Por Leo Vinicius

No dia 17 de abril de 2024 estudantes da Universidade de Columbia, em Nova York, que lutam ativamente há seis meses para que a Universidade desinvista seu fundo em empresas ligadas direta ou indiretamente às mortes infligidas aos palestinos por Israel, estabeleceram um acampamento dentro do campus. No dia seguinte a presidente da Universidade, Minouche Shafik, chamou a polícia para acabar com o acampamento, resultando em violência contra os estudantes e cerca de 100 presos. O acampamento foi reestabelecido pelos estudantes e a notícia da repressão policial fez os acampamentos por esse desinvestimento dos fundos das universidades, e de solidariedade à população em Gaza, se espalharem como fogo no palheiro por inúmeras universidades dos EUA (dezenas ou até mais de cem em algumas contagens). A repressão policial também se espalhou por inúmeros desses campi dos EUA.

Aqui pretendo trazer ao leitor de língua portuguesa três tópicos sobre essa luta ainda em curso no momento em que escrevo: 1) o que ou a quem esses estudantes estão confrontando e enfrentando quando lutam por essa demanda; 2) quais as condições políticas e sociais que fizeram esse levante ocorrer; 3) quais as perspectivas emancipatórias imanentes a esse movimento.

A luta contra um poder econômico e político gigantesco

Um repórter da Al Jazeera em Inglês pergunta a um estudante da Universidade George Washington, na capital dos EUA:

– Você tem a percepção de que se você estivesse protestando, por exemplo, contra a Rússia ou sobre a mudança climática, a Universidade estaria achando legal e elogiando? Por que você acha que ela é tão particularmente virulenta contra esta manifestação?

O estudante respondeu:

– Porque a Universidade não é uma instituição educacional. É uma instituição financeira. E estamos pedindo desinvestimento [1].

A resposta do estudante foi certeira no objetivo de aproveitar o espaço na mídia para ter um impacto político e discursivo. Mas ele também deve saber que não é apenas por lutarem por controle sobre o investimento de capital que a repressão tem sido virulenta. Se a demanda fosse não investir em empresas ligadas ao uso de combustível fóssil, a reação seria muito diferente. Eles estão enfrentando o poder econômico e político do sionismo, que nos EUA é imenso, envolvendo os dois grandes partidos políticos. Vale salientar que há cristãos sionistas e não apenas judeus sionistas [2]. O mais poderoso grupo formal de lobby sionista nos EUA é a AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), conhecido por despejar milhões de dólares em campanhas de políticos alinhados aos interesses de Israel e despejar milhões de dólares para que políticos não alinhados não sejam eleitos.

Antes de continuarmos, é preciso ter uma ideia de algumas características do sistema universitário dos Estados Unidos. Lá as universidades, tanto as privadas quanto as públicas, possuem fundos formados por doações e outras verbas, os quais são investidos no mercado financeiro. Os estudantes da Universidade de Michigan, que é uma universidade pública, conseguiram que a administração divulgasse esse ano o tamanho do fundo e no que ele estava investido. Como exemplo, o fundo da Universidade de Michigan é de 17,9 bilhões de dólares, e após investigarem os investimentos os estudantes chegaram à conclusão de que 6 bilhões estavam investidos em empresas direta ou indiretamente ligadas à morte dos palestinos.

Tanto as universidades privadas quanto as universidades públicas nos EUA são geridas como empresas. Vale lembrar que as públicas também não são gratuitas. Tantos as privadas quanto as públicas possuem um presidente, um CEO, que é escolhido por um Conselho (Board of Trustees). A forma de composição desse conselho varia. Nas universidades públicas geralmente os membros ou a maioria deles são indicados pelo governador do estado. O presidente, nas privadas e nas públicas, é escolhido por esse Conselho, a partir de indicações que surgem. Trata-se basicamente da escolha de um Executivo, um CEO, no mercado. Por exemplo, na Universidade de Indiana (pública) a atual presidente tem um histórico acadêmico, mas se tornou uma gestora de universidades; e a atual presidente da Universidade de Columbia foi presidente da London School of Economics na Inglaterra e teve cargo de direção no Banco da Inglaterra e no FMI, além de ter sido vice-presidente do Banco Mundial. Como vemos, de fato as universidades dos EUA se parecem muito com instituições financeiras. O presidente escolhido pelo Conselho assina um contrato com a Universidade com prazo determinado.

