História da oposição bancária

Por Bancário Anônimo

 

7. Tendências mais recentes nos processos de organização/desorganização da categoria

As iniciativas de oposição que viemos descrevendo se decompuseram lentamente, tanto no nível nacional (MNOB e FNOB) quanto no local (Avante e “oposição unificada”). Enquanto isso, novos processos vêm se desenrolando no dia a dia da categoria. Na década de 2010, o distanciamento entre os bancários e o movimento se aprofundou. E isso facilitou a adoção de práticas ainda mais degeneradas pela direção sindical burocrática, que foram se desenvolvendo ao longo do período estudado. Antes de concluir o percurso que viemos fazendo, é importante registrar essas mudanças, pois elas devem ser levadas em consideração por qualquer projeto de organização que se queira construir na categoria.

 

7.1. O “sindicalismo de encenação”: kinder ovo e queijo suíço

Ao longo da década de 1990 a mudança no sindicalismo da CUT da combatividade para o “sindicalismo cidadão” foi responsável por inúmeras derrotas e produziu um rebaixamento geral das práticas e métodos. A necessidade de apresentar o PT como alternativa de gestão do Estado confiável para o capital e ao mesmo tempo preservar perante os trabalhadores uma imagem de que ainda estava em defesa da classe, para fins meramente eleitorais, produziu uma espécie de “sindicalismo de encenação”. O sindicato precisa fazer de conta que faz alguma luta e traz alguma melhoria, mas não pode enfrentar de fato a patronal, porque esse é o acordo do PT com a burguesia, mas ao mesmo tempo, alguma melhoria cosmética que por ventura for possível tem que ser creditada ao PT para render dividendos eleitorais. E quando as melhorias não são possíveis, a culpa tem que ser jogada sobre os próprios trabalhadores, que não se mobilizaram e também não sabem votar corretamente. O SEEB-SP se tornou mestre nessa arte da encenação e produziu algumas formas ao mesmo tempo patéticas e detestáveis de peleguismo e cinismo.

Uma delas é a manifestação do tipo “kinder ovo”. Esse tipo de encenação foi adotado porque o sindicato se tornou completamente incapaz de organizar de fato os trabalhadores, ou não tem nenhum interesse real em fazer isso, de modo que temos cada vez menos ou quase nenhum tipo de enfrentamento de dentro para fora, a partir dos próprios locais de trabalho. Quando algum banco está atacando seus funcionários de alguma forma muito visível, que provoca muita repercussão, seja demitindo em massa, reestruturando, assediando, etc., o SEEB-SP sorteia aleatoriamente alguma agência desse banco, monta encenações na frente do local, coloca alguns diretores falando no microfone e funcionários pagos agitando faixas e cartazes, apenas “para inglês ver”, apenas para tirar a fotografia, publica na Folha Bancária e na imprensa e divulga que está fazendo a “luta”. A manifestação é uma surpresa para os trabalhadores do próprio local onde acontece, por isso ganhou o apelido de “kinder ovo”.

Não há nenhuma intenção real por parte da diretoria de enfrentar os bancos em nenhuma circunstância, nem nas campanhas salariais nem fora delas, apenas de criar a imagem para o restante dos bancários de que o sindicato está fazendo alguma coisa, para que o ataque em questão (demissão em massa, reestruturação, etc) não passe totalmente em branco. Assim, a diretoria pode construir a narrativa de que a luta foi feita, mas foi derrotada. E pior ainda, acusar os próprios bancários de não quererem se mobilizar. Esse tipo de manifestação foi o precursor das greves de fachada (ou de faixada), em que o sindicato coloca piqueteiros com faixas em alguns locais e divulga que está paralisado, sem que de fato o banco em questão esteja sendo enfrentado.

Outro tipo de encenação que se tornou comum é o piquete do tipo “queijo suíço”, ou seja, cheio de furos. Trata-se do modelo da greve de fachada aplicado aos grandes prédios e concentrações em que trabalha uma quantidade muito grande de bancários. Nesses locais, a diretoria do sindicato monta piquetes de fachada com uma lista de pessoas que podem entrar no prédio (!!!!!!!!!!!). Não só terceirizados, vigilantes, prestadores de serviços ou trabalhadores essenciais para a manutenção predial, mas bancários, assistentes, gerentes, supervisores, diretores, etc., informam o seu nome no piquete e se estiverem na lista podem passar e trabalhar normalmente.

