Por Charles Júnior

(ou o motor da guerra – T03 Ano 01) [1]

“Descansar não adianta,

quando a gente se levanta,

quanta coisa aconteceu…

É preciso dar um jeito meu amigo…” [2]

Como dissemos no último texto [3], é preciso dar um jeito nessa guerra… nessa guerra pelo aumento da taxa de lucros of the President Trump’ boos! Muito porque, a coisa não está nada boa ao norte do Golfo do México.

Manda quem pode, obedece quem tem juízo!

Coisa simples, mas muito trabalhosa para os senhores da destruição e da reconstrução da civilização capitalista.

Para começar, bora relembrar a treta na região do Donbass. Lá onde a mesma Rússia e seus “amigos” vem se opondo ao estado ucraniano.

Há quase 10 anos, imediatamente após Putin avançar sobre o Donbass, nosso incomodado vizinho da Vila Belmiro nos dizia:

“O leste europeu é peça importantíssima para os desdobramentos da realpolitik dos EUA e Rússia na Europa, nos próximos dez anos. Qualquer notícia de movimentação naquele tabuleiro deve ser observada com atenção”. [4]

Numa série de textos pós queda do presidente Ucrâniano pró-Rússia Viktor Yanukovich, nosso camarada José Martins, redator da Crítica da Economia [5], expôs os meandros da guerra que se avizinhava no Donbass. Vale a pesquisa e vale muito mais uma atenta leitura dos textos.

Mas bora lá tentar representar. Chama!

Mapa atual da guerra da Ucrânia [6]

Há 3 anos, em fevereiro de 2022, tropas russas novamente invadem a região do Donbass [7], na Ucrânia. Sete meses após o evento os russos anunciaram a anexação dos territórios de Donetsk, de Lugansk, de Kherson e de Zaporíjia. Antes disso, em 2014, após o conflito no Donbass, tinha sido a vez da Criméia, mais ao sul. No mapa acima, vemos que garantiram acesso ao mar de AZOV e, principalmente, ao porto de Sebastopol, que é a base histórica da Frota Russa do Mar Negro.

As versões

  • Putin alega que a ocupação se reiniciou por ameaças de entrada da Ucrânia na OTAN e consequente instalação de bases militares muito próximas à Rússia. Atualmente, segundo Putin, já houve a implantação de “missões” (outro nome para bases da OTAN) em território ucraniano para dar suporte e treinamento da OTAN na região. Também pelos ataques a opositores do governo ucraniano e as barbaridades feitas nos territórios agora ocupados. [8]
  • A OTAN e Zelenski veem a guerra como uma tentativa da Rússia de reestabelecer a zona de influência da antiga URSS.
  • Já nossos camaradas, mais detalhistas e atentos à economia, nos expõem que a região do Donbass é simplesmente a maior área produtora de ferro e aço da Ucrânia, é um dos maiores complexos metalúrgicos e industriais pesados ​​do mundo e detém importantes minas de carvão.

Mas em nossa análise vamos em outro sentido. As coisas nos parecem muito piores do que os meros detalhes ideológicos, ameaças entre amigos e/ou anexação de uma região industrial que faz pouca diferença na totalidade russa.

Nosso fio condutor começa pela fala do ex-secretário do EUA Antony Blinken nos mostrando a importância da guerra:

“Se você olhar para os investimentos que fizemos na defesa da Ucrânia (…) 90% da assistência de segurança que fornecemos foi, na verdade, gasta aqui nos Estados Unidos com a nossa manufatura, com a nossa produção (…) [Esse investimento] produziu mais empregos nos EUA” e “mais crescimento” na economia do país. “Portanto, esta também foi uma situação em que todos ganham e que temos de continuar…” [9]

Está declaração foi dada em dezembro de 2023 — próximo a ela, Biden seguiu o mesmo tom. Ou seja, a aposta estava clara: a máquina de guerra iria continuar com o protagonismo para segurar as pontas e não deixar a economia estadunidense cair no desfiladeiro.

Em nossos últimos textos aqui no PP, observamos que não foi aquele sucesso, nem um fracasso, somente segurando a derrocada da economia para uma crise geral.

Mas a coisa muda e parece que o limite já foi atingido. Sim, há limites: o prolongamento do estado estacionário da economia pressiona a indústria, com exceção da guerra. Esta última, sustenta a totalidade até quando consegue crescer exponencialmente… é quando a coisa começa a desandar… Então…

“É preciso dar um jeito

É preciso, sim

Meu amigo, meu amigo, é preciso dar um jeito

É preciso dar um jeito, meu amigo” [2]

Agora, vamos à recente radiografia da economia norte americana.

