Por Davi
Dados os acontecimentos do sábado dia 1 de fevereiro em Recife, Pernambuco, senti que alguma reflexão deveria ser feita e publicada. Lembrei de várias discussões que ocorreram no Passa Palavra e sobre o quão acertada é a visão que João Bernardo propõe das torcidas organizadas enquanto milícias fascistas sem ideologia fascista.
Num resumo dos acontecimentos, algumas torcidas organizadas dos clubes Sport Recife e Santa Cruz se enfrentaram nas ruas de Recife antes da disputa do clássico entre dois clubes. Os grupos de torcedores iniciaram o confronto usando muitas granadas de estilhaço e fogos de artifícios, acabando com dezenas de feridos, hospitalizações e casos de tortura sexual em público e à luz do dia. Pessoas sozinhas foram perseguidas por bandos com armas brancas, encurraladas e espancadas sem conseguir fugir. O presidente de uma das torcidas foi capturado isolado e, depois de espancado e de ficar desacordado, foi despido e estuprado com uma barra de ferro. São cenas que parecem ter sido inspiradas por um grupo como o Estado Islâmico.
Não há como esquecer também o recente caso envolvendo membros da Mancha Verde, torcida organizada do clube Palmeiras. No dia 27 de outubro de 2024, numa ação de milícia, eles interceptaram em São Paulo um ônibus que levava integrantes da Máfia Azul, torcida organizada do Cruzeiro, espancando todos os presentes e ateando fogo no veículo com pessoas dentro. O resultado: 17 feridos, sete destes com traumatismo craniano, um baleado e um homem morreu carbonizado vivo dentro do ônibus. Mais uma vez, a lembrança que vem é de uma produção do Estado Islâmico.
Mas acontece que não são o Estado Islâmico, essas ações partiram de elementos bem localizados na sociedade brasileira. Foi daí que me veio a lembrança de passagens do ensaio de João Bernardo “Três percursos no labirinto”. Creio que algumas delas nunca foram discutidas como deveriam, com alguns leitores confortavelmente ignorando seu sentido.
Citando trechos do artigo inicialmente mencionado:
“Naquela tese [de doutorado], após a análise do Rock in Rio apresentada por Marcelo Coelho, dediquei três páginas e meia ao futebol, e concluí dizendo: «Na sua violência desprovida de qualquer outro objectivo ou pretexto, no seu racismo resumido a uma manifestação elementar de ódio, no seu nacionalismo sustentado por uma economia transnacional, em tudo isto o futebol é uma expressão cabal das ambiguidades contemporâneas. É um campo fértil do fascismo sem nome e um dos lugares predilectos onde recomeça a nomear-se». Estas foram as últimas palavras da tese e com elas encerrei a secção dedicada ao estudo do fascismo pós-fascista.
[…] Se os actuais shows de rock, na sua encenação da autoridade, são o fascismo sem a ideologia fascista, por seu lado as claques, na sua encenação da violência, são milícias fascistas sem ideologia fascista.
[…] A «hebdomadária violência» das claques, escrevi na tese de doutoramento, «reduz-se frequentemente a uma acção e a uma sensação — sem ideologia. E não se define assim mesmo a fruição estética?». As claques são milícias de um fascismo sem ideologia, e uma vez mais constatamos que o fascismo se assume fundamentalmente no plano estético.
E os aficionados que, sem pertencerem a nenhuma claque, assistem aos jogos de futebol na televisão e gritam quando há golos ou insultam o árbitro (juiz)? Sempre me lembrei daqueles pacatos cidadãos que, à janela de casa, viam desfilar as milícias ou sabiam que um pouco mais longe havia uma prisão com presos políticos ou um campo de concentração. Ou daqueles que, quando íamos levados num carro prisional, viravam a cara para não nos verem. Teriam medo ou sentir-se-iam seguros? Talvez ambas as coisas ao mesmo tempo.”