O acordo da direção do sindicato com os bancos para que as greves sejam de fachada é tão escancarado que, quando os grupos da oposição comparecem e fazem um piquete de verdade (“trancaço”) para impedir completamente algum determinado prédio de funcionar, muitos dos gestores e bancários de altos cargos reclamam dizendo que “não foi esse o combinado”, “já estava acertado com o sindicato”, “cadê o fulano (diretor), ele sempre me deixa entrar”, “meu nome está na lista”, e “desse jeito o banco vai ter prejuízo” (!!!!!!!!!!!), etc.; entre outras pérolas que temos ocasião de ouvir.

História da oposição bancária

 

7.2. As pautas de campanha salarial definidas em pesquisa virtual

Para ter um controle ainda maior sobre a narrativa das campanhas salariais, a direção do sindicato implantou uma pesquisa via internet para supostamente ajudar a definir quais reivindicações deveriam ser priorizadas na pauta de negociação. Acontece que nessa pesquisa os bancários são obrigados a escolher entre opções pré-definidas, entre as quais não constam as verdadeiras reivindicações: reposição de perdas, isonomia entre funcionários novos, antigos e incorporados, fim das demissões, fim do assédio moral, etc. Além disso, ninguém tem acesso ao resultado real dessa pesquisa, os quais, coincidentemente, sempre apresentam como mais votados os pontos que a diretoria defende. Com isso, a direção do sindicato diz que os bancários querem “aumento real” como principal reivindicação e ao final de cada campanha salarial dizem que houve “vitória” porque a “luta” conquistou esse tal “aumento real” (e com isso as perdas salariais acumuladas são varridas para debaixo do tapete, os índices de inflação oficiais sobre os quais se calcula o aumento não são questionados, etc.).

Em longo prazo, além disso, a ideia de que as reivindicações da campanha podem ser definidas numa pesquisa de internet serve para consolidar o distanciamento dos bancários em relação à sua luta. Os meios virtuais substituem as reuniões presenciais, plenárias e assembleias. Não são mais os bancários de carne e osso, em debates preparatórios, reuniões nos locais de trabalho, reuniões de delegados sindicais, plenárias por região, por banco, assembleias, etc., que definem coletivamente os objetivos pelos quais estão dispostos a entrar em luta e medem (presencialmente, ou seja, fisicamente) a sua própria força para essa luta. Agora, é a diretoria do sindicato que decide qual é a pauta, divulga que ela foi legitimada por uma pesquisa (sobre cujo resultado real somente a própria diretoria tem acesso), realiza uma greve também virtual, de fachada, e por fim anuncia que a luta foi vitoriosa e obteve exatamente aquilo que a própria diretoria estava defendendo desde o começo.

Do começo ao fim, o bancário assiste a uma encenação, que fixa a concepção de que a campanha salarial é algo que a diretoria do sindicato faz em seu nome, e que acontece sem a sua participação. O sindicato se reduz a uma entidade prestadora de serviços, e o bancário se contenta em torcer para que um bom acordo seja alcançado. Não lhe passa pela cabeça que depende de si e de seus colegas de trabalho obter condições melhores ou um acordo melhor. Esse trabalho de deseducação e alienação dos bancários em relação à entidade que os representa é cuidadosamente construído e cultivado pela postura da diretoria.

 

7.3. O fim das assembleias como espaços supremos de deliberação e organização

A destruição dos espaços de deliberação de base da categoria pela diretoria do sindicato avançou mais um passo importante nos dias nacionais de luta de 15/03/2017, 28/04/2017, 19/02/2018, e 22/03/2019, nos quais nem sequer foi convocada assembleia para que os bancários pudessem decidir sobre a paralisação. Em relação ao 28/04/2017, o único desses dias com conteúdo real de greve geral (com toda uma série de contradições que não temos como discutir), houve uma assembleia em que foram eleitos delegados para um congresso da CUT, no qual a paralisação foi mencionada secundariamente, mas não votada ou discutida de fato, nem muito menos organizada. A “greve” nesses “dias de luta” foi decretada unilateralmente pela diretoria, divulgada para a imprensa (no melhor estilo “fake news”) e encenada (no melhor estilo kinder ovo) sem ter sido realmente organizada, sem que os bancários tenham sido consultados, sem que tivessem podido votar, se manifestar, se organizar, etc. Essas “greves” e “lutas” foram encenadas com piqueteiros pagos colocando faixas na frente de algumas agências, barrando a população em certo horário, com os bancários trabalhando normalmente.