EUA – Produção industrial 2024/25 (variação % em períodos selecionados) – Compilação de dados do Federal Reserve [10]
Coluna 1 variação 3 trimestre 2024 variação 4 trimestre 2024 set out nov dez jan 2005 Jan.  ’24
a
Jan.  ’25
1. Indústria Total -0,6 -1,4 -0,4 -0,5 -0,1 1 0,5 2
2. Manufatura -0,8 -1,4 -0,3 -0,7 0,2 0,5 -0,1 0,1
3. Bens de consumo Duráveis -3,1 – 3,2 -0,7 -1,4 0,8 0,6 0 0,1
4. Bens de consumo não Duráveis 1,8 0,6 0 0,1 -0,2 0,6 -0,3 2,3
5. Indústria Defesa e Aeroespacial [11] 1,8 -0,3 1,2 -0,9 1,5 0,9
6. Indústria selecionadas de alta tecnologia 5,7 4,9 0 1,4 -1,4 0,3 0,2 6,2
7. Indústria Total excluindo alta tecnologia -1,2 -2,0 -2 -1 0,5 0,5 -0,3 0,7

A indústria da guerra e espacial absorvem tudo, absorvem e desenvolvem. Desde as microcâmeras de nossos celulares, passando pelo GPS, o teflon, a penicilina, a internet, etc. Todas as indústrias tem o DNA da guerra, tudo em prol da destruição e depois desovado em nossa vida cotidiana para continuar a extração de mais-valia. Mas tudo chega ao seu limite, com esses últimos dados observamos que nem as guerras de Gaza e da Ucrânia sustentam mais a economia dos EUA. Engrossando o caldo, a situação interna nos EUA: a pressão dos trabalhadores por melhores condições de vida. Ou seja, aumenta a ingovernabilidade do Estado sobre a massa da força de trabalho nos EUA e no mundo. Aí está o sinal de alerta para a burguesia norte-americana. Os porquês de Mr. Trump para “tentar dar um jeito” estão explicados.

Na tabela acima vemos que a indústria até parece sair do marasmo, mas temos que nos aprofundar, porque os dados quase nos enganam, temos que ir ao coração da produção de valor, a manufatura.

Na manufatura, setor que engloba todos os setores que escolhemos e inserimos abaixo dela na tabela, observamos o resumo da ópera estadunidense: crescimento de 0,1 em 2024. Ou seja, estão produzindo por produzir, o capital não se expande e não gera mais capital. Se parar de girar deixa de ser capital e vira dinheiro, máquinas, força de trabalho, infraestrutura, matéria-prima em decomposição. Tudo em desvalorização sem gerar mais riqueza para ser acumulada em novas máquinas, novas instalações produtivas ou de armazenamento, novas estradas, novos satélites ou qualquer componente novo para a produção de mais capital. Claro, tudo ao seu tempo. Mas se parar de criar, mais vira menos.

Mas o pior está na próxima tabela [12]. Vamos direto ao ponto: em 2024 a produtividade do trabalho estagnou com um micro aumento de 0,3 ponto percentual, a produção recuou 0,4, as horas trabalhadas caíram 0,7 e o preço unitário do trabalho aumentou 3,1. No agregado dos últimos 03 anos o custo do trabalho aumentou 13,34% e a produção sequer esboçou uma recuperação.

Chapa quentíssima ao norte do Golfo do México.

A pressa de Trump em virar o disco está explicada. Em menos de 30 dias fez o inimaginável para o carcomido Biden, com Netanyahu operou um cessar fogo em Gaza [13]. Simultaneamente, soltou seus recados e pôs em prática a mudança no cenário: 1) queremos compensações da Ucrânia (leia-se minerais e terras raras) e concretizou as negociações com Putin para “pacificar” a guerra no leste europeu [14].

No dia 12 de fevereiro, 23 dias após a posse de Trump, o novo secretário de defesa dos EUA, Pete Hegseth, declarou em reunião:

“Queremos, como vocês, uma Ucrânia soberana e próspera. Mas precisamos começar reconhecendo que retornar às fronteiras da Ucrânia pré-2014 é um objetivo irrealista. Perseguir esse objetivo ilusório só prolongará a guerra e causará mais sofrimento”

Além da divisão no butim, de lambuja descartou a entrada da Ucrânia na OTAN e para evitar qualquer conflito mundial, impôs (sim, eu disse impôs) que as ajudas militares e não militares a Ucrânia devem ser concedidas pela Europa e países não europeus, mas sem a bandeira da OTAN, não cobertas pelo art. 5º da OTAN [15].

Há poucos dias foi além [16], declarou que Zelenski é um ditador e que a Ucrânia nunca deveria ter começado a guerra. E para fechar com toque de mestre, afirmou que “está negociando o fim da guerra com sucesso com a Rússia”.

