Por Marcelo Tavares de Santana*
É sempre bom abrir o dicionário e rever as semânticas e significados das palavras para refletirmos se o quê vemos e ouvimos correspondem a nossa própria língua materna. Uma das palavras que têm chamado a atenção na tecnologia é copiloto, que vem da ideia de auxiliar numa casualidade, ajudar o piloto principal de modo supervisionado por ele, mas que no mundo dos dispositivos computacionais parece tender a sobrepor o principal (nós), onde agora grandes empresas discutem colocar no teclado físico dos microcomputadores um botão dedicado a acionar a função de “copilotagem”. Isso me faz lembrar quão poucas são as opções de equipamentos com teclados sem o ícone de janela mesmo após mais de 23 anos usando software livre e pesquisando equipamentos alternativos; fora do Brasil tem mais opções mas o câmbio é proibitivo. A oferta de computadores com Linux, incluindo grandes empresas, cresceu bastante no país mas o botão de janela está lá nos teclados, levando a críticas sobre uma possível prática de venda casada e como em alguns pontos a sociedade democrática de direito pode ser mais fraca que o acordo de algumas companhias no nosso dia a dia.
Estamos num momento em que um acordo entre empresas não vai mais só por um botão que podemos nunca teclar, pois nossos hábitos já são monitorados nas redes sociais, nos microcomputadores e smartphones, que já mandam dados de telemetria e até de hábitos se não desabilitarmos essas funções, que são muitas vezes ativas por padrão. Há benefícios e malefícios nessas tecnologias, nem sempre transparentes para o usuário; um exemplo, minha esposa perdeu o smartphone num shopping e usou o meu para achar, quando felizmente estava em posse de uma pessoa honesta que a encontrou e devolveu, portanto, pode ser muito bom quando a pessoa está habilitada e entende o quê significa deixar uma opção de telemetria ativada. Antes de continuar essa discussão vale a apresentação de algumas informações um pouquinho mais técnicas.
Recentemente fiz uma comparação de consumo de recursos computacionais entre Debian Linux 12.5 e Windows 11 Education, para um estudo de renovação de equipamentos de laboratórios de Informática. Na instalação do Debian Linux 12.5 foram utilizadas todas as configurações e instalações padrões, já com aplicativos de produtividade como suíte de escritório (documentos, planilhas, apresentação e desenho), tocador de áudio e vídeo, clientes de e-mail e jogos básicos. Na Figura 1 vemos alguns ícones de programas na parte inferior da tela e um monitor de recursos baseado em terminal onde podemos tirar algumas informações de uso de recursos computacionais. No caso memória principal/RAM (Mem), número de processos/programas em execução (Tasks), número de subprocessos/threads de usuário (thr) e threads de sistema operacional (kthr) e porcentagem de uso do processador que era um de dois núcleos a 3,4GHz, resultando em:
- 4,7% de uso de processador (média de 5,4% e 4,0%);
- 925MB de RAM;
- 103 processos com 308 threads no total.
Na instalação do sistema operacional (SO) Windows 11 Education foram desabilitados serviços, desinstalados programas, não foram colocados aplicativos de produtividade e foram mantidas ferramentas de sistema, calculadora e navegador Web de modo que ficaram somente cinco aplicativos instalados aparecendo nas configurações de sistemas, portanto, uma instalação para acesso a Web. O uso do processador ficou em 15% para um processador com dois núcleos a 2,39GHz; informações coletados do próprio aplicativo de monitoramento de sistema do SO.
Como as frequências nos dois testes são diferentes vamos normalizar o uso do segundo SO para 3,4Ghz pela seguinte fórmula, onde U é a porcentagem de uso e F é a frequência, sendo o Debian o SO número 1: U2 x F2 / F1 = U2 equivalente em F1. Portanto, o consumo equivalente é 10,54% num processador com dois núcleos a 3,4 GHz, e temos que o consumo de recursos no segundo caso foi:
- 10,54% de uso de processador;
- 1.800MB de RAM;
- 114 processos com 1217 threads no total.