Existem, portanto, dois mecanismos principais de pressão do poder econômico e político ligados ao sionismo sobre os gestores das universidades estadunidenses: a) a ameaça de cortar doações e recursos públicos direcionados à universidade; b) pelo bloqueio da carreira e da “empregabilidade” dos gestores. Sobre esse segundo ponto, vale apontar que os manifestantes da Universidade de Columbia eram ameaçados de entrarem em lista negra de empregadores durante o acampamento; e o cientista político judeu Norman Finkelstein teve seu tenure (que dá estabilidade de emprego) negado na universidade em que lecionava, o que correspondia na prática a uma demissão, e não conseguiu ser contratado por nenhuma universidade dos EUA durante quinze anos, devido à pressão sionista após ele ter desmascarado na TV e em livro os plágios e informações falsas contidas em um livro de um professor de Harvard, propagandista de Israel.

Assim como manifestações em solidariedade aos palestinos ocorrem em universidades dos Estados Unidos desde outubro de 2023, a pressão sionista para aplacar essas manifestações e calar os críticos a Israel também não apareceu agora. As tropas de choque invadindo as universidades e reprimindo os estudantes são apenas a expressão de um conflito escalado. Em janeiro deste ano, por exemplo, a Universidade de Indiana cancelou uma exposição de Samia Halaby, uma conhecida artista palestina-americana de 87 anos. Halaby se graduou, fez mestrado e foi professora da própria Universidade de Indiana. A exibição foi cancelada por Halaby ter condenado no Twitter o massacre de Israel em Gaza (obviamente essa não foi a justificativa oficial do cancelamento). No mesmo mês o professor Abdulkader Sinno foi suspenso na mesma universidade. Ele era orientador do Comitê de Solidariedade à Palestina dos estudantes da universidade. Em 15 de novembro de 2023 o deputado federal Jim Banks, do Partido Republicano, escreveu à presidente da Universidade de Indiana, Pamela Whitten, afirmando que a Universidade poderia perder acesso a verba federal se tolerasse antissemitismo no campus. O deputado mencionou especificamente o Comitê de Solidariedade à Palestina na carta. Não é novidade que os sionistas chamem de antissemitismo o antissionismo ou críticas às políticas de Israel, uma vez que eles usam e divulgam há mais de cinquenta anos essa tática [3].

Uma regra vigente desde 1969 na Universidade de Indiana permitia manifestações, cartazes, símbolos e estruturas num espaço chamado Dunn Meadow. Após o acampamento em solidariedade aos palestinos ser estabelecido no local, dia 24 de abril a presidente da Universidade de Indiana alterou a regra, passando a proibir estruturas no Dunn Meadow. No dia seguinte chamou a polícia no campus, com snipers posicionados no terraço. Cerca de 50 estudantes foram presos e imediatamente suspensos pela administração da Universidade [4]. Tudo isso supostamente por causa de uma tenda erguida em um bosque, que até o dia anterior era permitida. Em outras universidades, como a do Texas e a do Arizona, a repressão policial também foi imediata.

Em dezembro de 2023 a presidente da Universidade da Pensilvânia, M. Elizabeth Magill, renunciou ao cargo por pressão de doadores sionistas e políticos. Depois foi a vez de Claudine Gay, presidente da Universidade de Harvard renunciar. Ambas e mais a presidente do MIT, Sally Kornbluth, haviam sido convocadas para uma audiência pública no Congresso no início de dezembro, com o intuito de serem cobradas sobre a não repressão das manifestações contra o extermínio em Gaza que ocorriam nos campi dessas universidades. Claro, serem cobradas sob o discurso de não estarem reprimindo o “antissemitismo”. Três dias depois da audiência, mais de 70 congressistas pediram a destituição das três [5].