Após esses eventos de sábado em Recife, os tais “torcedores pacatos” gritavam gol e comemoravam normalmente a vitória do seu time, como se nada tivesse acontecido – ou pior, com alguns deles felizes pelo ocorrido. A reação dos clubes após os incidentes, os quais causaram uma ordem de proibição de torcidas por cinco jogos, enfatizou mais as perdas econômicas derivadas da proibição do que qualquer reflexão acerca da barbárie.
O futebol hoje estimula a fanatização, o ódio ao diferente, a superficialidade, a idolatria sem sentido de jogadores e clubes (também um reforço da figura de autoridade). As torcidas organizadas e sua violência partem desses princípios básicos, que a maioria dos aficionados compartilha de forma ‘light’ e que acabam se tornando uma maneira para essas pessoas se verem e se colocarem no mundo (por ser um fenômeno estético). Nesse sentido, as torcidas de futebol convergem com o espírito do tempo: as identidades e a competição entre identidades. Por esse grande apelo às paixões, muitos da esquerda também são “fanáticos” e não conseguem problematizar estas questões. Pelo contrário, romantizam o esporte dado sua “identidade proletária”. Há até alguns que se autodenominam “antifa hooligans” tentando “disputar” as torcidas organizadas com uma simbologia de esquerda, procurando “nazistas” (alvos legítimos) para poderem expressar violência em bandos, quase sempre gravando vídeos para se vangloriarem em suas redes.
Outro ocorrido que relaciona esses fenômenos e os ilustra é a recente campanha feita por brasileiros pelas premiações do filme recém lançado “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Moreira Salles. Sob o apelo do “orgulho nacional”, bandos de “fãs” estão invadindo as redes de filmes concorrentes para depreciar e difamar atores, como no caso do filme Emília Perez. Não bastasse o alto engajamento na superficialidade desses concursos de filmes, também o ódio gratuito é promovido em nome da “vitória da nação”, num clima análogo ao das torcidas organizadas. Isso mostra como a falta de senso crítico sobre a arte e a estética causa danos e diluiu qualquer sentido relevante que um filme como “Ainda Estou Aqui” poderia despertar.
Diante desse cenário, é difícil entender que alguém fique confuso com a atual ascensão do fascismo clássico. Citando outro texto: “Parece tão fácil chegar ao fascismo, que em vez de explicar o fascismo talvez o que devesse ser explicado fosse o não-fascismo”. Até quando ignoraremos todas essas questões sobre o fascismo nosso de cada dia?
“Fascismo não se discute, se combate”. E temos um dos prováveis custos disso, proliferação de fascismos sem qualquer identificação política, programática, histórica com os fascismos clássicos.
A gente se esforça pra se convencer de que não tem tempo pra pessimismo, geralmente funciona (falando por mim, 99% das vezes), mas um quadro como esse é desesperador em um cenário já bastante desesperador. E não tem isso de “não alimentar o monstro”, o monstro é como escorpião, consegue viver sem comer por longos períodos, e prolifera no escombro, na bagunça. Daí a importância do que o Davi traz em relação às torcidas antifascistas, que tem a ver também com a gozação que a extrema-direita gosta de fazer quando fala do nosso “ódio do bem”.
Entre conversar com os fascistas e formar milícias para espancá-los, tem qualquer coisa que se possa fazer que não seja viver e promover uma vida não-fascista?
“Como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (sobretudo quando) se acredita ser um militante revolucionário? Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento?”, pergunta o Foucault no prefácio a O Anti-Édipo de Deleuze e Guattari (http://michel-foucault.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/vidanaofascista.pdf). Depois, à moda coach, elenca sete princípios, todos difíceis, muito mais difíceis que fazer jejum e mudar o mindset.
Pode ser importante a gente produzir outras respostas ou traduzir aquelas ou uma parte delas em atitudes que possam nos livrar tanto da normalização do fascista entre nós quanto do ódio (e do gozo) fascista que semeia o que se combate.