É camaradas…

“As crianças são levadas

Pela mão de gente grande

Quem me trouxe até agora

Me deixou e foi embora

Como tantos por aí” [2]

Resistência ao recrutamento obrigatório, economia destruída, falta de apoio do principal financiador da guerra e derrota iminente no seu cangote estão tirando o sono do hipócrita humorista aprendiz de político ucraniano. Já se escuta Chopin em alto e bom som em Kiev, a mesma marcha fúnebre de Gaddafi, Osama, Sadam, Noriega e muitos outros capachos da CIA já atormenta o sono de Zelenski.

Agora é a hora da reconstrução. E da tentativa da retomada da economia dos EUA. Qualquer um que se opuser será esmagado pelos donos da mina e da fornalha. Pois a economia estacionária é sinal de metástase da economia de um país. Se os gastos com guerras pudessem aumentar exponencialmente, poderiam ser usados por mais tempo, mas até o céu tem limite, chega uma hora que acaba o oxigênio e os argonautas ao invés de acharem seu velocino de ouro entram em queda livre. E é contra isso que eles correm contra o tempo.

E nós sabemos o que eles querem: para os capitalistas, nosso sangue, carne, ossos e cérebros entificam o que eles acumulam. E só valem enquanto produzem e reproduzem valor e mais-valia. Mas eles, ao contrário de muita gente, sabem que em certos momentos da vida não se pode dar margem para o azar como ocorreu em 1917. Onde, ali pelas bandas da Ucrânia, em seguida de uma guerra germinou uma tal de Makhnovtchina. Mas isso é outro causo tche, outro causo.

Notinhas:

  1. Lembremos da Chechênia e seus heróicos combatentes contra as forças russas. Depois da derrota, seguindo Sun Tzu, os russos transformaram-nos em parte importante e aguerrida de seu exército.
  2. O recente interesse de Trump em Gaza pode-se justificar pela grande reserva de petróleo e gás natural na região, além da reconstrução, claro.
  3. Keir Starmer, primeiro ministro do Reino Unido declarou que a Ucrânia deve ter um lugar a mesa de negociações sobre a paz e que devem evitar uma futura invasão russa, mesmo que tenham que colocar tropas em solo para garantir. O recado foi dado: eu ainda estou aqui!
  4. Toda potência econômica é uma potência militar, com exceção da Rússia. Muito porque, os estados-nação tem suas forças armadas, na Rússia, notavelmente é o contrário. Desde sua formação, uma força militar detém aquele Estado.

Vamos acompanhar a pletora da economia norte-americana e a chegada de mais uma potência atômica ao jogo de xadrez no leste europeu. Será que a tríplice aliança iniciada com Stalin-Churchill-Roosevelt vai desandar 80 anos depois? Acho difícil.

Estamos aqui de olhos abertos e com a pena na mão. Navegar é preciso!

O pós-carnaval é a oportunidade de lembrar que a vida poderia ser uma festa constante. Paz entre nós e Guerra aos senhores!

Praia do Gonzaga, dia zero! 27 de fevereiro de 2025.

Notas

[1] O texto fica melhor ao som da trilha sonora abaixo citada.
[2] É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo — Erasmo Carlos.
[3] O Nobel da Paz vai para… https://passapalavra.info/2025/02/155840/
[4] https://criticadaeconomia.com/2015/06/realpolitik-o-futuro-da-europa-passa-por-kaliningrado/
[5] https://criticadaeconomia.com/
[6] https://www.understandingwar.org/
[7] Lembremos da tentativa de anexação de Luhansk e Donetsk logo após o presidente pró Rússia,  Viktor Yanukovich, ser destituído, muito bem analisado pelo mestre Antônio em https://criticadaeconomia.com/2015/02/batalha-de-debaltseve-os-rebeldes-das-republicas-populares-do-donbass-derrotam-o-exercito-ucraniano/
[8] https://noticiabrasil.net.br/20220222/discurso-de-vladimir-putin-sobre-reconhecimento-das-republicas-populares-de-donetsk-e-lugansk-21520017.html
[9] https://jornalggn.com.br/noticia/antony-blinken-diz-que-investimento-em-guerra-estimula-crescimento-dos-eua/
[10] https://www.federalreserve.gov/releases/g17/Current/default.htm
[11] https://www.federalreserve.gov/releases/g17/Current/table9.htm
[12] https://www.bls.gov/news.release/prod2.t03.htm
[13] https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/pressao-de-trump-foi-decisiva-para-acordo-de-cessar-fogo-entre-israel-e-hamas/
[14] https://www.bbc.com/portuguese/articles/cm23mp5mlk0o
[15] O Artigo 5 é o princípio de que um ataque a um membro da Otan representa um ataque a todas as nações da organização.
[16] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c86pln394jxo

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