Em 17 de abril de 2024 foi a vez da presidente de Columbia prestar satisfação aos congressistas. Provavelmente por ter visto o que aconteceu com Gay e Magill, Minouche Shafik agiu de forma pateticamente subserviente diante dos questionamentos dos congressistas, como um empregado amedrontado diante de um patrão que o ameaça. Chegou até mesmo a afirmar que um professor mencionado seria demitido, algo que fugia até mesmo do seu poder de decisão. Por coincidência ou não, no mesmo dia em que Shafik estava no Congresso se humilhando, os estudantes da coalizão Columbia University Apartheid Divest estabeleceram o acampamento no campus, com as mesmas demandas que faziam há meses: basicamente o desinvestimento em Israel e em empresas com negócios com o governo israelense. No dia seguinte Shafik, provavelmente procurando “mostrar serviço” e agradar os sionistas que a pressionavam, chamou a polícia no campus, com o resultado já exposto no início deste texto. Sua decisão de chamar a polícia não passou pelo senado da Universidade, como previa o regulamento desde 1968. O acampamento foi refeito após esse episódio, estudantes foram suspensos de forma arbitrária (principalmente os palestinos), e no dia 29 de abril, 21 congressistas do Partido Democrata enviaram uma carta ao Conselho (Board of Trustees) da Universidade de Columbia, afirmando que era “hora de agir” e que apesar das promessas feitas o acampamento ainda não havia sido suprimido. Na noite do dia seguinte centenas de policiais entraram no campus, prenderam manifestantes e destruíram o acampamento. Na mesma hora a polícia também entrou no campus do City College no Harlem (Nova York), também destruindo o acampamento e prendendo pessoas. Os estudantes do City College, por serem mais pobres e com mais melanina, estão enfrentando acusações mais graves nos inquéritos policiais. Em Columbia a polícia permanecerá no campus até o dia 17 de maio (para garantir que a cerimônia de formatura ocorra).

Na Universidade da Califórnia em Los Angeles a administração da universidade deixou que uma milícia formada por Proud Boys e sionistas atacasse durante dias o acampamento em solidariedade aos palestinos. Quando a polícia apareceu, apenas observou as agressões da milícia fascio-sionista, e quando resolveu tomar alguma ação apenas dispersou a milícia sem prender ninguém. Vinte e cinco estudantes feridos do acampamento tiveram de ir ao hospital. No dia seguinte a tropa de choque entrou no campus para acabar com o acampamento, o que conseguiu após uma batalha com muitos estudantes presos e outros feridos. Ou seja, gestores de universidades, polícia e milícias para-policiais agiram em convergência e conivência na supressão do movimento. Fascismo e grande capital, para repetir o título do livro de Daniel Guérin. Mas dessa vez o fascismo se chama sionismo. Sionismo e grande capital, é isso que os estudantes estão confrontando e enfrentando com a luta pelo desinvestimento e para tentar parar um virtual genocídio em curso.

Campanhas pelo Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) a Israel não são novas nos Estados Unidos e em outros países. Em função disso Israel havia feito um grande lobby, principalmente nos EUA para que fossem aprovadas leis anti-BDS. Nas palavras de Benjamin Netanyahu: “Quem nos boicotar será boicotado… Nos últimos anos promovemos leis na maioria dos estados dos EUA, que determinam que ações fortes devem ser tomadas contra quem tenta boicotar Israel” [7].

No dia 1º de maio a câmara dos deputados dos EUA aprovou por 320 votos a 91 uma expansão do conceito de antissemitismo. Certamente será aprovada também no senado e sancionada por Joe Biden. Nesse projeto de lei o Departamento de Educação terá de adotar o conceito de antissemitismo da International Holocaust Remembrance Alliance, o qual favorece que se confunda antissionismo com antissemitismo e críticas a Israel com antissemitismo. Ou seja, a reação ao movimento estudantil que confronta os interesses sionistas e do grande capital foi imediata, passando pelas pressões políticas e financeiras, atravessando a repressão policial e chegando às mudanças de legislação.

Cereja do bolo, dia 2 de maio Joe Biden criminaliza o levante estudantil em conferência de imprensa, sacrificando sua possível reeleição para servir ao sionismo e ao grande capital [8]. Trump e Biden apoiaram a repressão policial.

Os fatores políticos e sociais do levante

Primeiro fator para desencadear o levante: a militância de longa data. Desde os anos 1990 existem comitês e grupos de solidariedade aos palestinos e pelo desinvestimento em Israel em universidades dos EUA. Por anos a fio eles pareceram insignificantes, mas quando o segundo e infeliz fator para desencadear uma mobilização massiva surgiu, o massacre e virtual genocídio em Gaza, esses grupos tendem se tornar a referência política para organizar e direcionar o movimento. Possuem além de tudo o conhecimento mais aprofundado da causa, além de pautas e objetivos bem estudados.