O autor demonstra um desconhecimento intelectual da atuação das torcidas organizadas, que acaba surtindo em ataques banais, desprovidos do mínimo que preze da argumentação. As torcidas nada mais são que o reflexo de uma sociedade omissa e violenta, somado a irresponsabilidade e a criminalização do poder público. Nesse sentido, o texto do autor se soma a de vários outros delegados, promotores de justiça, magistrados e políticos, que utilizam das instituições das torcidas como ponte para incidir nos ataques da população pobre e periférica. Como se não bastasse, ainda compara os conflitos das torcidas rivais com as ações do estado islâmico…. esse comentário beira o ridículo! Ainda, o autor não se deu ao trabalho de compreender os incontáveis erros ocorridos das autoridades policiais durante o fatídico dia, a partir de ofícios e documentos oficiais, amplamente divulgados nos perfis das duas torcidas envolvidas (Jovem do Sport e Explosão/Inferno Coral), que se assemelha muito mais a um confronto orquestrado do que um confronto promovido pelos “torcedores pacatos”.
Acredito ser extremamente importante analisar o impacto das torcidas organizada e sua atuação, mas análises como essas, apenas auxiliam na criminalização e retroagem nossa didática a realidade do povo. Se mesmo assim, insistem nessa dogmática de “milícia fascista sem ideologia fascista”, desejo boa sorte na realização dos trabalhos de base, caso militarem. Irão precisar.
O comentário de Gabriel ilustra bem a esquerda que me referi no texto. Eu acho engraçado que essa gente que supostamente acredita na autogestão da sociedade pelos trabalhadores e no fim da polícia, é a mesma que em casos de brigas de rua entre torcidas diz que a culpa foi da polícia não ter sido mais “inteligente” e “firme” antes dos confrontos…
Aliás, essa semana saíram mais detalhes sobre como foi orquestrada a ação de milícia da Mancha Verde que carbonizou um cruzeirense vivo:
https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2025/02/11/mancha-planejou-emboscada-a-mafia-azul-com-mais-de-100-homens-e-pesquisa.htm
Davi, mais uma vez, em sua oportunidade, você reafirma seu desconhecimento sobre as torcidas organizadas no Brasil. Infelizmente, as relações sociais, não são baseadas na ética e na devida moralidade. A violência, o menosprezo e a imposição sobre o outro, surtem como uma consequência, baseada na sobrevivência diante a exploração do modus operandi capitalista. Os conflitos amplamente divulgados das torcidas organizadas são reflexo disso, porque nascem da reação natural das pessoas. Sem as torcidas organizadas, a violência poderia ser manifestada por qualquer torcedor “comum”, e sem o futebol, ela iria se manifestar de outra forma, em outro espaço. Nesse sentido, esse texto só tem a finalidade de enaltecer a criminalização que sabemos bem quem são as pessoas mais atingidas, e que a pauta principal, a violência, não vai cessar.
Mesmo assim, organizações como a ANATORG (Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil), formada predominantemente por ex-diretores das maiores torcidas do país, fazem o papel de conciliador destes conflitos, que além de alertar possíveis confrontos (vide brasil x argentina 2023 no maracanã), planejam parte da logística das torcidas, buscando reduzir conflitos e ocupando a ineficácia do poder público.
Em relação ao citado Mancha Verde x Máfia Azul, é um caso totalmente atípico, por além de se tratar de um conflito interestadual que pendura por quase 40 anos, sustenta uma violência orquestrada descomunal. É covarde generalizar esta conduta amplamente planejada como se fosse algo extremamente favorável, tanto entre componentes de torcidas, que são milhares espalhados pelo Brasil, quanto por diretores.
Fico imaginado uma revolução seguindo a linha do Davi:
Código penal, parte antifascista, parágrafo um, inciso 1° torcer por futebol ou outros esportes estará terminantemente proibido, pois vc pode ser passivamente fascista se só for ao estádio ou pela TV (multa e detenção de 3 a 6 meses) ou ativamente, apesar de sem cérebro, se participar de uma organizada (gulag canavieiro por 5 anos e sem payper view).