Os bancários desses poucos locais escolhidos eram na maioria pegos de surpresa pela presença do sindicato, mas logo se lembravam da tradicional greve de fachada que se faz todo ano e entravam para trabalhar. Em alguns locais foram encenadas votações em urna (também com o controle da diretoria ou seus funcionários contratados sobre o resultado); em outros foram feitos atos na frente dos departamentos, com alguns diretores falando ao microfone e uma roda de pessoas ao redor, para depois ser dito que foram feitas “assembleias nos locais de trabalho”. Com isso a diretoria se exime da responsabilidade de organizar a assembleia geral da categoria ou assembleias por banco que sejam válidas para todos os locais de trabalho, em que se possa fazer debate, apresentar propostas, etc. E esse espetáculo patético foi apresentado na imprensa e nos veículos do sindicato como tendo sido greve!

O instrumento da assembleia, como órgão máximo da democracia dos trabalhadores, cuja decisão é soberana e válida para o conjunto da categoria, fica ainda mais descaracterizado. A diretoria avançou mais um degrau no esvaziamento do movimento, reforçou o seu controle burocrático sobre ele e reiterou a narrativa da “luta” como mera encenação. Aprofundou-se a ideia de que greve ou paralisação é aquilo que a diretoria do sindicato faz (piqueteiros pagos e faixas na frente das agências, bancários trabalhando normalmente e a imprensa falando em “greve”), uma encenação que dispensa qualquer participação real dos bancários e é feita à sua revelia. Exatamente o oposto do que uma greve deveria ser.

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7.4. A situação dos caixas e o esvaziamento da função dos delegados sindicais no BB

Uma medida do Banco do Brasil que teve grande impacto na organização das lutas da categoria foi a criação da PSO – Plataforma de Suporte Operacional, para onde os caixas foram migrados a partir de 2011. Os caixas do BB deixaram de estar vinculados às agências e passaram a responder a uma gerência centralizada, que administra caixas e gerentes de módulo (tesoureiros) em dezenas de agências de uma determinada região ou cidade (o formato ainda está se estendendo para todo o país). A princípio muitos caixas consideraram essa medida positiva, pois trouxe uma melhoria nas condições de trabalho, ao aumentar a autonomia dos caixas sobre o seu serviço no dia a dia, frente à gerência das agências. Entretanto, no longo prazo, essa medida enfraqueceu a organização dos bancários do BB, pois a grande maioria dos delegados sindicais eram justamente os caixas, um setor cuja esmagadora maioria sempre aderiu às greves.

Com a criação da PSO, os caixas deixam de estar vinculados funcionalmente às agências, podendo ser transferidos a qualquer momento para outra agência a critério dos seus superiores na gerência centralizada. Isso afeta também os vínculos sociais, de convivência, solidariedade, companheirismo, confiança, pois em muitas agências os caixas são vistos como se fossem de uma empresa separada, como se fossem terceirizados (de fato, com a separação, o setor está pronto para ser entregue a uma empresa terceirizada, o que pode ter sido a verdadeira intenção do banco desde o começo). Dessa forma, a capacidade dos caixas se envolverem nas questões dos locais de trabalho diminuiu, e o seu poder de representar legitimamente as agências foi esvaziado.

Na prática, por mais que formalmente os caixas ainda possam ser delegados sindicais (o sindicato e o banco reconhecem a sua eleição, apesar de várias dificuldades e restrições), eles não conseguem mais ser verdadeiros representantes do que se passa nas agências. São representantes apenas no papel, formalmente, mas não concretamente, organicamente, como participantes reais do dia a dia daquele local. Ao mesmo tempo, os caixas não conseguem eleger um representante para discutir as questões específicas do seu segmento, já que muitos dos caixas vinculados a uma mesma PSO nem sequer conhecem os caixas em outras agências ou postos, não têm a oportunidade de conversar entre si, etc.

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A publicação deste artigo foi dividida em 8 partes e um glossário, com publicação semanal:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5
Parte 6
Parte 7
Parte 8
Glossário

 

As artes que ilustram o texto são da autoria de Yiannis Moralis (1916-2009).

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