O terceiro fator é uma mudança demográfica nas universidades dos EUA, como salientou o jornalista Juan González, uma das lideranças estudantis na ocupação da Universidade de Columbia contra a guerra do Vietnã em 1968. Há uma diversidade maior de origem dos estudantes universitários estadunidenses do que em décadas atrás, e isso inclui muitos estudantes do Oriente Médio ou com origem familiar naquela região. É ilustrativa a declaração do estudante entrevistado pela Al Jazeera mencionado anteriormente. Na mesma entrevista ele conta ao repórter que é filho de imigrantes que tiveram que sair de seu país como consequência do imperialismo dos EUA.

Um quarto fator é mais especulativo, embora tenha sido dito por mais de um professor universitário estadunidense. Nas palavras de Finkelstein, um dos fatores dessa conexão forte com a população em Gaza seria “que Gaza se tornou uma metáfora para toda uma nova geração que se sente totalmente sem poder, em um sistema controlado por um punhado de pessoas muito ricas e poderosas. E o fato de como em Gaza, uma grande parte dos nossos jovens não apenas se sente sem poder, mas sentem como se não tivessem futuro sob esse sistema. Acho que Gaza se tornou uma metáfora para os sem poder e sem futuro para muitos jovens ao redor do mundo, não apenas nos países industrializados” [9].

Perspectivas emancipatórias

Quanto às demandas de desinvestimento, é importante ressaltar que na Itália também houve lutas estudantis significativas desde outubro de 2023. Conseguiram que a Universidade de Nápoles rompesse relações com uma empresa pública italiana que possuía contrato com o exército israelense. Mas o fato é que, principalmente nos EUA, onde o sionismo exerce um poder político e econômico imenso, a pauta BDS a Israel tende a avançar muito lentamente. Ainda mais que o contexto nos EUA e no Ocidente é da existência e ascensão de uma extrema-direita pró-sionismo. E a demora de avançar nesse caso é crucial, não apenas para parar o massacre em Gaza como para interromper a transformação da Cisjordânia em um novo campo de concentração como Gaza, como vem ocorrendo com o aumento dos postos de controle e violência israelense contra os palestinos.

A repressão em Columbia e em outras universidades, embora tivesse indignado muitos professores e funcionários das universidades, alguns dos quais colocaram seus corpos na linha de frente, necessitava de uma resposta contundente, para além de cartas de repúdio e votações simbólicas. A campanha BDS em Columbia solicitou que os professores e funcionários parassem o trabalho após a repressão e supressão do acampamento no dia 30 de abril. Era a ação que poderia manter a disputa, pois seria inesperada pelos gestores, além de potencialmente servir de exemplo a ser seguido em outras universidades. A incapacidade dos professores e funcionários pararem o trabalho apareceu assim como um limite da luta, na medida que não conseguiu envolver e colocar na mesa o poder real dos trabalhadores.

A pauta de desinvestimento, embora não toque na transformação das relações de produção, possui um caráter anticapitalista no sentido de reduzir o controle dos gestores sobre onde o capital é investido. Trata-se em última análise da comunidade definir a finalidade da produção e possivelmente também sobre como é realizada a produção (condições ambientais e de trabalho).

Mas se existe uma característica emancipatória desse movimento de base estudantil, se trata do seu universalismo imanente, o qual uma das expressões é, nas palavras de Finkelstein, o “ato de genuína solidariedade com pessoas sem poder, despossuídas quase do outro lado do mundo”. Os estudantes assumiram riscos por pessoas que estão tão longe sem nenhum benefício próprio estar em jogo (o que os distingue da geração que lutou contra a guerra do Vietnã, que teriam o benefício de não ir pra guerra com o fim dela). Judeus, palestinos, pessoas de todas as cores, origens, religiões, se uniram por uma causa. Compartilharam espaço, refeições, luta, rituais, cuidando-se e protegendo-se; enfrentaram juntas a repressão, por uma causa que aparentemente não lhes dizia respeito diretamente. Apenas aparentemente. O salto para um movimento potencialmente revolucionário é dado na solidariedade ativa que reconhece no outro a si próprio. Esse salto é dado quando, e nas condições em que, o convívio com a diversidade e as diferenças produz o entendimento de que somos iguais.

O jornalista Jamil Chade conta que quando virou correspondente internacional tinha a expectativa de conhecer muita diversidade e coisas exóticas. Embora isso tenha feito parte, com o passar dos anos, conhecendo mais de 70 países e cobrindo guerras e catástrofes humanitárias, segundo ele: “na verdade eu descobri que somos muito iguais no fundo. A gente chora pelas mesmas coisas. A gente sonha com as mesmas coisas. E a gente quer uma coisa: dignidade” [11]. E como ele ressalta, o ponto central de todos é a busca por dignidade, e para buscá-la é preciso indignação.

