O resultado é o elogio aberto à exploração do trabalhador, “Na pátria de Perón / quem não trabalha atrapalha”. Por Poeta em Buenos Aires
Mimetizar a fala do homem humilde, aproximar as figuras de Evita e Perón a uma mística cristã e ensinar a virtude do peronismo como a construção de uma nova sociedade são os lugares comuns que marcam os poemas da antologia (e da propaganda peronista de uma forma geral). Existe uma disputa ideológica claramente marcada e a organização da “terceira via” buscava construir sua base avançando sobre os espaços sociais e ideológicos dos campos políticos pre-existentes: o nacionalismo das elites contrincantes, a origem social do grande líder, e o endereçamento às massas das tradições classistas. O resultado é o elogio aberto à exploração do trabalhador, “Na pátria de Perón /quem não trabalha atrapalha”, repaginada como construção de pátria e liberação soberana.
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A tradição intelectual da Escola de Frankfurt expôs os desvarios da razão nos regimes fascistas europeus, especialmente o nazismo. A crítica destes autores, muitas vezes tidos como “eurocêntricos”, foram muito bem aceitas em solo latinoamericano. A face autômata e estoica da administração fascista é amplamente conhecida e sua crítica enfadonhamente reproduzida. Resta buscar entender bem por quê produzem tão pouco eco os indícios do importante papel que o irracionalismo tem no surgimento e na organização destes fenômenos políticos e sociais. Deixaremos aos leitores estes versos de flamante paixão peronista, para que tirem suas conclusões.
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Por quê sou Peronista
(Fernando Nadal Gahn)
Sou Peronista, senhores, de consciência e coração
Peronista é fazer Pátria e Pátria faz Perón.
Dar uma mão ao caído e ajudar na ocasião,
tratar de que haja menos ricos e menos pobres é a razão.
Peronismo é trabalho, é um sonho, uma ambição;
saber ser Peronista é saber o que é a honra.
É um só movimento ativo e irresistível,
onde todo homem honesto tem lugar, senhor.
Peronismo, não é caudilhismo e fraudes em ação
para fazer a vida de folgados, sem consciência, sem razão.
Peronismo é lealdade, sacrifício, boa intenção,
trabalhar por causa nobre, que é a causa de Perón.
Peronismo não é nome, é um símbolo, senhor.
Os homens passam e fica de sua lembrança a ação,
o proveito, o ensino, sua conduta varonil,
os exemplos impecáveis, que seu ideal nos ensinou.
Não é sentir-se Peronista e encher-se de ambição,
pretendendo benefícios que afetam a Nação.
Por ser homem da causa e sentir-se com razão
de que devem ajudá-lo porque é obrigação.
Isso não é ser Peronista, é ser um adulador,
um farsante desonesto… que aproveita a ocasião,
de explorar os dirigentes e fazer-se de relações,
para tirar proveito em seu beneficio, senhor.
Peronista é com a alma, que leva em seu coração,
o ideal inquebrantável, pela Pátria e por Perón.
Peronista, é quem trabalha e leva como ambição
com o suor de sua testa, produzir mais e melhor.
Peronista, é aquele homem do arado e enxadão
que ao ir abrindo os sulcos pela Pátria e por Perón
lhe canta um hino ao trabalho e rega com suor
à Mãe terra virgem, que lhe dará o pão de Deus.
Peronista, nada espera, trabalha com fé e amor,
porque sabe que é a essência de um movimento melhor,
é um grito de justiça e de humana lei, senhor,
onde idoso e criança são protegidos pela Nação.
Peronismo, está na bigorna, na pluma, na canção,
na fábrica, nas oficinas, na fumaça e no suor,
nas espigas de trigo e na flor de algodão,
na alma de quem sofre, e trabalha com fervor,
porque a causa é sincera, ela não tem rancor,
vai recorrendo a Pátria, como rastro de amor,
como uma canção de berço, com acento de clamor,
que as mães argentinas cantam com seu primor.
Argentinos e Estrangeiros, que tenham bom coração
devem sentir-se orgulhosos de trabalhar com Perón,
sem ideologias estranhas, que envenenam a Nação,
e que seus frutos nos trazem só inveja e ambição.
Porque, é honroso dize-lo, porque é honrado, senhor,
você o dirá comigo e a única testemunha é Deus,
Perón, está com seu Povo, por sua justiça e honra.
O Condor chegou ao cume, mas voando, senhor.
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(Evaristo Barrios)
E eu encarei o Presidente.
É um homem de talento,
que leva seu pensamento
mesmo que escrito, à frente!
