Por Marlène Laruelle

 

A Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) foi concluída em Washington, D.C., em 22 de fevereiro de 2025. Reunidos para celebrar a vitória nas eleições de novembro, figuras-chave da administração Trump — todas confirmadas pelo Congresso — apareceram ao lado do presidente e de membros proeminentes do seu movimento MAGA [Make America Great Again]. Logo no primeiro mês desde a posse, em 20 de janeiro, o trumpismo abalou a América e redesenhou as fronteiras da paisagem internacional.

A CPAC tornou-se o símbolo do espírito MAGA. O evento recebeu dezenas de podcasters que desempenharam um papel importante no sucesso midiático de Trump entre a população americana. Os estandes variavam de iniciativas políticas a empreendimentos comerciais, com foco especial no mundo das criptomoedas — um dos principais interesses de investimento de Trump como empresário. A conferência atraiu também numerosos representantes estrangeiros: húngaros do governo de Viktor Orbán, o Presidente polaco Andrzej Duda, a Primeira-Ministra italiana Giorgia Meloni (virtualmente), o Presidente argentino Javier Milei, o filho de Jair Bolsonaro [Eduardo Bolsonaro], o Primeiro-Ministro eslovaco Robert Fico, a Fundação Patriotas pela Europa (think tank do grupo parlamentar europeu liderado por Jordan Bardella), o ativista pró-Brexit Nigel Farage, entre outros.

Com relação aos poloneses, o atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Radosław Sikorski, membro da coligação liberal do primeiro-ministro Tusk e em visita diplomática a Washington (onde se encontrou com Marco Rubio), também esteve presente na CPAC, com a Polônia a exibir um drone iraniano utilizado pelos russos na Ucrânia. A delegação polaca foi aclamada, em particular, pelas suas despesas com a defesa (5% do seu PIB).[1]

E, é claro, havia os símbolos inequívocos do folclore MAGA: o ônibus de campanha de Trump coberto por milhares de mensagens de apoio, homens e mulheres envoltos em bandeiras americanas, vestidos como a Estátua da Liberdade ou os Pais Fundadores, os famosos bonés vermelhos e toda uma série de roupas, broches, joias e bugigangas brilhantes com o nome de seu herói.

No entanto, além da atmosfera carnavalesca, a política estava em primeiro plano. Somente no primeiro dia, os três principais rostos do trumpismo subiram ao palco diante de milhares de apoiadores eletrizados: o vice-presidente J.D. Vance, que representa o trumpismo intelectual e polido; Elon Musk, conselheiro de Trump, que personifica o trumpismo libertário — focado no desmantelamento do Estado, de suas regulamentações e dos gastos sociais; e Steve Bannon, que representa o trumpismo militante, nacionalista e religioso, disposto a recorrer à violência para atingir seus objetivos políticos.

J.D. Vance: a face intelectual do trumpismo

Em apenas alguns meses, J.D. Vance surgiu como a figura-chave do trumpismo governista, construído sobre uma forte base ideológica — uma reinvenção do conservadorismo popular. Sua imagem pública está profundamente ligada às suas origens na classe trabalhadora, e seu livro, em grande parte autobiográfico, Hillbilly Elegy, tornou-se uma referência para aqueles que comemoram o retorno da “direita proletária” dos Estados Unidos.

Intelectualmente, Vance foi moldado por duas correntes principais que alimentam o movimento MAGA: pensadores pós-liberais/iliberais (como Patrick Deneen e Sohrab Ahmari) que argumentam que o liberalismo fracassou, e o tecnofuturismo, particularmente o transhumanismo (a ideia de uma “humanidade aprimorada” por meio de IA e máquinas) e as teorias do Iluminismo Negro representadas por figuras como Peter Thiel e Curtis Yarvin — às quais se deve acrescentar o toque trumpiano de “America First” e uma visão bastante comercial da ordem mundial.

Durante seu discurso, Vance se entusiasmou com a onda de choque político causada por seu discurso em Munique, atraindo aplausos da plateia, que se deleitava em zombar da União Europeia. Ele se vangloriou dos sucessos do governo alcançados em apenas um mês, transmitindo uma mensagem clara: o governo Trump tem quatro anos para provar que uma visão de mundo conservadora pode trazer prosperidade e estabilidade, em contraste com as elites liberais que, segundo ele, estão levando a civilização ocidental à ruína.

Elon Musk: a face libertária do trumpismo

Após o discurso de Vance e vários outros de figuras importantes da administração, a empolgação da multidão atingiu novos patamares quando Elon Musk foi anunciado como visitante surpresa. Nesse momento, a política e a cultura pop se fundiram: a sala entrou em erupção quando a celebridade bilionária subiu ao palco, e a atmosfera atingiu o ápice quando o presidente argentino Javier Milei apareceu de repente, empunhando uma motosserra, que ele apresentou a Musk — uma cena saída diretamente da luta livre profissional americana, com espetáculo teatral.

