— Eu ando escutando bastante música em francês.
— O quê?
— Jacques Brel, Yves Montand, Charles Aznavour, Edith Piaf. Principalmente Jacques Brel.
— Você está escutando só música velha. Essas aí eu não escuto. Eu praticamente só escuto música francesa, mas só as novas. As velhas eu não escuto.
Passa Palavra
não confie em ninguém com mais de trinta, ânus
Adoro as “músicas velhas” da Edith Piaf.
https://www.youtube.com/watch?v=4Hqc-NWlNJQ
A música dessa canção de Edith Piaf, Non, je ne regrette rien (Não, não me arrependo de nada), talvez a que mais se celebrizou por todo o mundo, foi composta por Charles Dumont. Neste vídeo é ele quem, no piano, acompanha Edith Piaf:
https://www.youtube.com/watch?v=dyoQHewCWGw
Eles foram amantes episódicos e transversais, como tantos outros ao longo da vida daquela mulher franzina e pequena (piaf é uma gíria para pardal), e há dois momentos nesse vídeo que me impressionam, quando Charles Dumont lhe lança um olhar que não sei se é de rancor ou de amor, talvez ambas as coisas. Na assistência é destacado um casal que não sei quem fosse, mas certamente eram mundanos conhecidos porque os encontro noutros vídeos, por exemplo neste, que de todos é o que mais me emociona, num espectáculo de Georges Brassens no Bobino, penso que no seu último encontro com o público, exausto e já roído pelo cancro (câncer) que em breve havia de o matar. A câmara foca também figuras literárias conhecidas, nomeadamente Marguerite Duras, e Brassens canta aquela que foi a mais famosa de tantas canções famosas, Les copains d’abord (Os amigos acima de tudo), uma apologia da amizade, que era o valor que ele mais enaltecia, além da liberdade:
https://www.youtube.com/watch?v=mTleytrWqlY
No Flagrante Delito faltaram dois nomes fundamentais, Boris Vian e Mouloudji, notáveis pela maneira como cantaram, por aquilo que cantaram e pela vida que viveram, demasiado breve no caso de Boris Vian. Não hesito e escolho Le déserteur (O desertor), que Boris Vian escreveu e compôs e cantou e que Mouloudji cantou também numa versão ainda mais radical, e que tão importante foi para a minha geração durante as guerras coloniais, nos deu ânimo e nos situou no fio da História, aqui na voz e na expressão de Mouloudji:
https://www.youtube.com/watch?v=EA5gZJzQWqU
Haveria ainda ocasião para falar de Juliette Gréco, que deu voz a tantas canções, esta por exemplo, Les feuilles mortes (As folhas caídas), que ela e Yves Montand popularizaram:
https://www.youtube.com/watch?v=2ZdJnyOw73k
Yves Montand dá aqui outra versão, num programa de televisão, cantando praticamente a cappella, e fascina-me o olhar com que o segue a moça sentada por detrás dele:
https://www.youtube.com/watch?v=28RrxMemkRA
O poema é de Jacques Prévert, que tantos outros poemas escreveu e que Robert Doisneau fotografou, e muitos que vêem hoje o retrato do senhor e do cão não sabem quem é.
https://i.pinimg.com/736x/4b/23/a3/4b23a3015c008874531ccf9710500ebd–jacques-pr%C3%A9vert-solitude.jpg
Foi um mundo que morreu e só se mantém vivo na arte e no registo dos artistas — vivo, excepto para os imbecis que não têm olhos nem ouvidos.
ERA UM MUNDO
JB caminha, de mãos dadas, com Orfeu.
Então, sua nostalgia mimetiza Eurídice…
Ulisses, tu escreveu “ERA UM MUNDO…”, então lembrei que “Era um mundo / libertar-se do mundo morto”, é o título de uma coletânea de textos escritos por João Bernardo e publicados entre 1975 e 2009, que a Vosstanie os reuniu e publicou em 2019 (www.vosstanie.org). Repare, se possível, na capa criada para a coletânea, com a fotografia intitulada “Desenho” (1999), de Helena Almeida.
Irênico, Fernando cometeu eureka: o título de meu comentário é uma referência quase explícita à ótima coletânea, homônima e também nostálgica, do JB.