Os dois brasileiros conversavam sobre a vida e o trabalho em Paris. Um deles comentou que na empresa onde trabalhava quase a totalidade dos colegas era da etnia soninke, e que no trabalho todos eles praticamente só conversavam em soninke. O outro comentou: “É a resistência contra a França colonizadora.” Passa Palavra

11 COMENTÁRIOS

  1. Ulisses, você sabe bem que todos os brasileiros na França jamais esquecerão as passagens colonizadoras da França no Brasil colonial. É por isso, e não por outra razão qualquer, que entre eles só se fala em português. É nova resistência, camarada! A nova resistência!!

  2. Há vários anos, em Belo Horizonte, eu estava na mesa de um debate em que os demais participantes representavam movimentos sociais, e outra integrante da mesa, uma universitária que fazia uma pós-graduação, afirmou que se recusava a aprender inglês, porque é a língua do patrão. Eu disse que ficava perplexo com o facto de ela falar português e não tupi-guarani, porque o português é a língua do colonizador. Curiosamente, a minha intervenção foi muito mal recebida.

  3. Caros,

    Enquanto afro-descendente, pretendo começar a fazer uma reconstrução exata da língua do povo Bantu do século XVI e XVII que foi trazido pelo Atlântico como escravo pelos diabólicos Portugueses para as terras do lado de cá, para assim começar a ensinar ao resto do meu povo negro pelo Brasil afora. Pouco importa se a palavra “Bantu” se aplica não a um só povo ou a uma só língua, mas a centenas de povos e línguas diferentes entre si, e pouco importa se muitos desses povos provavelmente não se identificavam uns com os outros naquela época (a despeito da quantidade de melanina que tinham, e têm, na pele). Finalmente, pouco importa se eu, Antonio, sou tão legitimamente afro-descendente, como sou legitimamente europeu-descendente e tupi-guarani-descendente, já que tenho avós e bisavós de toda qualidade de tonalidade de pele; o importante, notem vocês, é afirmar, resgatar ou (re)construir uma identidade supostamente “pura”, completamente separada das outras.

    Miscigenação é genocídio! (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/12/1943569-movimentos-negros-repetem-logica-do-racismo-cientifico-diz-antropologo.shtml)

  4. Ulisses,

    Complementando a intervenção do Fernando Paz, e também fazendo uma ponte com o que o nosso colega lusitano João Bernardo disse: acho que língua Portuguesa no Brasil já se modificou tanto, que agora podemos seguramente dizer que no Brasil não se fala Português, mas sim Brasileiro. Então certamente os brasileiros do referido flagrante delito conversavam em Brasileiro, e não nessa língua feia do colonizador ibérico.

    Apesar disso, ainda acho que o meu povo negro no Brasil (muitos, infelizmente, tendo perdido parte da sua pureza devido à maldita miscigenação com os brancos) deveria fazer um esforço para aprender a língua dos Bantu do século XVI. Ou, pelo menos, escolher alguma língua nativa do Oeste Africano e aprendê-la. Se por algum motivo isso for muito inviável, dado o fato de estarmos agora em continentes separados, acho que o tupi-guarani referido pelo João Bernardo também serve. O importante é que eventualmente não se fale mais língua de colonizador aqui nas Américas.

    Abraços decoloniais do,
    Antonio

  5. Caro Irado,

    Tenho certeza que o Rei da etnia dos Ovimbundo tem muito a ensinar politicamente aos negros do Brasil. Uma monarquia, veja você, com sua forte estrutura hierárquica que concentra poder nas mãos de alguns poucos pela eternidade de maneira hereditária, frequentemente combinada com ausência de liberdade política aplicada à generalidade da população, com certeza é um modelo político emancipador para os negros nas terras de cá. Ou, pelo menos, representa a oportunidade de uns poucos ascenderem à posição de novas elites; quanto ao resto…

    Saudações monarquistas e decoloniais

  6. LL,

    Para mim a parte mais interessante foi que, depois de terminado o texto, há uma sentença, em fonte menor em comparação com o texto em si, em cor cinza, onde lê-se: “O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford”. Assim, recorri a um monarca muito mais poderoso que o Tchongolola Tchongonga Ekuikui. o Google, pesquisei por “projeto quilombos do brasil fundação ford”, e alguns resultados me foram retornados. Por exemplo, neste site (https://www.fundobrasil.org.br/conaq/) é possível ler, já na página inicial:

    “O Fundo Brasil de Direitos Humanos, em parceria com a Fundação Ford, apoia a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) para fortalecer a agenda política e a resiliência das organizações e comunidades quilombolas de todo o Brasil.