Me deu a mão sorridente,
e me fez um convite
para que eu ocupasse o assento
que estava todo limpim,
era de couro forradim,
e bastante baixinho.
Sentei o corpo devagarzinho,
com cuidado pa não estragar,
e comecei a acariciar
pra domá-lo, suavezim.
Largou um suspiro curtim,
e eu, bastante preocupado,
pensava que tinha entrado
num lugar que não devia,
e o bom homem estava que se ria
ao me ver assim agrandado.
E me disse: “Não se assuste,
você chegô na sua casa;
e me diga como é que cê tá
e peça o que quiser.
vai logo então ser ajustado;
se os tempos já mudaram
indo por melhor caminho,
é pra que o povo argentino
ganhe o que deles foi tirado”.
Eu, com a preocupação,
não sabia quê responder.
E disse: “Vai me desculpar
esse tamanho atrevimento;
mas na verdade do conto
é que, mesmo eu sendo ingnorante,
uma virtude é a constância
que deixa todo mundo assombrado;
faço um trem com meus pangarés
e venço qualquer distância”.
“Quis visitar você
bem que dizem que o que não sabe
é igual ao que não vê;
quando me vim pra cidade
foi quando me apercebi
que tinha que ser, pra mim,
um assunto espinhento
mas igualzim ao malhado,
segui na insistência.
E agora que estou frente a frente
com o Primero Cidadão,
que sereno e tranquilão
me dá a mão sorridente
posso dizer que o presente
é diferente do passado;
antes, o gaucho(XXX) atrasado,
que foi a carne do caudilho,
tinha que andar com a navalha
pra que fosse respeitado.
E agora chega; as arquibancadas
vão margeando a praça,
e o gaucho vai com seu jeito
até a Casa Rosada.
A gente, bem educada,
deixa ele passar sorridente,
tratam ele como um decente,
e até com respeito escutam ele.
O mesmo que fazia Yrigoyen
que foi outro grande Presidente!
Bom — disse — nem me diga
que você veio pedir;
então você tem que dizer
no que eu posso te ajudar.
Não é questão de conversar
pra me trazer ponderações,
eu tenho muitas questões,
amigo, pra resolver,
e me esqueço do dever
com estas conversações.
Por toda sua resposta
eu disse: “Se eu vim até aqui
é porque você cumpriu
de sobra tua obrigação.
Eu trago a adimiração
de todos meus compadres:
peões do campo, tropeiros,
sertanejos, madeireiros,
ordenhadores, hortelãos,
gente do plantio e motoristas.
Trago o agradecimento
dos pobres do campo
que se sentem teus irmãos
pelo teu bom comportamento.
Trago o melhor sentimento
daqueles desamparados,
que viviam no esquecimento,
sumidos na pobreza,
em um ninho de riqueza,
esfomeados e desgraçados.
pidindo que se levantem
e que na lembrança façam guarda
para que não volte o passado.
Do que escutô tua voz
que pra poder conseguir
o bem estar pra viver
tem que se vencê a preguiça;
que o trabalho cria riqueza
e então, temos que produzir!!
Trago o palpitar
dos que aqui não vieram,
e que fizeram pra você um ninho
nos seus próprios corações.
Tem poderosas razões
pra que eu te cante essa nota;
se você ri de mim fazendo troça
não me importo mesmo;
cumpri com o que eu queria,
cumprimentar o grande Patriota.
E agora, te digo o desejo
que me está fazendo cócegas:
me mostra, pra meus pangarés,
um pasto bonito.
O caso era complicado
mais o homem se prontificô,
um assistente chamô,
e senti que ele dizia
algo sobre cavaleria,
e anssim se dispidiu.
Com palavras de compromisso,
dessas que são obrigadas,
e no lombo duas palmadas,
sai como que protegido.
Pra muitos, fui um atrevido
porque me sobrô coragem;
mas eu aprendi nessa viagem
o que eu vou seguir contando,
e que fui aproveitando
metido no meio do povão.
As obras que ilustram este post são do artista polonês Jacek Yerka.
A série Poesia peronista foi publicada em três partes. Para ler os posts anteriores clique aqui e aqui.
Interessante a associação das poesias com as imagens de marcado veio surrealista- se eu não me engano são contemporâneas, no entanto. O emprego de certos recursos ilustrativos lembram bastante o uso estilizado e até mesmo vulgar de palavras como “povão” ou “sobrô” (no poema Buscando teto). Tratando-se de uma tradução, não sei quais seriam estas palavras em castelhano, mas imagino que seja algo nessa linha mesmo.
Tenho idéias para próximas ilustrações, se você pretende publicar Poesia Peronista IV.
Abraços