Por Leo Vinicius Liberato*
Reposicionamento e realocação dos indesejados
São inúmeros elementos que caracterizam o assédio organizacional a que os servidores da Fundacentro têm sido submetidos de 2019 até o presente (dezembro de 2022). Ele se relaciona a um assédio institucional que tem sido visto amplamente em órgãos federais no mesmo período[1]. Os servidores das Unidades Descentralizadas (UDs) da Fundacentro têm sofrido particularmente com esse assédio. Isso porque as UDs eram particularmente indesejadas pela gestão da Fundacentro que assume em 2019, como fica claro na entrevista da presidenta da Fundacentro Marina Battilani à edição de maio de 2019 da revista Proteção: “estamos reestudando a necessidade de cada uma das unidades descentralizadas”[2].
Assim como os servidores da Fundacentro ficaram sabendo pela imprensa dos objetivos da gestão que tomou posse meses antes, os servidores da Unidade da Baixada Santista ficaram sabendo por um ofício direcionado à Unifesp pelo Diretor de Administração e Finanças, Francisco Rogerio Lima da Silva, o qual estava substituindo a presidenta, que a Unidade em que estavam lotados seria extinta. No ofício ele usa a hipotética vontade de um dos servidores de continuar morando em Santos para barganhar a ida de uma servidora da Unifesp em cargo comissionado para Fundacentro. Não apenas souberam pelo ofício dirigido à Unifesp que sua Unidade seria extinta, como puderam perceber que eram tratados como uma espécie de moeda de troca[3].
Ainda em 2019 se inicia o processo de mudança de local da maioria das Unidades Descentralizadas. Os servidores foram retirados até mesmo dos prédios que são de propriedade da Fundacentro, como no caso das Unidades de Santa Catarina e da Bahia. O processo apressado gerou demanda dos servidores à Comissão Interna de Saúde do Servidor Público (CISSP) da Fundacentro. A CISSP realizou um levantamento em 2021 com os servidores das UDs, que apontou diversos problemas no processo de mudança de local das UDs, além do que, com exceção da Unidade do Rio Grande do Sul, todas as mudanças pioraram as condições de trabalho segundo os servidores[4]. Como vimos, são elementos frequentes do assédio organizacional a degradação das condições de trabalho e a realocação dos funcionários indesejados, no caso, os servidores das UDs. Ações que se caracterizam como assédio a partir do contexto e forma de execução. Forma essa que ocorreu sem diálogo, como ficou claro nas respostas dos servidores à CISSP, com desdém pela necessidade de segurança laboral e pelo futuro da instituição, uma vez que foram realizadas sem assinatura do Termo de Compartilhamento com os órgãos em que os servidores foram realocados, e sem levantamento das necessidades da atividade de trabalho e de possíveis necessidades especiais dos servidores.
Quanto a esse último ponto, cabe notar que como servidor da Fundacentro lotado em Santa Catarina e como membro da CISSP, em meio à pressão exercida pelo Diretor de Administração e Finanças Francisco Rogerio Lima da Silva, para que os servidores saíssem do prédio da Fundacentro urgentemente mesmo sem Termo de Compartilhamento assinado, enviei questionamentos sobre a observância de questões ergonômicas à presidência da Fundacentro. Questionamentos esses baseados no Manual de Aplicação da NR 17 do Ministério do Trabalho[5]. Esses questionamentos nunca tiveram resposta, tendo sido o processo arquivado pelo assessor da presidência Paulo César Vaz Guimarães[6]. Tal fato denota que o bem-estar, a saúde e as condições de trabalho não eram relevantes para a gestão da Fundacentro. Soma-se a isso o fato de os servidores de Santa Catarina terem ficado os últimos meses no prédio próprio da Fundacentro sem que houvesse contrato de limpeza, trabalhando em um ambiente que a cada dia ficava mais sujo. Na Unidade de Minas Gerais, apesar de não terem sido realocados fisicamente do espaço que ocupam, entre 2019 e 2020 os servidores também ficaram em um ambiente de trabalho sujo, pois não havia contrato de limpeza vigente. Situações essas que, mais uma vez, apontam a recorrência do desprezo pelo bem-estar, condições de trabalho e dignidade dos servidores da Fundacentro e, particularmente nesse caso, dos servidores das UDs.
Na Unidade de Santa Catarina, por exemplo, em novembro de 2022, quase três anos após a realocação dos servidores no espaço da Superintendência Regional do Trabalho (SRTb), o Termo de Compartilhamento continuava sem ter sido assinado. E durante a pandemia de Covid-19 o espaço dos servidores de Santa Catarina foi reduzido na SRTb de 228,28m2 para 189,48m2. Duas salas foram retiradas, sendo que em uma delas a SRTb colocou sofás no lugar, e a outra está sem uso. Fatos que apontam a uma situação em que os servidores foram deixados pela própria gestão da Fundacentro à mercê das decisões do gestor de outro órgão, tratados como indesejados e desprezados pelos próprios gestores da Fundacentro. Ao mesmo tempo, não lhes são fornecidos os instrumentos de trabalho necessários: não há, por exemplo, telefone na Unidade de Santa Catarina após sua realocação e não houve preocupação em comprar uma impressora diante da ausência de uma que funcionasse. O sistema de transporte da Fundacentro, com carros próprios e motoristas foi desmontado em todo o Brasil, e hoje não há transporte para os servidores realizarem trabalhos de campo e outras atividades. Como vimos, a retirada de instrumentos de trabalho também são frequentes em situações de assédio organizacional, ajudando a caracterizá-las.