    Trata-se de uma iniciativa de transferência de conhecimento para a Conaq, focada em impulsionar a capacidade de gestão e de apoio a projetos e a sustentabilidade desta que é a maior organização quilombola do país. Pretende-se que a Conaq se aproprie dos conhecimentos e desenvolva outros para construir de forma autônoma suas estratégias e metodologias para apoiar a luta dos quilombos por direitos, terra, renda, soberania e segurança alimentar, e o desenvolvimento e sustentabilidade de suas organizações em todo o país.”

    Este website (https://gife.org.br/projeto-desenvolvido-pela-fundacao-ford-pnud-e-seppir-sobre-quilombolas-e-premiado-pela-sua-inovacao/) e este artigo (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/03/folha-estreia-serie-de-reportagens-sobre-os-quilombos-brasileiros.shtml) são bastante interessantes também, e vão pela mesma linha. Acredito que pensar cuidadosamente acerca das implicações da Fundação Ford estar fazendo parte de algo como isso pode levar a conclusões bastante interessantes. Confesso que, no artigo da Folha, a parte do rei angolano ter cumprido profecias e ter falado essas coisas acerca de seus ancestrais e as tradições e toda essa coisa me deixou meio entediado, mas quando li a sentença à qual me referi, meu interesse se despertou na hora. Aí está um bom material para fazer alguma esquerda meditar (ou não).

  7. Caro Antonio de Odilon Brito,

    A importância da Fundação Ford para a criação e o desenvolvimento do movimento negro no Brasil é conhecida e foi tratada extensivamente neste site por Pablo Polese no seu artigo A Fundação Ford e a questão negra. Leia em seguida a réplica de Wanderson Chaves, Coordenadas para o debate racial negro: carta a Pablo Polese. Deve ler-se também um artigo de Manolo, Florestan Fernandes e os “negros”: provocação para um debate.

    No que me diz respeito, na 5ª parte do ensaio Outra face do racismo, intitulada Será o racismo inerente ao capitalismo?, escrevi: «Os identitarismos étnicos servem para mobilizar o descontentamento das massas inferiorizadas pelo racismo em prol da ascensão social de uns poucos, quer graças ao status político adquirido na militância quer graças ao status universitário obtido através de medidas que facilitam o acesso ao ensino superior, ou graças aos dois processos em conjunto. Trata-se exclusivamente de uma recomposição das elites. Vejamos o resultado de cinco décadas de integração escolar nos Estados Unidos, a affirmative action, acção afirmativa, a mesma política que inspirou a Fundação Ford a orientar o movimento negro brasileiro para reivindicar a obtenção de quotas nas universidades».

    Tudo isto é conhecido, mas discretamente ocultado por quem enche os bolsos. Se descermos dos céus à terra, talvez seja útil averiguar, por baixo das ideologias sociais e dos respectivos movimentos, as fontes de financiamento. É o que fez, por exemplo, Kannon Sanson no artigo Quando corporações financiam o ativismo social.

  8. Sobre o uso da mobilização do descontentamento das massas para ascensão social de uma elite, o fora de série intelectual Norman Finkelstein (fora de série pela seriedade de estudo e integridade), aponta o que aconteceu com tituladas lideranças do Black Lives Matter. A velocidade em que se usa essas mobilizações para ascensão social nesses movimentos identitários parece ser muito superior do que ocorre no sindicalismo. Parece que o objetivo de muitos já é esse desde o início. Vale a pena ver a entrevista dele aqui: https://www.youtube.com/watch?v=I0i0mnhobNs

    É uma entrevista sobre o novo livro dele, que é uma crítica à política identitária, chamado “I’ll Burn That Bridge When I Get to It!”. O livro pode ser baixado o libgen.is

    Está fazendo 20 anos da antológica participação dele no Democracy Now, que vale ver ou rever como exemplo de seriedade em estudos e integridade e compromisso com princípios inegociáveis: https://www.youtube.com/watch?v=GzqTWpPI5Qw

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