O universalismo da busca por dignidade é o que fez os zapatistas ultrapassarem identidades e se tornarem um catalisador de movimentos anticapitalistas mundo afora [12]. Essa potência é ainda mais imanente a esse levante estudantil. Uma luta pela humanidade que foge a toda retórica, que está inscrita na própria prática. Uma luta solidária no sentido mais profundo e revolucionário que pode ter essa palavra.

P.S. O Evergreen College, em Olympia no estado de Washington, se tornou a primeira instituição de ensino superior dos EUA a se comprometer a desinvestir e não efetuar programas com Israel. Segundo um dos organizadores, o fato de Rachel Corrie estudar no Evergreen quando foi morta por um trator israelense na demolição de uma casa na Faixa de Gaza em 2003, e sua memória ser cultivada até hoje na Universidade, foi um fator para a conquista. Rachel era ativista do Movimento Internacional de Solidariedade à Palestina e morreu tentando parar o trator. Essa conquista dos estudantes 21 anos depois mostra que os mortos de ontem vivem nas lutas de hoje.

P.P.S. O maior sindicato de trabalhadores de acadêmicos dos EUA chamou uma votação a ser realizada de 13 a 15 de maio para decidir sobre entrada em greve da categoria, como resposta à repressão ao acampamento no campus de Los Angeles da Universidade da Califórnia (UCLA). Trata-se do sindicato dos estudantes de pós-graduação que trabalham nos campi da Universidade da Califórnia. A propósito, na UCLA os manifestantes pró-Palestina têm sido alvo de agressões física de apoiadores do sionismo desde outubro do ano passado, com conivência da administração. Na Universidade de Columbia os estudantes de pós-graduação que trabalham para a Universidade estão agindo por fora do sindicato, chamando “sickouts” (paralisação com pedidos de licença médica), e recusa de entregarem notas finais à administração. Também em Nova York, na universidade The New School, foi estabelecido no dia 8 de maio o primeiro acampamento de professores pelo desinvestimento em Israel. Enquanto isso os manifestantes em inúmeras universidades, além de suspensão, prisão e violência policial, estão enfrentando ameaças de todo tipo: a polícia de Nova York está divulgando os endereços dos presos e há campanhas para fotografar e filmar os estudantes em troca de dinheiro. No campus da UCLA estudantes e professores continuam a ser presos, com presença constante da tropa de choque no campus. O virtual genocídio em Gaza continua, agora em Rafah. Como um estudante de doutorado da Universidade de Chicago respondeu quando perguntado se temia sanção da Universidade: “Não ligo. Não importa. Há coisas que importam mais do que meu futuro acadêmico: certamente cada uma daquelas crianças que estão sendo assassinadas, mortas de fome, mutiladas…” [12].

Notas

[1] Law enforcement action at US universities ‘disproportionate’: UN https://www.youtube.com/watch?v=wq3VkFy9QOw

[2] Para ter uma ideia do cristianismo sionista nos EUA, veja o documentário Til Kingdom Come, da cineasta israelense Maya Zinshtein: https://www.youtube.com/watch?v=S3YSG8sgU4g

[3] Os estudantes da Universidade de Columbia montaram uma planilha com os investimentos da Universidade em empresas relacionadas às Forças de Ocupação de Israel a que tiveram acesso: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1MfzTwVeg-joMrDEU12wX3C78yser91N60kMj2-_16C8/edit#gid=0

[4] Veja o que Noam Chomsky expôs sobre essa tática: https://www.youtube.com/watch?v=OsEzZdR69vg

[5] How a Gaza protest at Indiana University became a battle for free speech https://www.aljazeera.com/news/2024/5/1/how-a-gaza-protest-at-indiana-university-became-a-battle-for-free-speech

[6] Penn’s Leadership Resigns Amid Controversies Over Antisemitism https://www.nytimes.com/2023/12/09/us/university-of-pennsylvania-president-resigns.html#:~:text=The%20president%20of%20the%20University,of%20Jews%20should%20be%20punished

[7] US legislator: Israel ‘asked me’ to introduce bill against groups boycotting it https://www.middleeastmonitor.com/20201118-us-legislator-israel-asked-me-to-introduce-bill-against-groups-boycotting-it/

