula (ao menos em São Paulo). Mas o compartilhamento deste mapa nas redes sociais e bolhas de esquerda serviu como um conforto a seus consumidores de que o eleitorado periférico não apenas reconhece que seus interesses imediatos não se coadunam com aqueles expressos por Bolsonaro, mas que sobretudo se encontram do lado certo na trincheira da luta de classes (ao menos em sua expressão institucional muito rebaixada e questionável). Por sua vez, tal conclusão retroalimentava o mencionado mapa que oferece uma representação simplista da relação entre centro e periferia na organização espacial da metrópole de São Paulo.
Entretanto, desde a publicação daquela primeira cartografia, alguns dados desagregados a partir das zonas eleitorais do município de São Paulo sobre a porcentagem de eleitores de um e outro candidato vem demonstrando que tal conclusão era no mínimo apressada e apenas servia ao autoconsolo de uma esquerda encerrada em sua própria bolha. De acordo com dados publicados por Tiago Borges do site “Periferias em movimento”, os distritos nos quais Lula venceu Bolsonaro com ampla margem foram Piraporinha (62% a 27%), Grajaú (61,7% a 27,3%), Valo Velho (61% a 27%), Parelheiros (60% a 28%) e Cidade Tiradentes (60% a 28%). Já em outras zonas eleitorais a margem se estreitou levemente, como no Capão Redondo (57% a 30%), Guaianases (55,8% a 33,5%), Perus (55% a 33%), Jardim São Luis (54,5% a 31%), entre outros[3]. Por fim, o cômputo geral no município de São Paulo aponta que Lula levou o primeiro turno com 47,5% de votos contra 38% de Bolsonaro.
Como já afirmamos, de um ponto de vista imediato e institucional não haveria razão para não se festejar a performance de Lula em São Paulo. Por outro lado, e para nossa infelicidade (ou sobriedade crítica), os dados também apontam que a presença do “bolsonarismo” (por falta de termo melhor) na vida popular e periférica definitivamente não é algo residual e, tampouco pode continuar a ser lido no registro de um circunstancial voto de indignação, como buscamos crer pós-catástrofe de 2018. Embora saibamos que o antipetismo dos grandes meios de comunicação (que foi mais virulento em anos anteriores), bem como a disseminação de fake news concorram para explicar essa permanente disseminação, uma apreciação sobre a configuração atual destas periferias talvez nos ajude a aprofundar a compreensão de sua presença na vida popular e periférica.
Hoje, 2022, a morfologia das periferias da metrópole de São Paulo expressa o acúmulo de distintas temporalidades que remontam à modernização brasileira e à metropolização de São Paulo. Num trabalho de campo pelas áreas periféricas da metrópole será inevitável encontrar um número significativo de moradias autoconstruídas em lotes de 250m2 (ou então de 125m2) pelas primeiras levas de migrantes chegados em São Paulo a partir da década de 1950. Estas moradias amiúde se localizam em partes da periferia invariavelmente mais urbanizadas, fruto das lutas históricas levadas a cabo pelas primeiras famílias moradoras por meio de associações de bairro, dentre outras formas de organização comunitária. Ladeando estas áreas você seguramente encontrará glebas públicas ocupadas e fortemente adensadas por moradias autoconstruídas, provavelmente menores e mais precárias que as anteriores, além de precariamente urbanizadas, as favelas ou quebradas. Não será raro encontrar, embora este dado se modifique conforme a zona da cidade, conjuntos habitacionais financiados e construídos pelo BNH (Banco Nacional de Habitação), CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) e mesmo pelo PMCMV (Programa Minha Casa Minha Vida), todos eles certamente cercados por um mar de moradias autoconstruídas.