Apesar dos números de processos ser muito parecido nos dois casos, percebemos que no segundo esses processos se dividem em quase quatro vezes o número threads no Debian. Não adianta perguntarem para mim porque um SO consome praticamente mais que o dobro de recursos computacionais que o outro, pois eu nunca consegui entender plenamente e talvez nunca saiba pois o código-fonte é proprietário e fechado; pode até ser incompetência minha. Já nos 23 anos usando o Debian sempre foi fácil identificar o quê o computador faz porque com software livres o código é aberto, transparente, então fica fácil para o programador que faz a ferramenta de monitoramento de sistemas apresentar as informações completas na interface da Figura 1, facilitando assim para qualquer usuário; e já não é um caso de incompetência da minha parte.
Espero que esse exemplo real tenha servido ao propósito de entendermos que os equipamentos podem e fazem mais do que enxergamos, ou precisamos, e assim passamos a comprar microcomputadores com processadores mais potentes, mais memória RAM e gastar um pouquinho mais de energia elétrica no segundo caso.
E para quem é esse gasto extra? Na matéria do mês anterior talvez tenhamos algumas respostas a essa pergunta, mas também temos que falar do Windows Recall, uma tecnologia que onde pretendem registrar tudo que o usuário faz analisando inclusive o quê ele vê na tela a todo momento, e que só vai ser possível para quem comprar equipamentos com processadores com recursos de Inteligência Artificial (IA), portanto, mais caros. A IA em processadores em si não é um problema, inclusive são eficazes em reconhecimento biométrico, o quê traz preocupação são os algoritmos que usam IA, o quê analisam, o quê registram, o quê enviam e até o quê não enviam mas tem utilidade nos aplicativos de terceiros que veem embutidos no sistema operacional. Já estamos numa guerra de algoritmos nas redes sociais, contra as milícias digitais e propagação de notícias falsas, e sem a devida transparência essa guerra pode passar literalmente a ter nossos equipamentos como origem, onde mais uma vez a legislação não está preparada para eventuais problemas que só descobriremos após os prejuízos serem aceitos; e já tá difícil muitos entenderem que remédio para vermes não serve para vírus e que a Terra não é plana.
As tecnologias de IA não precisam ser evitadas se podemos escolher como usar, assim como os especialistas em análise de dados, que escolhem as ferramentas e o conjunto de dados a serem analisados de forma consciente. Evidentemente, na correria do dia a dia vai ser mais fácil apertar uma tecla de “copilotagem” e passar parte da tarefa e ou decisão para a IA resolver como nossa copilota, uma auxiliar, mas e se usarmos muito essa nova tecla que querem colocar nas nossas vidas ao alcance dos dedos, quem vai ser o piloto e quem vai ser o copiloto? E se virarmos o copiloto, as escolhas continuarão nossas ou estaremos cooptando junto aos algoritmos que não conhecemos? Não é por pouco que o Windows Recall foi adiado mediante as críticas de segurança. Particularmente acho que se o algoritmo é transparente e temos consciência de cada momento que usamos a IA, continuamos sendo os pilotos mesmo utilizando muitas vezes. Atualmente uso IA para me auxiliar a criar aulas melhores naquilo que sou especialista, recebo um número significativo de respostas erradas e gosto de fazer correções que são enviadas para avaliadores humanos fazerem adequações na própria IA, para ela fornecer respostas melhores a outras pessoas.
Mais uma vez vou sugerir que continuem pesquisando sobre as novas tecnologias e equipamentos com IA. Se querem ou precisam pagar o preço disso? Se haverá a opção de comprar equipamentos sem IA? Certamente com software livre a transparência e o controle pela sociedade é maior sem precisarmos de longas discussões governamentais e ações jurídicas para um dia os produtos virem com mensagens inteligíveis sobre o quê as IAs fazem e como desabilitar, até porque não dá para deixar essas tecnologias ativas nos equipamentos onde gerenciamos nossas vidas financeiras.
Para finalizar uma pergunta: você vai ser piloto ou copiloto?
Boa pequisa (e decisão) a todos!
*Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo