Por ex-trabalhadora da CPT

Quando entrei na CPT, me disseram que se tratava de uma instituição ecumênica, que respeitava todas as fés e também a não fé, e que eu não seria obrigada a professar o catolicismo ou qualquer outra forma religiosa com a qual não me identificasse. Porém, isso se mostrou mentiroso.

Sou ateia, não professo nenhuma religião e não me sinto confortável em permanecer em ambientes religiosos ou onde tudo gira em torno de uma crença. Percebi logo que a manutenção do meu emprego dependia também da participação no ritual religioso semanal que acontece na secretaria nacional, todas as segundas-feiras, nas primeiras horas do expediente, e em todas as atividades realizadas pela instituição.

Dão o nome de “mística” a esse momento nos encontros e de “oração” ao que ocorre na secretaria nacional, sempre atrelado aos avisos semanais, o que nos obrigava, sumariamente, a participar.

Como funciona a oração:
Toda segunda-feira, a oração é de responsabilidade de um departamento, que elege uma ou mais pessoas para conduzi-la — quase sempre com conteúdo cristão: leituras da Bíblia, textos católicos, como cartas do papa ou materiais da Campanha da Fraternidade da CNBB.
Sempre termina com palavras de outras religiões (“axé”, “awê”, “saravá”), mas ficam limitadas a esse breve momento.

No mais, é cristianismo compulsório. Às vezes, alguns membros substituem por músicas ou vídeos sobre protestos relacionados a minorias sociais e do campo, mas nada muito distante do discurso oficial da instituição.

Logo após as orações, cada departamento dá avisos sobre suas atividades e agendas, o que prejudica quem se recusa a participar do momento religioso.

Durante anos, discutimos esse tema, deixando claro que não era um momento confortável ou acolhedor para quem não era cristão. As respostas, porém, sempre reiteravam que o momento era “imprescindível” para a instituição, e quem o questionava era lembrado de que a CPT tinha origem no catolicismo — um discurso distorcido que usa a história da instituição como justificativa para a imposição.

O que mais me incomodava era o discurso ecumênico que não se refletia na prática, especialmente para quem não professava o catolicismo. Se nos atrasássemos ou faltássemos à oração, éramos cobrados. Criamos até o hábito de justificar antecipadamente os dias e motivos de ausência, mas mesmo isso gerava constrangimentos.

Houve um dia, por exemplo, em que o coordenador nacional reclamou publicamente da demora, dizendo que esperava há 20 minutos na sala de oração — embora houvesse o costume de aguardarmos o sinal para ir ao local e dar início ao ritual. Segue o print da cobrança do coordenador, que comprova: a oração (ou “mística”, ou qualquer nome que lhe dessem) era obrigatória e cobrada quando não cumprida conforme o esperado.

8 COMENTÁRIOS

  1. Fosse em qualquer outro lugar eu daria razão. Mas é uma pastoral. Pastoral. PAS-TO-RAL. Diretamente ligada à diocese, por mais “independente” que queira parecer. Queriam o quê? Trabalhar para bispo sem serem evangelizados diariamente?

  2. Deve ser uma chateação ter que ouvir essas coisas de ecumenismo e Campanha da Fraternidade em qualquer lugar, ainda mais no trabalho. Parece-me que tanto uma quanto a outra pertencem ao lado politicamente correto da Igreja Católica no Brasil; é uma impressão que tenho. O que me faz imaginar que os trabalhadores das empresas ligadas ao catolicismo tradicionalista não passam por essas chateações; as chateações devem ser outras.

  3. Se depender dos comentadores aqui, a forma mais elevada de luta de classes é a escolha voluntária e consciente de pra qual patrão você quer trabalhador. Se escolheu o patrão errado, é que nem escolher o partido errado, lide com as consequências da sua livre escolha. Lutar pra mudar condições de trabalho pra que? Lutar pra melhores salários pra que? É só escolher um patrão que pague bem e que não queira cortar custos pra te explorar mais!

  4. Outro Curioso, então vamos lá… sejamos honestos, para o caso trazido aqui por uma ex-trabalhadora da CPT, e volto a repetir, para o caso trazido aqui nesta postagem acima, em termos de luta de classes, o que tu sabe que vem acontecendo lá dentro e que nós aqui fora podemos ajudar?

  5. Giancarlo, realmente não compreendi se seu comentário foi defendendo a instituição ou a afundando mais ainda. Realmente, se esse for o lado politicamente correto da igreja católica, a teologia da libertação está mesmo por um fio. Outra coisa, que eu saiba, nenhuma instituição está acima dos deveres constitucionais e o minimo para uma organização que tem em sua defesa o “politicamente correto”, seria respeitar os direitos constitucionais de seus trabalhadores.

    Talvez, a CPT deva aprender com os colégios confessionais. Nenhum professor é obrigado a professor é obrigado a participar das orações, ainda que elas ocorram diariamente. E olha que falo aqui até mesmo de colégios evangélicos, neopentecostais. Agora, imagine só que os colégios neopentecostais andam respeitando mais os direitos constitucionais de seus trabalhadores que a CPT, ou melhor dizendo, que a parte “politicamente correta” da igreja católica. A coisa não está boa mesmo ein…

  6. Meu senhor Jesus Cristo, não busquei atacar ou defender a Igreja. Eu sei bem da minha insignificância no mundo, e sei, também, que essa igreja tem 2000 mil anos de história. Com uma história dessas ela não precisa do meu apoio e nem cairá com a minha crítica. O que disse é que eu tenho a impressão que existe um lado politicamente correto nela, e esse lado, há um bom tempo, busca, diante da sociedade, posicionar ela bem, então fala-se em ecumenismo e Campanha da Fraternidade. Parece-me algo do politicamente correto no sentido de dizer coisas da moda, como os departamentos de inclusão e diversidade de muitas empresas também o fazem. Bom, mas eu posso estar completamente equivocado e, para além de discursos bonitinhos, na verdade a Igreja está dividindo sua riqueza com os pobres. Basicamente foi isso, e completei falando que eu acho que deve ser uma chateação ter que escutar esse papo todo no trabalho, bem como imagino que os trabalhadores das empresas ligadas ao catolicismo tradicionalista passam por outras chateações, já que a vertente tradicionalista no Brasil não abraça nem o politicamente correto, nem a Campanha da Fraternidade e nem o ecumenismo.

  7. Me atacar não muda que foram trabalhar para uma pastoral sem querer rezar. Faria sentido se fosse uma empresa fora da igreja. Mas numa pastoral? Fala sério!

  8. Sobre mística, política e trabalho, vale a pena pensar em algumas coisas. Qual é a função da prática nestes espaços? Pelo que já vivi em diferentes contextos profissionais, pessoais e de militância, me parece que em geral é um apelo ao reconhecimento daquele espaço como uma comunidade, um espaço de irmãos, em geral pautados pela repetição de determinadas cerimônias, ritualizadas, que reforçam o poder de quem conduz aquela cerimônia e constrói um sentimento de pertencimento dos que lá estão. Ao se produzir tal efeito você tem uma duplicidade, ao mesmo tempo que se oculta as hierarquias, colocando todos como parte daquele coletivo, se reforça estas mesmas hierarquias pois a crítica à elas se torna uma crítica ao propósito comum que une as pessoas ali. Por vezes, estes espaços mantém as outras práticas que não as místicas estramente desorganziadas e informais, o que permite ainda mais o reforço do papel de quem conduz a ritualização.
    E aí faz pouca diferença se as místicas construídas são pautadas por uma condução católica, se é um coach, se usa um turbante, se está sentada em uma fisiobol, se termina cada fala em uma palavra de ordem, ou o que quer que seja. O intuito é o mesmo, aumentar o engajamento e a produtividade dos outros, reduzir o espaço de questionamento, reforçar a dominação de figuras de liderança.

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