Será fácil testemunhar uma refuncionalização do uso do ambiente autoconstruído de modo a abrigar uma miríade de pequenos estabelecimentos comerciais de todos os tipos (e até mesmo igrejas evangélicas instaladas em garagens). Conversando com as pessoas você talvez descubra familiares (casais, irmãos, pais e filhos, avós e netos) tocando cada um destes microempreendimentos, seja na condição de posseiros/proprietários das moradias, seja na condição de inquilinos[4]. Seguramente você encontrará moradores aposentados, mormente da geração de pioneiros chegados nestes bairros quando “tudo era mato”, vivendo com suas aposentadorias, algum complemento de renda proveniente de um “aluguelzinho” e quiçá aturdidos com a violência no bairro. Eventualmente você poderá conhecer moradoras aposentadas contratando outras mulheres moradoras de favelas adjacentes para lhes ajudar em suas tarefas domésticas. Não será impossível encontrar moradias que abriguem uma creche para cuidar diariamente de crianças, permitindo que suas mães solos (que pagam uma pequena mensalidade à proprietária aposentada) possam trabalhar fora. É provável que você encontre filhos da primeira geração de moradores desses bairros que, em razão da rescisão de um contrato de trabalho, destinaram a indenização recebida para a compra de um “barraquinho” na favela para aluga-lo a migrantes nacionais chegados a partir da década de 2000 e que, em razão da exiguidade relativa de espaço, movimentam um extraordinário mercado informal de compra e aluguel de moradias autoconstruídas mais antigas (por vezes divididas em pequenos cômodos). Será mais raro, mas absolutamente factível, que você encontre imigrantes internacionais, bolivianos ou haitianos nestas periferias historicamente forjadas por trabalhadores nacionais. Você também encontrará filhos da primeira geração de moradores que, apesar de terem iniciado sua vida produtiva como operários em fábricas da região, hoje são motoristas de empresas de plataforma (como Uber e 99) e ou microempreendedores que permanecem morando, às vezes a contragosto, nos lotes de seus pais, ora para ajudá-los, ora para serem ajudados. Além disso você também poderá encontrar “empreendedores” mais antigos do bairro que conseguiram prosperar e construir empreendimentos mais capitalizados, como uma padaria, uma loja de materiais de construção ou uma mercearia (com um pequeno corpo de funcionários contratados informalmente), e que podem, por ventura, usar seu capital na compra de outros imóveis ou financiamento da construção de “predinhos” para locação.
Os exemplos são variados e poderíamos estender muito mais a lista de situações encontradas em campo a partir de nossas pesquisas (Giavarotti, 2013 e 2018), mas engana-se quem acredita estarmos diante de condições materiais que remontam ao velho problema da informalidade que marcou a modernização brasileira desde a colônia (cf. Secco, 2022). As múltiplas intersecções entre as formas de uso do ambiente autoconstruído e o microempreendedorismo, a viração, o rentismo, o assalariamento temporário, o trabalho doméstico e a reprodução familiar acima apresentadas resultam de periferias que foram fortemente metropolizadas (Seabra, 2003) pari passu à modernização dos processos produtivos. Embora muitas das relações contratuais informais que aí se reproduzem ainda estejam ancoradas em relações vicinais próprias da dinâmica do lugar (Damiani, 1999) tal se dá simultaneamente ao aumento do anonimato e da atomização entre as famílias moradoras, decorrente da implosão daquelas relações que, obviamente, se realiza de forma desigual ao longo das periferias. Em outras palavras, laços de sociabilidade local foram progressivamente se esgarçando em razão da metropolização ao passo que um certo discurso “comunitário”, vocalizado invariavelmente por organizações não-governamentais crescentemente territorializadas nestas periferias, se capilarizou na vida popular periférica, todavia prenhe de conteúdos muito distintos da “solidariedade forçada” (Maricato, 1982) que marcou a formação destas periferias. Já no que se refere à contínua modernização dos processos produtivos, tal resultou no colapso da modernização (cf. Kurz, 1993) que se manifestou de forma mais aguda no Brasil a partir da década de 1990, desencadeando um processo inédito de crise do assalariamento como relação de produção que sustentava a acumulação de capital e a modernização nacional, da qual o desemprego estrutural foi a manifestação empírica mais evidente.