[8] Majority in U.S. Now Disapprove of Israeli Action in Gaza https://news.gallup.com/poll/642695/majority-disapprove-israeli-action-gaza.aspx ; Biden cannot afford a boiling summer of protest https://edition.cnn.com/2024/05/02/politics/biden-campus-protest-politics-analysis/index.html

[9] Em: https://twitter.com/MayadeenEnglish/status/1785337208662102205

[10] A partir dos 23 min neste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=kVat3sfB3EU&t=1592s

[11] Ilustrativa a reposta do finado Subcomandante Marcos em 1994 quando perguntado sobre por que os zapatistas usam passamontanhas e se chamam ‘Marcos’: “Marcos é gay em São Francisco, negro na África do Sul, asiático na Europa, hispânico em San Isidro, anarquista na Espanha, palestino em Israel, indígena nas ruas de San Cristóbal (…)” https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_zapatista

[12] A entrevista inteira, enquanto ele formava uma barreira diante dos policiais, pode ser vista aqui: https://www.youtube.com/watch?v=EvcLyhR7ZkE

7 COMENTÁRIOS

  1. Algumas informações complementares:

    1) As formas de tentativa de supressão do movimento – pressão sobre os administradores das universidades, mudança de legislação, fomentar contraprotestos, exposição dos manifestantes, lobby e pressão para que não sejam empregados por ninguém etc. – são todas descritas pelo próprio governo de Israel como ações que tomariam, já em novembro de 2023, quando os protestos nas universidades contra o genocídio em Gaza incomodavam os sionistas. Um dos principais jornais de Israel expôs em detalhe (claro, sempre chamando manifestações contra a política de Israel como “antissemitism”o): https://www.ynetnews.com/article/rk5ppryht

    2) A pressão para não empregar e desempregar é particularmente clara na indústria cultural. Roger Waters perdeu seu contrato com a BMG alemã (na Alemanha a repressão aos críticos a Israel é mais severa do que nos EUA: https://jacobin.com.br/2024/04/alemanha-esta-resguardando-o-direito-de-israel-cometer-crimes-de-guerra/ ). Se existe um Macarthismo hoje em Hollywood, é contra os críticos de Israel: https://www.aljazeera.com/opinions/2023/12/7/hollywoods-israel-problem
    O rapper ganhador do Grammy, Macklemore, cobrou os artistas sobre o silêncio, na letra inspiradíssima da música chamada Hinds Hall, lançada em apoio ao movimento. Apenas no primeiro dia o vídeo da música teve cerca de 100 milhões de visualizações no Instagram e Twitter: https://www.youtube.com/watch?v=fgDQyFeBBIo

    3) Na Universidade de Princeton estudantes estão há oito dias em greve de fome pelo desinvestimento da Universidade em Israel. Um professor está há dois dias em greve de fome.

    4) Neonazistas e antissemitas declarados fazem parte dos grupos que têm agredido os manifestantes na UCLA. Bem, a história se repete, com a convergência ou aliança entre sionistas e nazistas: https://www.theguardian.com/us-news/article/2024/may/10/college-campus-protests-far-right

    5) Em abril, trabalhadores do Google nos EUA ocuparam dois escritórios da empresa, reivindicando o fim de um projeto do Google com o exército israelense. A campanha No Tech of Apartheid já ocorrida há bem mais tempo. Cerca de trinta trabalhadores foram demitidos, incluindo apenas simpatizantes, que não participaram da ocupação. https://www.youtube.com/watch?v=rz8Y2NSPpXo

    6) A Union Theological Seminary, que tem uma independência (inclusive de fundos) mas serve como faculdade de Teologia da Universidade de Columbia, decidiu desinvestir de Israel. Ela já não investe em empresas de armas. Essa faculdade foi um dos berços da teologia da libertação e tem um histórico progressista. A faculdade tem acolhido os estudantes que sofreram suspensão, assim como professores que continuam a dar aula para estudantes penalizados pela administração: https://religionnews.com/2024/05/09/union-theological-seminary-votes-to-divest-from-companies-profiting-from-gaza-war/

    7) Está ficando evidente que o motivo principal do banimento do Tik Tok dos EUA aprovado pelo Congresso e sancionado por Biden é em razão do conteúdo que chega aos jovens, o que ficou evidente para eles com o movimento estudantil nas universidades contra o massacre que Israel promove em Gaza. Vídeos das cenas do massacre são mais difundidas pelos algoritmos do Tik Tok do que pelos das empresas dos EUA.