Esses caras miram em JB e caem no colo do foucaultianismo barato.
Quando ele falou de estado islâmico, foi de zero a 100 em um instante.
Independente do autor conhecer ou não a atuação das torcidas organizadas no Brasil, todo ano é a mesma história, torcidas organizadas brigam entre si e causam a morte e ferimentos de seus membros e de outros torcedores que são pegos no meio da confusão. Todo ano aparece um “caso atípico”, onde algum torcedor é morto no estádio, ou nas redondezas ou em algum lugar aleatório apenas por estar com a blusa de seu time.
Não entendi o apontamento do Gabriel, a violência realmente pode ser manifestada pelo torcedor “comum” ou em outras instâncias da vida, mas não seria o trabalho de militantes condenar a violência alheia e tentar redirecionar essa violência para os verdadeiros inimigos, que seria o estado, seus representantes e a classe detentora do capital?
O futebol é um dos poucos momentos de lazer para muitos pessoas e as torcidas organizadas tem feito um papel muito bom em afastar muitas pessoas dos estádios por medo da violência presente neles, com algumas torcidas até mesmo tendo códigos de conduta de como se comportar dentro do estádio, como se vestir, etc.
O texto realmente não se propõe a cessar a violência nem a discutir profundamente a questão, mas traz um importante alerta diante do ocorrido, a barbárie que aconteceu no Recife não algo que pode ser normalizado, um homem foi despido em via pública e estuprado com uma barra de ferro, pessoas pobres ferindo pessoas pobres, traumatizando uma as outras simplesmente por serem torcedores de times rivais. Não adianta esperar algo do poder público pois sabemos a quem ele realmente quer servir, basta nos mesmos criticarmos essa práticas e condena-las.
Fico feliz que pessoas como Gabriel e Marcelo, alguns dos “torcedores pacatos” que João Bernardo menciona, tenham se sentido atingidos pelo meu artigo, pois foi justamente esse o propósito.
Quanto mais Gabriel faz a sua defesa das torcidas, mais explícitos ficam os pontos que levantei. Para ele, os eventos mencionados são “casos isolados” que não podem comprometer “toda uma instituição” — qualquer semelhança com as defesas da Polícia Militar não são mera coincidência. Ele vai além, dizendo que na verdade a violência entre torcidas são “reações naturais” e que até os torcedores pacatos poderiam manifestá-la se não houvessem as torcidas organizadas — reforçando o que eu mesmo levantei sobre os tais torcedores pacatos.
Entre virar a cara para o que acontece, aceitando que é “natural”, e denunciar o estúpido fanatismo fascista, eu fico com Bertolt Brecht:
“Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural.
Pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural.
Nada deve parecer impossível de mudar.”
Como uma pessoa que frequenta estádio desde cedo, posso afirmar que a violência é uma componente das torcidas organizadas. Faz parte do seu existir. Umas mais, outras menos, mas está ali. No entanto, concluir daí que tal violência é uma violência de tipo fascista vai uma grande distância. Um dos problemas das análises sobre o fascismo é que se pega algumas de suas característas (neste caso, o da violência), se faz uma comparação com movimentos contemporâneos (neste caso, as torcidas organizadas), se encontra similitudes e então se conclue que são o mesmo fenômeno. Me parece que o autor deste texto fez isso também. A violência grupal é um dos componentes do fascismo, as torcidas organizadas possuem a violência grupal como sua parte integrante, então logo as torcidas organizadas são fascistas [sem ideologia fascista]. Não se trata aqui de defender essa violência, que é altamente condenável e que por vezes descamba para atos de barbárie indescritíveis, como o ocorrido em Recife, e sim de dar ao fenômeno o tratamento correto.