Mas mesmo depois do fim, as pessoas continuaram precisando trabalhar e a “administração do colapso” [i.e, gestão da barbárie (Menegat, 2015)] foi lograda pelas mãos da gestão petista que, via “distributivismo de crise” (Pitta, 2020), restaurou temporária e ficticiamente uma sociedade do trabalho pós-catastrófica (Kurz, 1993). Entretanto, mesmo reconstituindo o nexo do assalariamento por meio do financiamento público e privado, alcançando um inédito pleno emprego em 2014, aquela administração igualmente jogou água no moinho do homem flexível (Kurz, 1999), sustentando as já mencionadas práticas sócio-espaciais presentes nas periferias metropolitanas (as observações de campo apresentadas acima foram colhidas entre os anos de 2009 e 2015) fomentando uma sociabilidade vigorosamente concorrencial. Em outras palavras, a disseminação destas formas de uso do espaço e do tempo nas periferias de São Paulo resultaram da convergência de diversos fatores, dentre os quais a disseminação do empresariamento de si próprio[5] (a “correria” e o “empreendedorismo popular”), a alta rotatividade de trabalhadores (mesmo aqueles com carteira assinada)[6], a espantosa oferta de crédito desburocratizado e crédito estudantil (com a inédita entrada de filhos e filhas da classe trabalhadora no ensino superior), o aumento dos salários e aposentadorias, bem como um relativo robustecimento dos gastos com seguridade social (bolsa-família e seguro-desemprego): isto é, modernização (fictícia)[7]. E foi precisamente por estas determinações que a restauração fictícia da sociedade do trabalho conduzida pelo feitiço de fundo de quintal do PT (Menegat, 2019) se traduziu politicamente na emergência de uma sociedade civil com pautas que já não se compatibilizavam estritamente com os interesses de uma identidade de classe historicamente vocalizada pela Partido dos Trabalhadores[8] (nas quais se inclui as periferias metropolitanas de São Paulo), mas características de uma “‘sociedade de classe média’ alargada e simultaneamente fragmentada, pluralizada e orientada de modo individualista” (cf. SCHOLZ, 2008). Não custa lembrar que já em 2018, mesmo depois da adoção de políticas econômicas antipopulares como o teto de gastos e a reforma trabalhista, ambas implementadas por Michel Temer, Bolsonaro já causava simpatia numa parcela do mundo popular e periférico[9]. Embora esta digressão sobre a gestão do Partido dos Trabalhadores demande uma análise mais detida, sobretudo no que diz respeito à tese sobre a formação desta sociedade de classe média (que não cabe no escopo desta intervenção e não se coaduna com o discurso oficial e apologético da ascensão da nova classe C), ela nos permite apontar algumas determinações da multiplicidade de situações encontradas nas periferias metropolitanas de São Paulo.
De qualquer modo, durante os quatro anos de sua gestão, o presidente Bolsonaro mandou às favas qualquer decoro presidencial próprio de um chefe de Estado, promoveu discursos de ódio, misóginos e racistas, implementou uma agenda econômica que levou a uma piora evidente nas condições de vida dessa população, com um aumento extraordinário do custo de vida (alimentação, transporte, moradia) em razão da inflação (fazendo o Brasil retornar ao mapa da fome), e não ofereceu qualquer resposta robusta ao desemprego. Além disso, seu negacionismo declarado com relação à gravidade da pandemia de COVID-19 levou à morte prematura aproximadamente 700 mil pessoas (em sua maioria trabalhadores e trabalhadoras empobrecidos aos quais lhes foi vedada a possibilidade de ficarem em casa durante as parcas ocorrências de lockdown) com pitadas de cinismo e indiferença. Entretanto, de acordo com o resultado das urnas, tais atos não foram capazes de abalar fundamentalmente a identificação por parte do eleitorado popular com o presidente e sua performance, tornando a presença do “bolsonarismo” um enigma a ser desvendado. Embora não nos sentimos capazes de cravar uma interpretação sobre essa esfinge (que, a despeito de defender valores que poderiam ser associados imediatamente ao fascismo histórico, está bem longe de o ser, pelas próprias condições históricas de seu surgimento (cf. Kurz, 2020)), de uma coisa nós estamos certos: uma leitura homogeneizante (i.e., classista e simplista) da vida popular e periférica metropolitana de São Paulo, como se depreende do mencionada mapa e de suas conclusões, mais atrapalha do que nos ajuda a compreendê-lo.