  2. Alguém saberia dizer se as manifestações universitárias contra o maquinário dantesco, sionista e moedor de carne de palestinos abarcaram outras pautas, como a legalização de trabalhadores imigrantes clandestinos largados na sarjeta e na informalidade? Se sim ou se não, a envergadura das reivindicações de um determinado grupo contestatório demonstra qual é seu horizonte de transformação e mudança e até que ponto se pretende ir. Não se trata aqui de desprezar a dor, o sofrimento, a angústia, esse suplício interminável ao qual se encontra o povo palestino, mas sim de lembrar que prática transformadora não pode se apequenar em ter como referência a construção de um novo Estado-nacional, correndo o risco de lançar as bases para a reação do amanhã.

  3. esse relato é muito interessante porque parece apontar um esquema onde o gestor coletivo sionista tem voz de mando sobre o stableshment acadêmico identitário. O sionismo como identitarismo de primeiro escalão dá ordens aos gestores de segundo escalão, a seita decolonialista que comanda(va?) as principais universidades nos estados unidos, a reprimir os estudantes de origem médiooriental. O cancelamento é também mais refinado e institucional neste primeiro escalão, pelo visto.

  4. Lucas,

    O que eu tenho visto é professores de estudos de gênero e temas que se consideraria propensos à política identitária com frequência serem os que estão apoiando o movimento. O que ocorre é muito mais essa base de política identitária fomentada pelo Partido Democrata estar se voltando contra ele de certa forma (essa foi uma leitura inicial do Finkelstein, por exemplo).

    Sobre o que o Felipe aponta, uma das forças do movimento é ter uma pauta extremamente concreta e objetiva: o desinvestimento. Construção de Estado não é pauta.

  5. Matéria do Washington Post da edição mais recente (dia 16 de maio de 2024), mostra da forma mais direta e contundente como os estudantes estão confrontando e enfrentando, de fato, o sionismo e o grande capital.
    Jornalista teve acesso a mensagens de grupo de bilionários sionistas formado após 7 de outubro.
    Os bilionários sionistas se reuniram por Zoom com o prefeito de Nova York para ele colocar a polícia pra acabar com o acampamento antigenocídio e chegaram a dar dinheiro pro prefeito.
    A matéria expõe a articulação explícita desses grandes capitalistas para reprimir as manifestações antigenocídio palestino.
    https://www.washingtonpost.com/nation/2024/05/16/business-leaders-chat-group-eric-adams-columbia-protesters/

  6. A caça às bruxas segue mais forte que nunca nos EUA (e também em alguns países europeus como Alemanha e França).

    Na Universidade de Columbia o jardim em que o acampamento foi levantado foi cercado com grades. Estudantes são proibidos de se manifestar dentro da Universidade. Estudantes presos em manifestações contra o genocídio palestino nas ruas de Nova York sofrem suspensão da Universidade por isso. Imagino que nas demais universidades dos EUA a política de ditadura dos supremacistas judaicos* não deve ser muito diferente. Professores estão sendo demitidos.

    Recomendo que vejam o vídeo abaixo (é em inglês). Trata de uma professora de Columbia que corre o risco de ser demitida por simplesmente condenar as agressões de ex-militares israelenses, que são estudantes de Columbia, sobre estudantes que lutam pela justiça na Palestina. Mais que isso, o escritório de Direito que a defendia resolveu não a defender mais, sem motivo plausível, o que fez com que a experiente advogada (judia) do referido escritório resolvesse se demitir do escritório e continuar defendendo a professora. Essa história mostra como a pressão exercida por poderosos supremacistas judaicos coloca de joelhos os gestores acadêmicos e jurídicos nos EUA. Uma verdadeira sanha repressora nos EUA e no mundo, condizente com a sanha genocida na Palestina:

    “Campus Has Become Unrecognizable”: Columbia Prof. Franke Faces Firing After DN Interview on Gaza
    https://www.youtube.com/watch?v=_8FZXNbz_h4

    * uso “supremacistas judaicos” e não “sionistas” após ser convencido por uma fala de Norman Finkelstein (cuja tese de doutorado é sobre sionismo), de que não faz sentido dizer que um judeu é sionista se ele não de mudou para Israel e continua na diáspora. O que se trata, segundo Finkelstein, não é de sionistas, mas de “jewish supremacists”

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