Por Charles Bukowski
nascido assim
dentro disso
enquanto as carinhas de giz sorriem
enquanto a Sra. Morte gargalha
enquanto os elevadores dão pane
enquanto os cenários políticos se dissolvem
enquanto o empacotador do mercado tem diploma universitário
enquanto o oleoso peixe cospe fora sua oleosa presa
enquanto o sol se disfarça
Nós estamos
nascidos assim
dentro disso
dentro dessas guerras caprichosamente insanas
dentro da vista de janelas de fábrica quebradas de vazio
dentro de bares onde as pessoas não conversam mais umas com as outras
dentro de brigas que terminam em tiroteios e esfaqueamentos
nascidos dentro disso
dentro de hospitais que são tão caros que é mais barato morrer
dentro de advogados que cobram tanto que é mais barato se declarar culpado
dentro de um país onde as prisões estão cheias e os manicômios fechados
dentro de um lugar onde as massas convertem idiotas em heróis ricos
nascido dentro disso
caminhando e vivendo em meio a isso
morrendo por causa disso
silenciado por causa disso
castrado
esculachado
deserdado
por causa disso
feito de otário por isso
usado por isso
mijado por isso
enlouquecido e adoentado por isso
tornado violento
tornado desumano
por isso
o coração enegrecido
os dedos alcançam a garganta
a arma
a faca
a bomba
os dedos tentam alcançar um deus que não responde
os dedos alcançam a garrafa
a pílula
a pólvora
nascemos nessa pesarosa letalidade
nascemos dentro de um governo de 60 anos em dívida
que logo não conseguirá pagar nem os juros dessa dívida
e os bancos vão queimar
e o dinheiro não servirá para nada
haverá assassinato aberto e impune nas ruas
teremos armas e multidões errantes
a terra não servirá para nada
a comida se tornará um rendimento decrescente
o poder nuclear estará nas mãos de muitos
explosões irão continuamente sacudir a terra
homens-robôs radioativos perseguirão uns aos outros
os ricos e escolhidos assistirão a tudo das plataformas espaciais
o Inferno de Dante ficará parecendo um parquinho infantil
o sol não será visto e sempre será noite
as árvores irão morrer
toda a vegetação irá morrer
homens radioativos comerão a carne de homens radioativos
o mar será envenenado
os lagos e rios desaparecerão
a chuva será o novo ouro
os corpos apodrecidos de homens e animais federão ao vento escurecido
os últimos sobreviventes serão acometidos por novas e hediondas doenças
e as plataformas espaciais serão destruídas pelo desgaste
o esgotamento dos suprimentos
o efeito natural da decadência geral
e haverá o mais belo silêncio jamais ouvido
nascido fora disso.
o sol ainda estará escondido ali
aguardando o próximo capítulo.
13/02/1991
Tradução de Pablo Polese. As obras que ilustram o poema são da autoria de Anselm Kiefer (1945-).