Diante desta advertência e como finalização desta intervenção, o que nos interessa afirmar aqui é, em primeiro lugar, a necessidade de suspender o pressuposto de que ao falarmos periferia, falamos de um território homogêneo e, mais importante, de classe trabalhadora sem mais, esta já erodida, não apenas politicamente, mas objetivamente[10]. Em segundo lugar, considerar seriamente que o “bolsonarismo”, em sua feição popular e periférica, é determinado fundamentalmente por esta ruína política e objetiva que, ao contrário do que se poderia supor, não se manifesta empiricamente como generalizada desclassificação social (como a atual queda da classe C), mas como um empobrecimento marcado pela estratificação socio-econômica-espacial que apresentamos acima. E, por fim, de que o “bolsonarismo” seja considerado em sua determinação fundamental como uma forma de consciência própria de uma sociedade que, ao mesmo tempo que solapa o trabalho como forma de inserção e participação social (mediação social), não oferece qualquer alternativa para além dele, rebaixando reiteradamente o horizonte de expectativas, recrudescendo a concorrência, exaltando o “salve-se quem puder” via empreendedorismo e, por fim, a violência imanente a relações de trabalho em crise[11].
Em outras palavras, apesar da iminente derrota de Bolsonaro no pleito à presidência, a presença do “bolsonarismo” na catastrófica vida popular e periférica, determinada pela reprodução do colapso da modernização não apresenta uma solução de curto prazo e tampouco será a eleição de Lula que fará esse mundo popular deixar de assim o ser, antes se terá que lidar com ele. Para aquelxs que buscamos uma atuação política para além da política institucional, só nos resta aguçar nossa capacidade analítica, crítica e imaginativa.
Bibliografia
DAMIANI, A. L. O lugar e a produção do cotidiano. In: CARLOS, A. F. A. (Org.). Novos Caminhos da Geografia. São Paulo: Editora Contexto, 1999. p. 161-172.
GIAVAROTTI, Daniel Manzione. O Jardim Ibirapuera da imposição à crise do trabalho. 2012. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
GIAVAROTTI, Daniel Manzione. Eles não usam macacão: crise do trabalho e reprodução do colapso da modernização a partir da periferia da metrópole de São Paulo. 2018. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
GIAVAROTTI, Daniel Manzione. 2022. Disponível em: https://passapalavra.info/2022/03/142702/. Acesso dia 14 de outubro de 2022.
KURZ, Robert. O colapso da modernização. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1993.
KURZ, Robert. O homem flexível. 1999. Disponível em: http://www.obeco-online.org/rkurz11.htm. Acesso em 14 de outubro de 2022.
KURZ, Robert. A democracia devora seus filhos. Editora Consequência. 2020.
MARICATO, Ermínia. 1982. “Autoconstrução, a arquitetura possível. ” Em: A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial, editado por Ermínia Maricato, 71-93. São Paulo: Editora Paz e Terra.
MENEGAT, Marildo. O fim da gestão da barbárie. 2019. Em: A crítica do capitalismo em tempos de catástrofe – o giro dos ponteiros no relógio de um morto, organizado por Marildo Menegat, 95-107. Rio de Janeiro: Editora Consequência.
PAZ, Fernanda Alvez Ribeiro. Mercado de trabalho e condições de trabalho no Brasil nos governos Lula e Dilma: entre ampliação e flexibilização.
PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho – bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Revista Sinal de Menos, São Paulo, v. 1, n. 14, p. 38-147, 2020.
SAFATLE, Vladimir. Há um golpe militar em marcha no Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BwLg13hSkRk&t=152s. Acesso em 17 de outubro de 2022.
SECCO, Lincoln. O sentido da informalidade. 2020. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/o-sentido-da-informalidade/. Acesso em 14 de outubro de 2022.
SEABRA, Odete Carvalho de Lima. Urbanização e Fragmentação – cotidiano e vida de bairro na metamorfose da cidade em metrópole, a partir das transformações do bairro do Limão. Livre Docência do PPGH- FFLCH, USP, 2003.