Como pessoa que na tenra infância foi vítima da violência completamente irracional das torcidas organizadas, posso afirmar que os comentários estão passando por alto que o objeto de análise original do João Bernardo era um fenêmeno ainda mais insuspeito, os fãs das bandas de rock pesado. E se é certo que no âmbito “underground” sempre houve violência direta entre gangues de diferentes tribos urbanas, o que estava sendo analizado era, antes que isso, o amor ao ritual, à homogenização da massa perante a referência de autoridade, a violência como estética e não necessariamente como ato. Tendo sido também um adolescente seduzido por essa estética, sei que no caso do “heavy metal” essa violência estética é muito mais inocente, na maioria dos casos, do que o clamor por violência que se vê de maneira contumaz nos cantos de praticamente todas as torcidas organizadas. Os casos comentados no texto e nos comentários mostram o quão frequente esse clamor passa ao ato.
Mas se a proposta deste blog é fomentar o debate, sem dúvida haverão debates que se repetirão muitas e muitas vezes, e não podemos fugir à dificultade de avançar em certas discussões no âmbito da extrema-esquerda.
Então vamos dar seguimento ao argumento do Paulo Henrique. A violência não é suficiente para caracterizar o fascismo. Pois bem, como entender então não a violência abstrata das torcidas organizadas, mas a sua configuração enquanto uma violência coletiva sob o signo de uma identidade faccional, que por décadas ocasiona linchamentos, ameaças públicas, mortes, imposição de código de vestimento e conduta aos frequentadores dos estádios, participação em pequenos e médios crimes, serviços de choque para dirigentes de clubes e partidos políticos? Que fenômenos históricos recentes podem ajudar a entender esse tipo de expressão humana?
Não por algum tipo de nostalgia barata, mas não consigo relacionar isso com a forma como se frequentava os estádios de futebol na primeira metade do século XX. Não parece ser algo inerente ao esporte, muito menos “à sociedade”.
Muito bom texto Davi , os argumentos contras só ajudaram em seus apontamentos. A romantização de uma cultura que pode ter elementos populares está bem longe do que é esse futebol atual representa.
Rubens, mas essa violência desencadeada deve ser reiteradamente repudiada. Neste ponto, não entro em divergência alguma. Inclusive, os próprios diretores e fomentadores do movimento de torcidas organizadas condenam essa ampliação da violência. Basta acompanhar as ações das torcidas. Sugiro acompanhar as ações da ANATORG, que tem um grande impacto e respaldo pelos componentes. O que não devemos realizar, e eu não admito, é o que o autor faz, em se sujeitar a essa criminalização barata, sem nem ao menos conhecer as torcidas organizadas e sem se propor em um debate humanizado. Relembro a comparação pífia com o estado islâmico realizada por ele. Basta exprimir violência que é um “fascismo sem ideologia”, mas o engraçado é que está tudo ótimo na proposta de reação destes senhores, se apoiando no punitivismo estatal, que sabemos bem quem sempre se ferra nessa história. É muito claro entender que essa violência não é esse produto barato, e suas raízes são muito mais profundas que o texto se propõe. Outra questão, é que acredito sim na potencialidade de indicar essa violência aos verdadeiros inimigos, que sabemos bem quem são. Na verdade, penso que isso deve ser prioridade. Nos últimos anos, tivemos bons exemplos dessa eficácia: em 2013 nos acordos de paz entre algumas torcidas em alguns estados para comporem o 20 de junho; o apoio logístico da gaviões do Corinthians na destinação de doações às ocupações de escolas de São Paulo; nas ações comunitárias realizadas anualmente; ou até mesmo no movimento “fura bloqueio” em 2022, iniciado pela Galoucura, que mesmo não tendo em considerável parte uma motivação política, demonstrou a força e a intimidação das torcidas organizadas, se caso forem guiadas por um objetivo comum. Sendo assim, é sem nexo as pessoas desta página tratarem como “romantização” enquanto tem muita, mas muita gente trabalhando para evitar essas tragédias. Por isso, afirmo que conhecer minimamente a atuação das torcidas organizadas é o primordial pra esclarecer as reais motivações desses casos.
