Por Liv
BREVE EXPLICAÇÃO: A obra e o texto que a acompanha são de alguns anos atrás. Não explicitarei quando. O texto foi escrito após uma derrota sofrida. Mais uma derrota sofrida. Tínhamos uma estrutura e queríamos que ela se tornasse maior do que o partido. Mais coerente do que o partido. Mais popular do que o partido. E assim estava crescendo. Até o dia em que os velhos camaradas do partido intercederam. Ali no fim avaliavámos, lamentávamos… melancólicos… Mas não por isso deixamos de seguir em frente.
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A melancolia é uma baleia da cor branca, é ausência, é o entreatos necessário do espetáculo do absurdo:
Entre as diversas lições que aprendi ao atravessar a derrota mais recente (já foram muitas, sei que virão outras tantas) é que precisamos estar muito atentos à coerência das nossas ações. Para um humanista a miséria é percebida como uma incoerência e os explorados com seus cães como perversos insinceros. E por isso nosso dispêndio de força precisa ser tão sincero. E o indício dessa sinceridade, talvez até sua régua, está no vínculo de coerência entre aquilo que pensamos e a forma com que agimos em todas as dimensões da vida. Não pode haver sequer uma dimensão da nossa vida em que seja aceitável abrir mão desse vínculo de coerência. É justamente esse vínculo de coerência que irá nos manter na rota que nos levará à próxima batalha e que impedirá nosso esmorecimento.
As derrotas que sofremos agora me parecem até que foram inevitáveis. Me parece que fazem parte de um contexto de aprendizagem, de crescimento inclusive da nossa ética militante. Nos ajudam a construir parâmetros mínimos, morais!, para nossa conduta individual. Para a sofisticação de nossas escolhas e das nossas ações a fim de tornar a nós militantes mais úteis para luta por um porvir disruptivo.
Derrotas assim surgem em minha mente como sinais de um processo árduo e necessário que aponta para um futuro justo, fraterno, humano… Mesmo na derrota nossa movimentação, nosso tempo e nosso suor airam, irrigam e nutrem a terra de um campo tão explorado, tão exaurido, e por isso às vezes tão inóspito em sua aparência.
Para haver futuro, é preciso haver pessoas que germinem o presente.
Será das cicatrizes, das amputações de potências, do sangue que circula pelo solo maltratado pela desumanidade do capital que surgirão as raízes profundas do porvir. Todo sangue que esvair nessa terra em guerra não será senão a matéria fértil necessária para fazer brotar a força que liquidará de vez a opressão. Talvez nenhum de nós aqui viva o futuro, mas o futuro certamente viverá tudo aquilo que de nossa vitalidade germinar.
-> “E por isso nosso dispêndio de força precisa ser tão sincero. E o indício dessa sinceridade, talvez até sua régua, está no vínculo de coerência entre aquilo que pensamos e a forma com que agimos em todas as dimensões da vida. Não pode haver sequer uma dimensão da nossa vida em que seja aceitável abrir mão desse vínculo de coerência.”
Tenho um amigo que está absolutamente convencido de seu acerto quanto ao voto em Lula nas eleições de 2022. Ele tem uma longa trajetória de militância política.
Como adolescente secundarista participou da Passeata dos 100 mil, em 1968. Durante os anos de chumbo caiu na clandestinidade, vivendo sob outra identidade, mas nunca deixou de atuar no interior das fábricas. Com a retomada do movimento de massas contribuiu na organização da histórica greve de sua categoria, em 1979. Esteve presente na criação do PT e da CUT. Foi presidente de sindicato e encabeçou a direção regional da CUT.
Aos poucos se incompatibilizou com os rumos do PT. Rompeu de vez com o partido logo no início do primeiro mandato de Lula.
Para justificar seu voto em Lula, em 2022, sempre afirma com veemência: “Se Bolsonaro fosse reeleito, nós [a Esquerda] seríamos caçados no meio sa rua!”.
E nunca deixo de contrapor: “Se a geração das lutas pela democratização acabou no impasse entre este governo Lula e ser caçada no meio da rua, talvez nosso maior legado seja mesmo ser caçados no meio da rua”.
Quem sabe assim, frente ao sinistro exemplo, as gerações futuras não cometam os mesmos erros…
Onde erramos? Teria sido possível vencer? Ou a História tem um componente trágico, do qual é impossível escapar?
《Poucos sabem hoje, ou desejam recordar, mas nós estivemos à beira de vencer.
Nós, os que restamos, somos picos que quem navega nestas águas julga serem ilhéus perdidos, mas que formam os cimos de montanhas submersas, uma Atlântida que deixou palimpsestos cujas camadas inferiores só raros hoje conseguem decifrar, porque quem as escreveu se esqueceu da linguagem então usada.
Fomos vencidos. 》
Quando o machado entrou na floresta, as árvores disseram: o cabo é dos nossos. Provérbio turco
Uma atualização militante do provérbio garante que “o cabo é de esquerda”…