SCHOLZ, Roswitha. “O ser-se supérfluo e a ‘angústia da classe média’ – o fenômeno da exclusão e a estratificação social no capitalismo”. 2008. Disponível em: http://www.obeco-online.org/roswitha_scholz8.htm . Acesso em: 10 mai. 2022.
Notas
[1] Iniciei a escrita desta intervenção três dias após o resultado do primeiro turno, quando cartografias mais detalhadas ainda não haviam sido produzidas, o que, todavia, não invalida a conclusão aqui apresentada.
[2] De acordo com pesquisa publicada pelo Ipec Lula tem 51% e Bolsonaro 42%. (https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/pesquisa-eleitoral/noticia/2022/10/10/ipec-lula-tem-51percent-no-2o-turno-e-bolsonaro-42percent.ghtml. Acesso: dia 14 de outubro de 2022).
[3] Embora esta reflexão não busque se amparar estritamente em dados quantitativos para se desenvolver nos parece importante advertir que a publicização destes dados não veio acompanhada de dados absolutos da população por zona eleitoral e/ou distritos, um dado importante para uma análise mais sóbria dos números publicados.
[4] É preciso dizer aqui que não se pode desconsiderar a relação estrutural que a relação capital/trabalho estabelece com a reprodução da unidade familiar como esfera cindida ou dissociada, constituindo uma “totalidade fragmentária”. Perder isso de vista é perder um elemento fundamental dos contornos particulares que a crise adquire, assim como apagar a dimensão patriarcal e androcêntrica do trabalho. Para uma análise crítica sobre essa relação cf. Roswitha Scholz (2017).
[5] Em dezembro de 2008 foi instituída a lei complementar no 128 que, por sua vez, alterou a lei complementar de 2006 responsável por instituir a figura jurídica do Microempreendedor Individual (MEI).
[6] “Entre 2002 e 2014 a taxa de admissão [no Brasil] cresceu 101,2% no período, mas os desligamentos chegaram a 115,1%, ou seja, apesar de haver uma maior inserção no mercado de trabalho no período analisado, a evolução dos desligamentos foi ainda maior” (Paz, 2017: 114).
[7] Entretanto, quando uma parte desses inputs na reprodução dos trabalhadores falha (é cortado), o endividamento cobra seu preço e seus números atuais (49, 3% de adultos moradores de São Paulo estão endividados, totalizando 80% de famílias inadimplentes à escala nacional) tema de campanha do candidato Ciro Gomes desde 2018, são a síntese perversa da chamada inclusão pelo consumo (i.e, pela dívida).
[8] Ao contrário das teses que identificam aí uma capitulação do PT (cf. Safatle, 2018), nossa perspectiva é de considerar tais transformações determinadas pela imanência da crise do trabalho que, ao erodir as condições objetivas que sustentaram a classe trabalhadora, deu impulso a novas disparidades sociais (cf. Scholz, 2008).
[9] “Na capital, Bolsonaro venceu em quase todas as regiões. Haddad só saiu vitorioso no extremo sul (Piraporinha, Grajaú, Valo Velho, Capão Redondo e Parelheiros) e em Cidade Tiradentes (no extremo leste)” Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/28/bolsonaro-vence-em-631-das-645-cidades-do-estado-de-sp-na-capital-haddad-ganha-apenas-em-6-das-58-zonas-eleitorais.ghtml. Acesso em 17 de outubro de 2022.
[10] Consideramos o texto “Masterclass do fim do mundo” (https://neblina.xyz/masterclass), escrito por “um grupo de militantes na neblina”, um ótimo termômetro daquilo que Norbert Trenkle chamou de “luta sem classes”, embora esta não seja a perspectiva interpretativa adotada pelos seus autores e autoras na apreensão dos fenômenos e lutas nas quais militaram.
[11] Embora esta última determinação concerna à sociedade em sua totalidade, demandando um esforço de mediação para apreender de que modo o neopentecostalismo, o patriarcalismo, dentre outros aspectos que se associam ao “bolsonarismo”, consideramo-la um ponto de partida incontornável para a apreensão do fenômeno.