Enquanto o Termo de Compartilhamento com a SRTb em Santa Catarina foi assinado apenas no final de novembro de 2022, após pressão dos servidores, o Termo de Cessão do prédio da Fundacentro de Santa Catarina para a Funai foi assinado em 2021[7], mostrando que a prioridade da gestão da Fundacentro 2019-2022 era se desfazer dos servidores e do seu patrimônio.
Expressivo de como os servidores eram desprezados e considerados indesejáveis pela própria gestão da Fundacentro, foi a retirada dos servidores da Unidade da Bahia do prédio próprio da fundação, que estava em plenas condições de uso. Não lhes foi dada a oportunidade de continuarem no prédio, que além de tudo era bem localizado, compartilhando-o com outro órgão. Os servidores da Bahia foram retirados para um pequeno espaço na Superintendência Regional do Trabalho, localizada em bairro distante, enquanto o prédio da Fundacentro foi cedido inteiramente para outro órgão. Numa oportunidade em que foi questionado numa reunião da CISSP sobre esse fato, o chefe do Recursos Humanos (já denominada nessa época CGGC[8]), Diego Fernando Ferreira de Oliveira, justificou como se fosse algo normal e cuja diretiva viria de normas do Ministério da Economia.
No caso France Télécom os gestores condenados por assédio organizacional foram o presidente, o vice-presidente e o diretor de Recursos Humanos da empresa. No assédio organizacional que atinge os servidores da Fundacentro desde 2019, o papel do Coordenador de Recursos Humanos (CRH), Diego Fernando Ferreira de Oliveira, tem sido bastante proeminente. Ele assumiu o cargo em 2019. Posteriormente o CRH se transformou em Coordenação-Geral de Gestão Coorporativa (CGGC). Diego Fernando Ferreira de Oliveira, servidor de carreira da área administrativa da Fundacentro, subiu assim de cargo comissionado. A CGGC se tornou uma espécie de grande diretoria, sob a qual ficaram os diversos setores de Recursos Humanos (RH). As Unidades Descentralizadas deixaram de ter chefias técnicas e mesmo chefias gerais, e esse poder passou a ser concentrado na CGGC. Todos os servidores das Unidades Descentralizadas passaram a ser subordinados à CGGC, que é uma espécie de RH desvirtuado e inflado.
Em 2022, reproduzindo simbolicamente o processo violento de realocação física das UDs, todos os servidores das UDs da Fundacentro foram postos no organograma da instituição como Setor de Apoio à Gestão[9]. Novamente a gestão da Fundacentro fez questão de expressar que os servidores das UDs eram inconvenientes e desprezíveis: a primeira vez através da realocação física e da forma como foi executada, a segunda vez através de uma realocação no organograma para um lugar despropositado. E os servidores das UDs foram expostos publicamente, uma vez que no website da Fundacentro cada Unidade Descentralizada aparece como Setor de Apoio à Gestão.
Em relação aos servidores da área técnica (da atividade fim da Fundacentro), a violência se amplifica uma vez que há um não reconhecimento explícito das suas atividades e da sua profissão ao serem postos como “Apoio à Gestão”, quando na realidade são da área fim da instituição. O não reconhecimento e a desvalorização que expressam as ações e práticas como a das mudanças tanto físicas como no organograma apresentadas acima, se direcionam intencionalmente ou não a abalar as identidades construídas no trabalho. No caso específico dos servidores da área técnica da Fundacentro, de abalar a identidade de pesquisadores construída no trabalho e através das suas histórias profissionais. São ações e práticas que se direcionam, portanto, a abalar a saúde mental desses servidores.
* Tecnologista da Fundacentro, doutor em Sociologia Política.
Notas
[1] CARDOSO JR., J.C. et al. (org). Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado. Brasília: Afipea; EDUEPB, 2022. Disponível em: https://afipeasindical.org.br/content/uploads/2022/05/Assedio-Institucional-no-Brasil-Afipea-Edupb.pdf; e LIBERATO, LEO V. M. O Assédio Institucional na Fundacentro. Afipea, Nota Técnica 26, 2022. Disponível em: https://afipeasindical.org.br/content/uploads/2022/06/NT_26_Assedio_Institucional_na_Fundacentro.pdf
[2] Ver Anexo 1.
[3] Ver Anexos 2, 3 e 4.
[4] Ver Anexos 5 e 6.
[5] A Norma Regulamentador 17 é uma norma federal de saúde e segurança no trabalho, que versa sobre ergonomia.
[6] Ver Anexos 7 e 8.
[7] Ver Anexo 9.
[8] Coordenação-Geral de Gestão Corporativa.
[9] Ver Anexo 10.
Anexos disponíveis aqui.
Leia as partes: 1, 3, 4 e 5.
Ilustram o artigo obras de Madalena Santos Reinbolt (1919 – 1977)