Musk se esforçou para articular um discurso ordenado e pareceu incapaz de fornecer números precisos sobre o DOGE, o Departamento de Eficiência Governamental que ele supervisiona, cujo objetivo é “encolher o mamute burocrático”, tomando emprestada a frase do político francês Claude Allègre. Mas isso não importava. Sua personalidade — MAGA sombrio, vestido de preto, fisicamente inquieto, pontuando seu discurso com risadas constrangedoras e referências a memes da Internet — não precisava de coerência intelectual. A mensagem foi clara e repetida durante todo o seu discurso: o governo Trump reduzirá os gastos federais, que aumentaram muito durante o governo de Obama e Biden, e redistribuirá as economias para o povo americano.

O papel de Musk na CPAC foi centrado no DOGE, de modo que o público não ouviu muito dele sobre o X (antigo Twitter) ou seu apoio a movimentos de extrema-direita na Europa. Sua visão de desregulamentação da economia e redução do tamanho do Estado está alinhada com a facção libertária do trumpismo. Mas Musk também explora os profundos mitos culturais da identidade americana. Ele representa a nova geração dos titãs industriais dos Estados Unidos — os Vanderbilts, Rockefellers, Carnegies e J.P. Morgans — e suas utopias tecnológicas de ficção científica reforçam a tradicional celebração americana do produtivismo e do otimismo. Ao fazer isso, ele incorpora tanto o libertarianismo antiestatal quanto o tecnofuturismo como um projeto nacional, restaurando os mitos basilares dos Estados Unidos.

Steve Bannon: a face nacionalista do trumpismo

Era de se esperar que a energia na sala diminuísse após o desempenho de Musk, mas então veio Steve Bannon, um orador de excepcional habilidade retórica. Bannon, ex-chefe do Breitbart News, uma plataforma importante da Extrema-Direita repleta de referências fascistas e da Nova Direita, e ex-estrategista de Trump na Casa Branca, é agora reverenciado como um mártir político, tendo passado quatro meses na prisão por sua recusa em responder a uma intimação do Congresso relacionada ao motim de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio.

Seu discurso foi muito diferente do de Musk. Apresentado no estilo dos televangelistas americanos, foi altamente controlado, repleto de referências religiosas e místicas, e enquadrou Donald Trump como um líder divino enviado para salvar o povo americano. Bannon passou grande parte de seu discurso comemorando a libertação dos “J6ers” — os revoltosos de 6 de janeiro — que Trump perdoou em seu primeiro dia no cargo. Sua retórica foi repleta de terminologia militar — derrota, vitória, nunca se renda, recarregue seu rifle, volte para a batalha — e pontuada pelo icônico canto trumpista: “fight, fight, fight”, que se tornou sinônimo da saudação de punho cerrado de Trump após a tentativa de assassinato de 13 de julho de 2024 em Butler, Pensilvânia. O discurso foi concluído com uma breve, mas inequívoca, saudação fascista, seguida por saudações militares mais convencionais que foram recebidas com aplausos estrondosos.

Vance, Musk, Bannon… Três faces da ideologia MAGA — conservadorismo clássico e “America First”; libertarianismo e tecnofuturismo; nacional-populismo e radicalismo de inspiração fascista. Três versões diferentes do trumpismo, cada uma misturando respeitabilidade, extremismo e cultura pop, unidas por sua lealdade a um único líder em uma mistura pós-moderna que perturba as normas políticas tradicionais [2].

Embora existam tensões (Bannon e Musk se desprezam abertamente), essas diferenças estilísticas não devem obscurecer a unidade de seu projeto político. A revolução iliberal está em andamento, e sua filosofia aceleracionista — acreditando que a velocidade é a chave para transformar as instituições — deixa poucas dúvidas: o velho mundo está morto, e os oponentes do trumpismo devem agora se reinventar em um contexto radicalmente novo.

Notas da tradução:

[1] Todo este parágrafo aparece somente na versão em francês.
[2] Aqui há diferenças entre a versão em inglês e a francesa. Mantive a versão em inglês por resgatar os conceitos já citados.

Nota do tradutor:

Este artigo é de autoria de Marlène Laruelle e foi originalmente escrito em francês . Uma versão em inglês foi publicada no site https://www.illiberalism.org/vance-musk-bannon-the-three-bodies-of-trumpism/ e é nesta versão que a tradução para o português se apoia. Há trechos na versão em francês que foram adicionados posteriormente e preservados neste artigo. Fora isso, as consultas ao material em francês foram pontuais, portanto qualquer falha deve ser creditada ao tradutor. As notas de rodapé se limitam a esclarecer a organização da tradução e os links foram inseridos com exclusividade para este artigo. Por Alan Fernandes.

 

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