Por Comitê de Solidariedade à Luta pela Terra (COMSOLUTE)
Dois servidores públicos municipais, integrantes da Guarda Municipal de Cândido de Mendes, identificados como Paixão e Wilson, foram encontrados mortos no dia 03/01/2024, na localidade conhecida como Campina, área tradicional de cultivo dos moradores do Povoado Vilela, em Junco do Maranhão.
Eles prestavam o já tradicional, inúmeras vezes denunciado como ilegal e criminoso, “serviço de segurança remunerada” aos grileiros que tentam usurpar as terras da região com base numa comprovada documentação falsa, na qual consta o registro ilegal de 12 mil hectares. Este registro se sobrepõe à posse de várias comunidades, afetando a vida de centenas de famílias.
Não custa lembrar que, no último dia 29/12/2023, no povoado Vilela, inserido na gleba Campina, ocorreu um protesto comunitário contra a absurda e, depois suspensa, decisão do Juiz Cristiano Simas de Souza favorável a um dos grileiros. Na ocasião, um indivíduo, posteriormente identificado como policial militar, pilotando uma moto, tentou furar o bloqueio da MA 206. Ao ser impedido, sacou sua pistola e disparou três vezes contra os manifestantes, atingindo a mão de um trabalhador rural, que acabou perdendo um dedo em virtude dessa agressão!
Por curiosa coincidência, o policial militar era lotado em Cândido Mendes, a mesma cidade dos guardas municipais que faziam serviço ilegal de “segurança privada” e agora foram encontrados mortos dentro da área conflituosa, inclusive com fardamento e equipamento da Guarda Municipal. Um deles, inclusive, próximo de uma motocicleta identificada por já ter sido várias vezes avistada e fotografada em ações dos pistoleiros contra os posseiros.
No referido episódio do bloqueio da MA – 206, em que a população se defendeu de uma escancarada tentativa de homicídio, os comandos da Polícia Militar e da Polícia Civil preferiram ignorar os fatos e começaram uma verdadeira campanha de perseguição aos trabalhadores que organizaram o protesto, tentando usar a investigação como oportunidade de vingança pela forma como os camponeses se defenderam do referido policial. Inclusive aí a população já mencionava suas suspeitas de que o tal PM estivesse também atuando como pistoleiro na área, suspeitas que foram abertamente ignoradas pelos comandos das polícias.
Há anos os moradores do Povoado Vilela e das demais comunidades afetadas pela grilagem denunciam as violências praticadas pela família do grileiro Nestor Finger, falecido em 2021. E há meses denunciam também a continuidade das ameaças e violências ocorridas em meio às negociações escusas entre a referida família e supostos compradores das terras. Com raras exceções nos poderes municipais da região e no Ministério Público, nenhuma autoridade estadual responsável ouviu os camponeses. Esses seguiram sendo tratados como intrusos em suas próprias terras e como “entulho” a ser retirado à força, como parte das negociatas dos grileiros.
O conflito se reacendeu na região quando no dia 28 de outubro de 2023 a Família Finger invadiu as terras que eles mesmos tinham vendido, ignorando decisão judicial expedida por juiz de direito do Paraná, rejeitando o seu pedido de reintegração de posse e mantendo a posse para o suposto comprador.
O Estado do Maranhão não fez nada. Os camponeses mobilizaram-se em várias reuniões, inclusive noticiadas pela imprensa, com Secretaria de Segurança Pública, Superintendência da Polícia Civil, INCRA, ITERMA e Comissões do Judiciário e NADA foi feito. Aliás, como já dito, iniciou-se uma campanha de perseguição contra as comunidades da Campina após seu justo protesto na rodovia.
Nada disso é novidade, nem para o povo nem para as “autoridades”. O caso do dia 03 de janeiro apenas vem se somar a vários já registrados, em que policiais e outros agentes públicos são flagrados conformando e comandando grupos de pistoleiros. Que diga o recente caso em Barra do Corda, o mais escandaloso, onde num bando de dez pistoleiros, TODOS eram agentes públicos (policiais militares e um policial penal). Aí também um PM acabou morto.
Cabe perguntar: até quando o governador e seu secretário de segurança pública permitirão que seus comandados atuem como pistoleiros fardados? Será que pretendem empurrar a situação para a próxima administração ou, nesse caso em particular, que é “problema dos municípios”? Ou, quem sabe, pretendem esperar até que se articule e consolide no Maranhão uma nova organização criminosa (“milícia”), que em meio à disputa violenta com as facções já conhecidas, passe a chantagear o executivo e silenciar o judiciário, como já ocorre em outras partes do país?
Denunciamos à sociedade que até agora cinco camponeses foram assassinados na Campina e nada foi feito. Inúmeros boletins de ocorrência, dando conta de tentativas de homicídios, agressões, ameaças e danos patrimoniais, foram registrados pelos camponeses e não tem andamento nas repartições públicas, que deveriam agir para acabar com a impunidade, mas que, através de sua omissão, são coniventes com o que está ocorrendo.
Denunciamos ainda à sociedade que bandos armados contra os camponeses já foram denunciados em todas as repartições públicas, e, o fato de nada ser apurado demonstra completa leniência dos agentes do Estado, que ao invés de combater a grilagem e a violência, se articulam com os que as promovem.
Exigimos a investigação completa do ocorrido e se houver qualquer tentativa de intimidação, ameaça ou agressão às comunidades camponesas, responsabilizaremos diretamente o governador do Estado e os comandos das polícias perante os órgãos federais e de direitos humanos.
Condenamos veementemente a ação criminosa dos bandos de pistoleiros contra as comunidades camponesas do Maranhão, em especial da região do Vale do Gurupi, e conclamamos a que todas organizações e pessoas democráticas de nossa sociedade também se manifestem agora e expressem continuamente seu apoio ao povo camponês do Maranhão contra essa ofensiva de grileiros sobre as terras de nosso Estado.
Toda solidariedade à luta camponesa pela Terra!
04 de janeiro de 2024
Originalmente publicado aqui.