A brutalidade e a prepotência das torcidas (claques), que o autor do artigo estigmatizou muito oportunamente, não se restringe ao Brasil, e é no âmbito mundial que devem ser estudadas e podem ser entendidas. Esse comportamento violento ocorre em todos os países onde os grandes times (clubes) de futebol surgem como uma alternativa aos partidos políticos nos entusiasmos que despertam, nas fidelidades que angariam e nas divisões sociais que promovem. As torcidas são as versões musculadas dos clubes multimilionários, e assim como estes clubes exercem as funções de partidos políticos sem ideologia política, também as torcidas são milícias fascistas sem ideologia fascista.
Gostaria mais de compartilhar inquietações do que fazer analises profundas. Como participante de espaços de T.O do Corinthians – comumente reconhecidas levianamente como torcidas mais à esquerda – e frequentador de estádios desde de criança reconheço a força e sinceridade tanto dos argumentos mais críticos as TO e eventualmente “criminalizandores ” como do autor do texto como também reconheço a ausência de um entendimento mais profundo sobre o fenômeno estudado como apontou Gabriel nos comentários.
Evidentemente mesmo entre os coletivos e torcidas antifascista falta uma participação mais engajada e desavergonhada da pauta, tanto pela dificuldade de atuação como pela confusão que a mistura de identidade de torcedor, identidade de militante, as praticas de organização popular existente nas grandes torcidas e o fascismo mais tacanho que se apresenta nos cantos homofobicos, nas agressoes desmedidas e nas imposições que elas trazem e se orgulham causam.
Sinceramente após alguns anos no meio e com a crescente desestruturação dos códigos de condutas dos torcedores de T.O. – onde a violência era ou deveria ser segmentada à aqueles participantes de outras T.O . – e consequente aumento da já grande violência tenho tido dificuldades de defender tais organizações a partir do ponto de vista anticapitalista, antifascista e libertário. Já não me divirto tanto indo assistir clássicos como Corinthians e São Paulo pela questão dos cantos homofobicos.
Por outro lado é evidente que em vários aspectos a única experiencia de solidariedade, organização, autodisciplina e gestão da vida que trabalhadores tem nas periferias é nas torcidas organizadas ainda que elas sejam em sua maioria órgãos dotados de uma forte verticalidade.
Igualmente cabe a critica às torcidas antifas e coletivos antifas – que compõe torcidas maiores e ficam na corda bamba entre a aceitação e serem alvos de violência – muitas vezes se ocupam ou efetivamente somente alcançam pautas eleitorais. Quando não são instrumentalizados nas disputas entre a torcida e algum setor partidário à direita alocado no Estado.
Todavia o trabalho de formação politica, de organização popular e as praticas de solidariedade ainda apresentam alguma luz no fim do túnel .Somada as expressões de ação individual de jovens periféricos – que por vezes somente se organizam para torcer – me parecem apresentar um bom motivo para se não disputar as grandes torcidas, forçar a presença das pautas anticapitalistas e do antifascismo nos estádios.
Creio que hoje é importante politizar o antifascismo, formando e integrando estes torcedores a outros espaços de militância. Tarefa árdua e por vezes meio desértica .
Gostaria ainda de colocar a necessidade material que muitas vezes as T.O. cumprem em proteger o torcedor em seus deslocamentos pelo país e também frente a policia que de fato criminaliza, humilha, violenta, rouba os torcedores – em geral pretos pobres e periféricos. Como Gabriel disse precisamos estar atentos ao papel politico mais amplo que o discurso anti-torcida cumpre. Sabemos bem e testemunhamos sempre as omissões propositadas dos poderes públicos e as carreiras politicas meteóricas advindas deste discurso.
Davi, temos boas novas, camaradas, a profecia que fiz sobre a legislação davidiana se concretizará mais cedo do que pensávamos:
https://jovempan.com.br/noticias/mundo/governo-milei-propoe-criminalizar-torcidas-organizadas-de-futebol.html
Será esse tipo de anarquismo que vcs querem?
Obrigado, Dr Fernando Capez.
Agora é com você do estúdio, Datena.